TCOs portugueses em 2009: 41% deles recebe menos de €600/mês

29-09-2009
marcar artigo

TCOs portugueses em 2009: 41% deles recebe menos de €600/mês por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

Em 2006, Olivier Blanchard, actual director do FMI, esteve em Portugal e apresentou como "receita" para aumentar a competitividade da economia a redução de 20% nos salários nominais dos trabalhadores portugueses. Desde esse ano, personalidades como Silva Lopes e Vítor Bento, com acesso privilegiado aos media, têm defendido uma "receita" semelhante que, apesar de não ter qualquer novidade, tem sempre grande repercussão mediática. Todos eles manifestam uma ignorância deliberada sobre os níveis salariais em Portugal. O INE acabou de publicar as Estatísticas do Emprego referentes ao 1º Trimestre de 2009. E anexas a essas estatísticas foram também divulgadas as estruturas salariais dos trabalhadores portugueses por conta de outrem (TCOs) referentes ao 1º Trimestre de 2009. Elas mostram que o modelo de económico português baseado em baixos salários persiste, não tendo registado qualquer alteração significativa nos últimos anos, e que a "teoria" da redução de salários para enfrentar a crise, para além de ser socialmente inaceitável e moralmente injusta, só agravaria ainda mais a grave crise que o País enfrenta.

Assim, segundo o INE (Quadro I), no 1º Trimestre de 2009, 1.577.100 trabalhadores por conta de outrem, ou seja, 40,6% do total de trabalhadores tinham um salário liquido inferior a 600 euros por mês. Apenas 483,1 mil, ou seja, 12,4% do total, recebiam um salário líquido mensal superior a 1.200 euros por mês. Os que recebiam mais de 1.800 euros por mês eram apenas 3,8% do total.

Em Portugal continua-se a verificar desigualdades salariais grandes entre as diferentes regiões do País (Quadro II). No 1º Trimestre de 2009, segundo o INE; a percentagem de trabalhadores por conta de outrem a receber um salário mensal liquido inferior a 600 euros era de 49,7% na Região Norte; de 45% na Região Centro; de apenas 25% na Região de Lisboa; de 42,7% na Região do Alentejo; de 33,5% na Região do Algarve; de 55,3% na Região Autónoma dos Açores; e de 44,4% na Região Autónoma da Madeira. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que tem um salário líquido mensal superior a 1.200 euros, a percentagem é de 12,4% a nível do País; de 9,9% na Região Norte; de 6,7% na Região Centro; de 21% na Região de Lisboa; de 9,7% na Região do Alentejo; de 10,6% na Região do Algarve; de 10,7% na Região Autónoma dos Açores; e de 9,5% na Região Autónoma da Madeira. Portanto, as disparidades salariais entre as várias regiões do País continuam a ser grandes.

Em Portugal também continua-se a verificar grandes desigualdades salariais entre os diferentes sectores da economia (Quadro III). No 1º Trimestre de 2009, segundo também o INE, a percentagem de trabalhadores por conta de outrem a receber um salário mensal líquido inferior a 600 euros era de 63,5% na Agricultura e Pescas; de 46,1% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 37,2% no sector de Serviços. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que tem um salário líquido mensal superior a 1.200 euros, a percentagem era de 1,1% na Agricultura e Pescas; de 6,3% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 15,8% no sector de Serviços. Portanto, as disparidades salariais entre os vários sectores da economia continuam a ser grandes em Portugal.

É num País em que uma parte significativa dos trabalhadores continua a auferir salários extremamente baixos — cerca de 41% recebe mesmo um salário liquido inferior a 600 euros por mês —, e em que se verificam grandes desigualdades salariais entre as diferentes regiões e entre os diferentes sectores que alguns, aproveitando-se da crise, vêm de novo defender o congelamento ou mesmo a redução dos salários com a justificação de que isso é necessário para enfrentar a crise actual. Numa crise, como é esta, em que a quebra na procura constitui a causa principal, a redução dos salários só a agravaria, na medida que determinaria uma maior quebra na procura e a subida acentuada dos incumprimentos nos pagamentos. Foi isso precisamente o que veio dizer o próprio governador do Banco de Portugal (Lusa, 27/05/2009), que é uma personalidade que não se tem caracterizado por defender os trabalhadores; muito pelo contrário. É evidente que a defesa da redução dos salários aproveitando a crise visa manter um modelo económico baseado em salários ainda mais baixos, que a experiência já mostrou o total fracasso, e garantir os lucros das grandes empresas.

Em 2006, Olivier Blanchard, actual director do FMI que, tal como Alan Greenspan antigo presidente da Reserva Federal americana, se mostra surpreendido com a dimensão da crise actual [1] , esteve em Portugal. E tal como sucede neste momento, em que se multiplica em dar "receitas" para a crise, embora tenha sido incapaz de a prever e de a compreender no inicio, também apresentou uma "receita" para aumentar a competitividade da economia portuguesa. E essa receita era uma redução de 20% nos salários nominais dos trabalhadores portugueses. Desde esse ano, conhecidas personalidades que têm acesso privilegiado aos media repetem tal "receita" que, apesar de não ter qualquer novidade, tem sempre grande repercussão mediática. Este ano já aconteceu isso com Silva Lopes que defendeu o congelamento dos salários "normais", e Vítor Bento, actual presidente do SIBS, que defendeu a redução dos salários. Todas estas "personalidades" revelam uma ignorância deliberada dos níveis salariais dos trabalhadores portugueses. O INE acabou de publicar as Estatísticas do Emprego referentes ao 1º Trimestre de 2009. E anexas a essas estatísticas vêm as estruturas salariais dos trabalhadores por conta de outrem portugueses referentes ao 1º Trimestre de 2009. São precisamente esses dados que utilizamos neste estudo.

41% DOS TRABALHADORES PORTUGUESES RECEBEM EM 2009 MENOS DE 600 EUROS POR MÊS

O quadro seguinte, construído com os dados divulgados pelo INE, revela os níveis salariais dos trabalhadores por conta de outrem no 1º Trimestre de 2009.

QUADRO I – Repartição dos trabalhadores por conta de outrem em Portugal em número e em %

por escalões de rendimento salarial mensal liquido – 1º Trimestre de 2009 DESIGNAÇÃO PORTUGAL Trabalhadores por conta de outrem – Mil 3884,5 % Total Escalão de rendimento salarial: Mil Menos de 310 euros 147,8 3,8% De 310 a menos de 600 euros 1 429,3 36,8% De 600 a menos de 900 euros 1 027,8 26,5% De 900 a menos de 1 200 euros 400,4 10,3% De 1 200 a menos de 1 800 euros 335,4 8,6% De 1 800 a menos de 2 500 euros 101,4 2,6% De 2 500 a menos de 3 000 euros 23,0 0,6% 3 000 euros e mais euros 23,3 0,6% NS/NR 396,0 10,2% Até 600 euros 1577,1 40,6% Até 900 euros 2604,9 67,1% Até 1200 euros 3005,3 77,4% Fonte: INE, Estatísticas do Emprego - 1º Trimestre de 2009 – No 1º Trimestre de 2009, 1.577.100 trabalhadores por conta de outrem, ou seja, 40,6% do total recebia um salário liquido inferior a 600 euros por mês. Apenas 483,1 mil, ou seja, somente 12,4% do total, tinham um salário liquido mensal superior a 1.200 euros por mês. Os que recebiam mais de 1.800 euros por mês eram apenas 3,8% do total. É a estes trabalhadores, em que 67 em cada 100 recebe menos de 900 euros por mês que se pretende congelar ou reduzir mesmo os salários com o pretexto de que isso é necessário para enfrentar a crise actual. Vítor Constâncio, uma personalidade que não se tem caracterizado por defender os interesses dos trabalhadores portugueses; muito pelo contrário, já veio dizer que isso só agravaria a crise. Efectivamente, numa crise como a actual em que a quebra na procura constitui a causa principal, a redução dos salários só a agravaria, na medida que determinaria uma maior quebra na procura e a subida acentuada do incumprimento nos pagamentos. É evidente que a defesa de uma redução dos salários só poderá ter motivações ideológicas.

DESIGUALDADES SALARIAIS ENTRE AS DIFERENTES REGIÕES DO PAÍS

Uma análise dos salários por regiões, também é possível com os dados divulgados pelo INE. O quadro seguinte, construído com esses dados, permite fazer essa análise.

QUADRO II – Percentagem dos trabalhadores por conta de outrem

por escalões de salários líquidos mensais nas diferentes regiões do País -1º Trimestre de 2009 DESIGNAÇÃO Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve RA Açores RA Madeira Trabalhadores por conta de outrem - Mil 1317,0 844,3 1 114,6 265,1 152,0 88,6 102,9 Escalão de rendimento salarial % Total % Total % Total % Total % Total % Total % Total Menos de 310 euros 4,0% 4,3% 3,7% 2,4% 1,8% 3,7% 5,9% De 310 a menos de 600 euros 45,7% 40,8% 21,8% 40,3% 31,6% 51,6% 38,5% De 600 a menos de 900 euros 27,0% 23,6% 25,9% 29,2% 34,5% 26,2% 30,9% De 900 a menos de 1 200 euros 9,0% 7,6% 14,0% 9,2% 11,7% 7,3% 12,4% De 1 200 a menos de 1 800 euros 6,7% 4,9% 14,3% 7,4% 8,1% 8,4% 6,9% De 1 800 a menos de 2 500 euros 2,3% 1,4% 4,3% 1,6% 2,2% 1,7% 1,5% De 2 500 a menos de 3 000 euros 0,6% 0,1% 1,0% 0,4% 0,2% 0,3% 0,6% 3 000 euros e mais euros 0,3% 0,3% 1,4% 0,3% 0,1% 0,3% 0,5% NS/NR 4,3% 17,1% 13,6% 9,3% 9,8% 0,5% 3,0% Até 600 euros 49,7% 45,0% 25,4% 42,7% 33,5% 55,3% 44,4% Ate 900 euros 76,7% 68,7% 51,3% 71,9% 68,0% 81,5% 75,3% Ate 1200 euros 85,7% 76,3% 65,3% 81,1% 79,7% 88,8% 87,8% Fonte: INE, Estatísticas do Emprego - 1º Trimestre de 2009 No 1º Trimestre de 2009, a percentagem de trabalhadores por conta de outrem que recebiam um salário mensal liquido inferior a 600 euros era de 40,6% a nível do País, de 49,7% na Região Norte ; de 45% na Região Centro; de apenas 25,4% na Região de Lisboa; de 42,7% na Região do Alentejo; de 33,5% na Região do Algarve; de 55,3% na Região Autónoma dos Açores; e de 44,4% na Região Autónoma da Madeira. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que recebiam um salário liquido mensal superior a 1.200 euros, conclui-se que a percentagem era de 12,4% a nível do País; de 9,9% na Região Norte; de 6,7% na Região Centro; de 21% na Região de Lisboa; de 9,7% na Região do Alentejo; de 10,6% na Região do Algarve; de 10,7% na Região Autónoma dos Açores; e de 9,5% na Região Autónoma da Madeira. Portanto, as disparidades salariais entre as várias regiões continuam a ser grandes e com salários baixos.

DESIGUALDADES SALARIAIS ENTRE OS VÁRIOS SECTORES DA ECONOMIA

Uma análise dos salários por sectores da economia, também é possível com os dados divulgados pelo INE. O quadro seguinte, construído com esses dados, permite fazer essa análise.

QUADRO III – Nº de trabalhadores e percentagem por escalões de salários líquidos mensais

nos diferentes sectores da economia no 1º Trimestre de 2009 DESIGNAÇÃO PORTUGAL Agricultura,

Pesca Indústria,

Construção,

Energia, Água Serviços Mil % Total Mil % Total Mil % Total Mil % Total Trabalhadores por conta de outrem 3 884,5 100,0% 83,2 100,0% 1 237,8 100,0% 2 563,6 100,0% Escalão de rendimento salarial: Menos de 310 euros 147,8 3,8% 10,2 12,3% 13,8 1,1% 123,9 4,8% De 310 a menos de 600 euros 1 429,3 36,8% 42,6 51,2% 556,7 45,0% 830,0 32,4% De 600 a menos de 900 euros 1 027,8 26,5% 18,7 22,5% 374,2 30,2% 634,9 24,8% De 900 a menos de 1 200 euros 400,4 10,3% 1,1 1,3% 106,2 8,6% 293,0 11,4% De 1 200 a menos de 1 800 euros 335,4 8,6% 1,0 1,2% 52,1 4,2% 282,3 11,0% De 1 800 a menos de 2 500 euros 101,4 2,6% – – 17,3 1,4% 84,1 3,3% De 2 500 a menos de 3 000 euros 23,0 0,6% – – 3,5 0,3% 19,5 0,8% 3 000 euros e mais euros 23,3 0,6% 0,1 0,1% 5,1 0,4% 18,0 0,7% NS/NR 396,0 10,2% 9,4 11,3% 108,9 8,8% 277,7 10,8% Até 600 euros 1 577,1 40,6% 52,8 63,5% 570,5 46,1% 953,9 37,2% Até 900 euros 2 604,9 67,1% 71,5 85,9% 944,7 76,3% 1 588,8 62,0% Fonte: INE, Estatísticas do Emprego - 1º Trimestre de 2009 No 1º Trimestre de 2009, a percentagem de trabalhadores por conta de outrem a receber um salário mensal liquido inferior a 600 euros era de 40,6% a nível do País, de 63,5% na Agricultura e Pescas; de 46,1% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 37,2% no sector de serviços. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que tem um salário liquido mensal superior a 1.200 euros, a percentagem era de 12,4% a nível do País; de 1,1% na Agricultura e Pescas; de 6,3% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 15,8% no sector de serviços. Portanto, as disparidades salariais entre os vários sectores da economia continuam a ser grandes em Portugal e tendo como base salários muito baixos. O congelamento ou mesmo a sua redução, como defendem alguns, com a justificação que seria uma medida necessária para enfrentar a crise actual, só agravaria ainda mais a crise económica e social. Seria a manutenção de um modelo económico baseado em salários ainda mais baixos visando garantir os lucros das grandes empresas.

31/Maio/2009 [1] "Como é que um evento limitado e localizado – a crise dos empréstimos do subprime nos EUA – têm efeitos de tal magnitude a nível da economia mundial? – pergunta "candidamente" este director do FMI num "paper" com o título: "The crisis: Basic Mechanisms, and Appropriate Policies" disponível no "site" do FMI.

[*] Economista, edr2@netcabo.pt

Nota: Encontram-se mais estudos sobre os salários em Portugal em www.eugeniorosa.com na pasta "Salários / Produtividade"

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

TCOs portugueses em 2009: 41% deles recebe menos de €600/mês por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

Em 2006, Olivier Blanchard, actual director do FMI, esteve em Portugal e apresentou como "receita" para aumentar a competitividade da economia a redução de 20% nos salários nominais dos trabalhadores portugueses. Desde esse ano, personalidades como Silva Lopes e Vítor Bento, com acesso privilegiado aos media, têm defendido uma "receita" semelhante que, apesar de não ter qualquer novidade, tem sempre grande repercussão mediática. Todos eles manifestam uma ignorância deliberada sobre os níveis salariais em Portugal. O INE acabou de publicar as Estatísticas do Emprego referentes ao 1º Trimestre de 2009. E anexas a essas estatísticas foram também divulgadas as estruturas salariais dos trabalhadores portugueses por conta de outrem (TCOs) referentes ao 1º Trimestre de 2009. Elas mostram que o modelo de económico português baseado em baixos salários persiste, não tendo registado qualquer alteração significativa nos últimos anos, e que a "teoria" da redução de salários para enfrentar a crise, para além de ser socialmente inaceitável e moralmente injusta, só agravaria ainda mais a grave crise que o País enfrenta.

Assim, segundo o INE (Quadro I), no 1º Trimestre de 2009, 1.577.100 trabalhadores por conta de outrem, ou seja, 40,6% do total de trabalhadores tinham um salário liquido inferior a 600 euros por mês. Apenas 483,1 mil, ou seja, 12,4% do total, recebiam um salário líquido mensal superior a 1.200 euros por mês. Os que recebiam mais de 1.800 euros por mês eram apenas 3,8% do total.

Em Portugal continua-se a verificar desigualdades salariais grandes entre as diferentes regiões do País (Quadro II). No 1º Trimestre de 2009, segundo o INE; a percentagem de trabalhadores por conta de outrem a receber um salário mensal liquido inferior a 600 euros era de 49,7% na Região Norte; de 45% na Região Centro; de apenas 25% na Região de Lisboa; de 42,7% na Região do Alentejo; de 33,5% na Região do Algarve; de 55,3% na Região Autónoma dos Açores; e de 44,4% na Região Autónoma da Madeira. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que tem um salário líquido mensal superior a 1.200 euros, a percentagem é de 12,4% a nível do País; de 9,9% na Região Norte; de 6,7% na Região Centro; de 21% na Região de Lisboa; de 9,7% na Região do Alentejo; de 10,6% na Região do Algarve; de 10,7% na Região Autónoma dos Açores; e de 9,5% na Região Autónoma da Madeira. Portanto, as disparidades salariais entre as várias regiões do País continuam a ser grandes.

Em Portugal também continua-se a verificar grandes desigualdades salariais entre os diferentes sectores da economia (Quadro III). No 1º Trimestre de 2009, segundo também o INE, a percentagem de trabalhadores por conta de outrem a receber um salário mensal líquido inferior a 600 euros era de 63,5% na Agricultura e Pescas; de 46,1% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 37,2% no sector de Serviços. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que tem um salário líquido mensal superior a 1.200 euros, a percentagem era de 1,1% na Agricultura e Pescas; de 6,3% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 15,8% no sector de Serviços. Portanto, as disparidades salariais entre os vários sectores da economia continuam a ser grandes em Portugal.

É num País em que uma parte significativa dos trabalhadores continua a auferir salários extremamente baixos — cerca de 41% recebe mesmo um salário liquido inferior a 600 euros por mês —, e em que se verificam grandes desigualdades salariais entre as diferentes regiões e entre os diferentes sectores que alguns, aproveitando-se da crise, vêm de novo defender o congelamento ou mesmo a redução dos salários com a justificação de que isso é necessário para enfrentar a crise actual. Numa crise, como é esta, em que a quebra na procura constitui a causa principal, a redução dos salários só a agravaria, na medida que determinaria uma maior quebra na procura e a subida acentuada dos incumprimentos nos pagamentos. Foi isso precisamente o que veio dizer o próprio governador do Banco de Portugal (Lusa, 27/05/2009), que é uma personalidade que não se tem caracterizado por defender os trabalhadores; muito pelo contrário. É evidente que a defesa da redução dos salários aproveitando a crise visa manter um modelo económico baseado em salários ainda mais baixos, que a experiência já mostrou o total fracasso, e garantir os lucros das grandes empresas.

Em 2006, Olivier Blanchard, actual director do FMI que, tal como Alan Greenspan antigo presidente da Reserva Federal americana, se mostra surpreendido com a dimensão da crise actual [1] , esteve em Portugal. E tal como sucede neste momento, em que se multiplica em dar "receitas" para a crise, embora tenha sido incapaz de a prever e de a compreender no inicio, também apresentou uma "receita" para aumentar a competitividade da economia portuguesa. E essa receita era uma redução de 20% nos salários nominais dos trabalhadores portugueses. Desde esse ano, conhecidas personalidades que têm acesso privilegiado aos media repetem tal "receita" que, apesar de não ter qualquer novidade, tem sempre grande repercussão mediática. Este ano já aconteceu isso com Silva Lopes que defendeu o congelamento dos salários "normais", e Vítor Bento, actual presidente do SIBS, que defendeu a redução dos salários. Todas estas "personalidades" revelam uma ignorância deliberada dos níveis salariais dos trabalhadores portugueses. O INE acabou de publicar as Estatísticas do Emprego referentes ao 1º Trimestre de 2009. E anexas a essas estatísticas vêm as estruturas salariais dos trabalhadores por conta de outrem portugueses referentes ao 1º Trimestre de 2009. São precisamente esses dados que utilizamos neste estudo.

41% DOS TRABALHADORES PORTUGUESES RECEBEM EM 2009 MENOS DE 600 EUROS POR MÊS

O quadro seguinte, construído com os dados divulgados pelo INE, revela os níveis salariais dos trabalhadores por conta de outrem no 1º Trimestre de 2009.

QUADRO I – Repartição dos trabalhadores por conta de outrem em Portugal em número e em %

por escalões de rendimento salarial mensal liquido – 1º Trimestre de 2009 DESIGNAÇÃO PORTUGAL Trabalhadores por conta de outrem – Mil 3884,5 % Total Escalão de rendimento salarial: Mil Menos de 310 euros 147,8 3,8% De 310 a menos de 600 euros 1 429,3 36,8% De 600 a menos de 900 euros 1 027,8 26,5% De 900 a menos de 1 200 euros 400,4 10,3% De 1 200 a menos de 1 800 euros 335,4 8,6% De 1 800 a menos de 2 500 euros 101,4 2,6% De 2 500 a menos de 3 000 euros 23,0 0,6% 3 000 euros e mais euros 23,3 0,6% NS/NR 396,0 10,2% Até 600 euros 1577,1 40,6% Até 900 euros 2604,9 67,1% Até 1200 euros 3005,3 77,4% Fonte: INE, Estatísticas do Emprego - 1º Trimestre de 2009 – No 1º Trimestre de 2009, 1.577.100 trabalhadores por conta de outrem, ou seja, 40,6% do total recebia um salário liquido inferior a 600 euros por mês. Apenas 483,1 mil, ou seja, somente 12,4% do total, tinham um salário liquido mensal superior a 1.200 euros por mês. Os que recebiam mais de 1.800 euros por mês eram apenas 3,8% do total. É a estes trabalhadores, em que 67 em cada 100 recebe menos de 900 euros por mês que se pretende congelar ou reduzir mesmo os salários com o pretexto de que isso é necessário para enfrentar a crise actual. Vítor Constâncio, uma personalidade que não se tem caracterizado por defender os interesses dos trabalhadores portugueses; muito pelo contrário, já veio dizer que isso só agravaria a crise. Efectivamente, numa crise como a actual em que a quebra na procura constitui a causa principal, a redução dos salários só a agravaria, na medida que determinaria uma maior quebra na procura e a subida acentuada do incumprimento nos pagamentos. É evidente que a defesa de uma redução dos salários só poderá ter motivações ideológicas.

DESIGUALDADES SALARIAIS ENTRE AS DIFERENTES REGIÕES DO PAÍS

Uma análise dos salários por regiões, também é possível com os dados divulgados pelo INE. O quadro seguinte, construído com esses dados, permite fazer essa análise.

QUADRO II – Percentagem dos trabalhadores por conta de outrem

por escalões de salários líquidos mensais nas diferentes regiões do País -1º Trimestre de 2009 DESIGNAÇÃO Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve RA Açores RA Madeira Trabalhadores por conta de outrem - Mil 1317,0 844,3 1 114,6 265,1 152,0 88,6 102,9 Escalão de rendimento salarial % Total % Total % Total % Total % Total % Total % Total Menos de 310 euros 4,0% 4,3% 3,7% 2,4% 1,8% 3,7% 5,9% De 310 a menos de 600 euros 45,7% 40,8% 21,8% 40,3% 31,6% 51,6% 38,5% De 600 a menos de 900 euros 27,0% 23,6% 25,9% 29,2% 34,5% 26,2% 30,9% De 900 a menos de 1 200 euros 9,0% 7,6% 14,0% 9,2% 11,7% 7,3% 12,4% De 1 200 a menos de 1 800 euros 6,7% 4,9% 14,3% 7,4% 8,1% 8,4% 6,9% De 1 800 a menos de 2 500 euros 2,3% 1,4% 4,3% 1,6% 2,2% 1,7% 1,5% De 2 500 a menos de 3 000 euros 0,6% 0,1% 1,0% 0,4% 0,2% 0,3% 0,6% 3 000 euros e mais euros 0,3% 0,3% 1,4% 0,3% 0,1% 0,3% 0,5% NS/NR 4,3% 17,1% 13,6% 9,3% 9,8% 0,5% 3,0% Até 600 euros 49,7% 45,0% 25,4% 42,7% 33,5% 55,3% 44,4% Ate 900 euros 76,7% 68,7% 51,3% 71,9% 68,0% 81,5% 75,3% Ate 1200 euros 85,7% 76,3% 65,3% 81,1% 79,7% 88,8% 87,8% Fonte: INE, Estatísticas do Emprego - 1º Trimestre de 2009 No 1º Trimestre de 2009, a percentagem de trabalhadores por conta de outrem que recebiam um salário mensal liquido inferior a 600 euros era de 40,6% a nível do País, de 49,7% na Região Norte ; de 45% na Região Centro; de apenas 25,4% na Região de Lisboa; de 42,7% na Região do Alentejo; de 33,5% na Região do Algarve; de 55,3% na Região Autónoma dos Açores; e de 44,4% na Região Autónoma da Madeira. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que recebiam um salário liquido mensal superior a 1.200 euros, conclui-se que a percentagem era de 12,4% a nível do País; de 9,9% na Região Norte; de 6,7% na Região Centro; de 21% na Região de Lisboa; de 9,7% na Região do Alentejo; de 10,6% na Região do Algarve; de 10,7% na Região Autónoma dos Açores; e de 9,5% na Região Autónoma da Madeira. Portanto, as disparidades salariais entre as várias regiões continuam a ser grandes e com salários baixos.

DESIGUALDADES SALARIAIS ENTRE OS VÁRIOS SECTORES DA ECONOMIA

Uma análise dos salários por sectores da economia, também é possível com os dados divulgados pelo INE. O quadro seguinte, construído com esses dados, permite fazer essa análise.

QUADRO III – Nº de trabalhadores e percentagem por escalões de salários líquidos mensais

nos diferentes sectores da economia no 1º Trimestre de 2009 DESIGNAÇÃO PORTUGAL Agricultura,

Pesca Indústria,

Construção,

Energia, Água Serviços Mil % Total Mil % Total Mil % Total Mil % Total Trabalhadores por conta de outrem 3 884,5 100,0% 83,2 100,0% 1 237,8 100,0% 2 563,6 100,0% Escalão de rendimento salarial: Menos de 310 euros 147,8 3,8% 10,2 12,3% 13,8 1,1% 123,9 4,8% De 310 a menos de 600 euros 1 429,3 36,8% 42,6 51,2% 556,7 45,0% 830,0 32,4% De 600 a menos de 900 euros 1 027,8 26,5% 18,7 22,5% 374,2 30,2% 634,9 24,8% De 900 a menos de 1 200 euros 400,4 10,3% 1,1 1,3% 106,2 8,6% 293,0 11,4% De 1 200 a menos de 1 800 euros 335,4 8,6% 1,0 1,2% 52,1 4,2% 282,3 11,0% De 1 800 a menos de 2 500 euros 101,4 2,6% – – 17,3 1,4% 84,1 3,3% De 2 500 a menos de 3 000 euros 23,0 0,6% – – 3,5 0,3% 19,5 0,8% 3 000 euros e mais euros 23,3 0,6% 0,1 0,1% 5,1 0,4% 18,0 0,7% NS/NR 396,0 10,2% 9,4 11,3% 108,9 8,8% 277,7 10,8% Até 600 euros 1 577,1 40,6% 52,8 63,5% 570,5 46,1% 953,9 37,2% Até 900 euros 2 604,9 67,1% 71,5 85,9% 944,7 76,3% 1 588,8 62,0% Fonte: INE, Estatísticas do Emprego - 1º Trimestre de 2009 No 1º Trimestre de 2009, a percentagem de trabalhadores por conta de outrem a receber um salário mensal liquido inferior a 600 euros era de 40,6% a nível do País, de 63,5% na Agricultura e Pescas; de 46,1% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 37,2% no sector de serviços. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que tem um salário liquido mensal superior a 1.200 euros, a percentagem era de 12,4% a nível do País; de 1,1% na Agricultura e Pescas; de 6,3% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 15,8% no sector de serviços. Portanto, as disparidades salariais entre os vários sectores da economia continuam a ser grandes em Portugal e tendo como base salários muito baixos. O congelamento ou mesmo a sua redução, como defendem alguns, com a justificação que seria uma medida necessária para enfrentar a crise actual, só agravaria ainda mais a crise económica e social. Seria a manutenção de um modelo económico baseado em salários ainda mais baixos visando garantir os lucros das grandes empresas.

31/Maio/2009 [1] "Como é que um evento limitado e localizado – a crise dos empréstimos do subprime nos EUA – têm efeitos de tal magnitude a nível da economia mundial? – pergunta "candidamente" este director do FMI num "paper" com o título: "The crisis: Basic Mechanisms, and Appropriate Policies" disponível no "site" do FMI.

[*] Economista, edr2@netcabo.pt

Nota: Encontram-se mais estudos sobre os salários em Portugal em www.eugeniorosa.com na pasta "Salários / Produtividade"

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

marcar artigo