Papéis de Alexandria*: Jornalistas

10-10-2009
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Extractos da intervençãode Fernando Correiana apresentação do livro Os autores:Carla Baptista eFernando Correia (...)Este livro é pontuado por uma série de pequenas histórias (e muitas outras poderiam ser contadas) , mas esteve longe de nós a ideia de contribuir para o anedotário da profissão.Essas histórias apenas pretendem ilustrar situações, exemplificar tendências e mentalidades, contribuindo para uma melhor compreensão daquele que foi o nosso objectivo principal: descrever um período que entendemos como fundamental para evolução do jornalismo e dos jornalistas, um período que, de algum modo, se pode considerar como charneira entre o velho jornalismo ainda em parte herdeiro das práticas e das concepções do passado, e o despontar, tímido, vigiado e controlado de um novo jornalismo, mais aberto às novas tendências, e que só viria a poder afirmar-se nos anos posteriores à conquista da liberdade.Eu e a Carla tentámos com este trabalho introduzir algumas perspectivas pouco utilizadas nas formas de abordar a história do jornalismo e dos jornalistas portugueses.Nomeadamente, partimos do pressuposto teórico, que depois o decorrer da investigação confirmou, de que a história da imprensa não se pode confundir com a do jornalismo considerado este como uma actividade específica desempenhada por profissionais específicos (ou, durante um certo período histórico, por profissionais em construção) — os jornalistas.À medida em que, ao longo dos dois últimos séculos, a imprensa se foi desenvolvendo, os jornalistas, que inicialmente se identificavam com os proprietários dos jornais e com os políticos, escritores e publicistas que neles colaboravam, foram ganhando autonomia e, a pouco e pouco, ocupando o seu espaço próprio, nomeadamente, no que se refere aos materiais jornalísticos, através da crescente distinção entre a opinião e os factos, o comentário e a notícia.O âmbito da história do jornalismo centra-se na actividade dos jornalistas, nas suas concepções e práticas, nas formas de recolher, seleccionar e elaborar a informação, nos instrumentos de trabalho, na organização interna das redacções e no relacionamento com outros sectores da empresa jornalística e fora dela, na constituição e construção do jornalismo enquanto profissão — que, aliás, entre nós a partir dos anos 70, começou a abranger (legalmente, ainda que já os abrangesse na prática) jornalistas de outros media para além da imprensa diária (rádio, televisão, jornais não diários e desportivos, revistas).Valorizamos aspectos como a organização e o funcionamento das redacções e os instrumentos de trabalho dos jornalistas, na convicção de que a subestimação da importância das condições concretas da produção amputa irreparavelmente a análise de uma componente essencial para a compreensão da actividade jornalística.É, pois, essencialmente o profissionalismo jornalístico que abordamos, procurando mostrar em que medida estes anos, no quadro dos condicionalismos, nomeadamente políticos, que os marcaram, constituíram uma fase de importância decisiva na modernização do jornalismo e na definição da autonomia e da identidade profissionais dos jornalistas portugueses.Outro conceito que orientou a nossa investigação foi o nosso entendimento da história do jornalismo como história social do jornalismo e não como uma realidade superestrutural desligada da evolução da sociedade. É em interligação com a sociedade que o jornalismo se vai transformando, sendo que ele próprio, jornalismo, dentro da sua autonomia relativa, influencia essa evolução.Um terceiro ponto gostaria de referir: o de que o período do fascismo, no que se refere à história do jornalismo, não pode ser tomado como um bloco homogéneo, tornando-se necessário, através do desenvolvimento das investigações, detectar fases e aprofundar o seu estudo, como o fez recentemente Ana Cabrera em relação ao marcelismo.Uma última consideração.O projecto inicial que serviu de ponto de partida para o nosso trabalho chamava-se Memórias Vivas do Jornalismo. Tratava-se, pois, e trata-se, de uma incursão no passado, recuperando características, conceitos e práticas de um período na história do jornalismo que consideramos fundamental para a construção da profissão.Regressar ao passado, reconstruí-lo e recontá-lo, é não só uma tarefa em si própria fascinante, mas também indispensável para compreender as raízes e as razões do presente. No jornalismo como no resto.Num período em que, não inocentemente, se procura apagar das redacções a memória, abrindo caminho a uma tecnocracia informativa, desumanizada e sem dimensão ética, na qual o factor humano funciona apenas como estratégia de sedução do público e de conquista de audiências;Num período em que sob o falso pretexto do fim das ideologias se procura impor a ideologia do ligeirismo, do divertimentismo, do sucesso rápido para alguns e da condenação de muitos outros à marginalidade (que não é apenas económica, mas também política, cultural e civilizacional);Num período em que é urgente voltar ao velho, ou alegadamente velho, conceito de alienação, e aprofundar os novos mecanismos que a produzem e reproduzem;Num período destes, estudar o passado, recuperar a memória e aprender com ela, é uma tarefa fundamental.No jornalismo, como no resto.


Extractos da intervençãode Fernando Correiana apresentação do livro Os autores:Carla Baptista eFernando Correia (...)Este livro é pontuado por uma série de pequenas histórias (e muitas outras poderiam ser contadas) , mas esteve longe de nós a ideia de contribuir para o anedotário da profissão.Essas histórias apenas pretendem ilustrar situações, exemplificar tendências e mentalidades, contribuindo para uma melhor compreensão daquele que foi o nosso objectivo principal: descrever um período que entendemos como fundamental para evolução do jornalismo e dos jornalistas, um período que, de algum modo, se pode considerar como charneira entre o velho jornalismo ainda em parte herdeiro das práticas e das concepções do passado, e o despontar, tímido, vigiado e controlado de um novo jornalismo, mais aberto às novas tendências, e que só viria a poder afirmar-se nos anos posteriores à conquista da liberdade.Eu e a Carla tentámos com este trabalho introduzir algumas perspectivas pouco utilizadas nas formas de abordar a história do jornalismo e dos jornalistas portugueses.Nomeadamente, partimos do pressuposto teórico, que depois o decorrer da investigação confirmou, de que a história da imprensa não se pode confundir com a do jornalismo considerado este como uma actividade específica desempenhada por profissionais específicos (ou, durante um certo período histórico, por profissionais em construção) — os jornalistas.À medida em que, ao longo dos dois últimos séculos, a imprensa se foi desenvolvendo, os jornalistas, que inicialmente se identificavam com os proprietários dos jornais e com os políticos, escritores e publicistas que neles colaboravam, foram ganhando autonomia e, a pouco e pouco, ocupando o seu espaço próprio, nomeadamente, no que se refere aos materiais jornalísticos, através da crescente distinção entre a opinião e os factos, o comentário e a notícia.O âmbito da história do jornalismo centra-se na actividade dos jornalistas, nas suas concepções e práticas, nas formas de recolher, seleccionar e elaborar a informação, nos instrumentos de trabalho, na organização interna das redacções e no relacionamento com outros sectores da empresa jornalística e fora dela, na constituição e construção do jornalismo enquanto profissão — que, aliás, entre nós a partir dos anos 70, começou a abranger (legalmente, ainda que já os abrangesse na prática) jornalistas de outros media para além da imprensa diária (rádio, televisão, jornais não diários e desportivos, revistas).Valorizamos aspectos como a organização e o funcionamento das redacções e os instrumentos de trabalho dos jornalistas, na convicção de que a subestimação da importância das condições concretas da produção amputa irreparavelmente a análise de uma componente essencial para a compreensão da actividade jornalística.É, pois, essencialmente o profissionalismo jornalístico que abordamos, procurando mostrar em que medida estes anos, no quadro dos condicionalismos, nomeadamente políticos, que os marcaram, constituíram uma fase de importância decisiva na modernização do jornalismo e na definição da autonomia e da identidade profissionais dos jornalistas portugueses.Outro conceito que orientou a nossa investigação foi o nosso entendimento da história do jornalismo como história social do jornalismo e não como uma realidade superestrutural desligada da evolução da sociedade. É em interligação com a sociedade que o jornalismo se vai transformando, sendo que ele próprio, jornalismo, dentro da sua autonomia relativa, influencia essa evolução.Um terceiro ponto gostaria de referir: o de que o período do fascismo, no que se refere à história do jornalismo, não pode ser tomado como um bloco homogéneo, tornando-se necessário, através do desenvolvimento das investigações, detectar fases e aprofundar o seu estudo, como o fez recentemente Ana Cabrera em relação ao marcelismo.Uma última consideração.O projecto inicial que serviu de ponto de partida para o nosso trabalho chamava-se Memórias Vivas do Jornalismo. Tratava-se, pois, e trata-se, de uma incursão no passado, recuperando características, conceitos e práticas de um período na história do jornalismo que consideramos fundamental para a construção da profissão.Regressar ao passado, reconstruí-lo e recontá-lo, é não só uma tarefa em si própria fascinante, mas também indispensável para compreender as raízes e as razões do presente. No jornalismo como no resto.Num período em que, não inocentemente, se procura apagar das redacções a memória, abrindo caminho a uma tecnocracia informativa, desumanizada e sem dimensão ética, na qual o factor humano funciona apenas como estratégia de sedução do público e de conquista de audiências;Num período em que sob o falso pretexto do fim das ideologias se procura impor a ideologia do ligeirismo, do divertimentismo, do sucesso rápido para alguns e da condenação de muitos outros à marginalidade (que não é apenas económica, mas também política, cultural e civilizacional);Num período em que é urgente voltar ao velho, ou alegadamente velho, conceito de alienação, e aprofundar os novos mecanismos que a produzem e reproduzem;Num período destes, estudar o passado, recuperar a memória e aprender com ela, é uma tarefa fundamental.No jornalismo, como no resto.

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