EXPRESSO: 25 de Abril

18-02-2008
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Vasco Gonçalves - «Tentou decididamente apropriar-se da revolução portuguesa e talhar-lhe um futuro muito modelado, ainda que desastradamente, pelo figurino do PCP»

Uma outra linha de clivagem política no Movimento é liderada por Vasco Gonçalves, cujas divergências com Melo Antunes e Vítor Alves se vão progressivamente agudizando, sendo particularmente difíceis as relações entre eles, segundo testemunho de Vítor Alves, a partir de Novembro de 1974. A facção «gonçalvista», que tem de início por seu Estado-Maior o gabinete do primeiro-ministro, vai metodicamente estendendo os seus tentáculos, seguindo uma estratégia em que é possível individualizar diversas componentes fundamentais.

Entre elas, apoio político no MDP/CDE, um desdobramento táctico do Partido Comunista, que sob a capa de movimento unitário leva a efeito um assalto sistemático às autarquias locais e aos lugares-chave da administração pública; infiltração e controlo progressivo das estruturas de informação militar, culminando com a criação do SDCI, uma verdadeira nova polícia política, e onde pontificam Almada Contreiras, Pereira Pinto e Ferreira Macedo; apropriação ideológica dos meios de comunicação social, especialmente a Televisão, a Emissora Nacional, o Rádio Clube Português e os grandes jornais estatizados, sob o patrocínio ou a cumplicidade de Rui Montez, Luís de Barros, Faria Paulino e Correia Jesuíno; estreita ligação às estruturas sindicais, promovendo a consagração legal da unicidade sindical e mais tarde da Intersindical, veiculada por Costa Martins, ministro do Trabalho, e apoiada em Carlos Carvalhas, ao tempo secretário de Estado e unitarista do MDP/CDE, Eugénio Rosa e Barros de Moura, altos funcionários comunistas do Ministério do Trabalho; lançamento pela CODICE de amplas campanhas de dinamização cultural, sob a direcção de Ramiro Correia, com a intenção de lançar as bases do «gonçalvismo», como veremos, um pretenso sistema político; criação do instituto «sabotagem económica», em nome do qual decapitam administrações, substituem gestores, saneiam quadros, prendem pessoas, exilam tecnocratas e infiltram «comissários», tudo sob o comando superior de Rosa Coutinho, chefe dos Serviços de Apoio ao Conselho da Revolução, e a maquiavélica execução de Rosário Dias, adjunto económico do primeiro-ministro; activação de uma agressiva acção externa da 5.ª Divisão do EMGFA, cuja chefia acaba por ser confiada a Ramiro Correia, um obscuro médico de Marinha promovido por Vasco Gonçalves a político e a «comandante», mas onde desenvolvem grande actividade política Varela Gomes e Robin de Andrade, dado ter a 5.ª Divisão vindo a assumir o relevante papel de Estado-Maior dos «gonçalvistas» no período áureo do seu reinado; por último, o «despertar» de uma componente militar, propriamente dita, assente na Armada, onde Pinheiro de Azevedo foi habilmente manietado, posteriormente reforçada com a nomeação de Eurico Corvacho para o Comando da Região Militar do Norte.

Três alicerces

Almada Contreiras - «Pontifica no SCDI, uma verdadeira nova polícia política»

Um estudo cuidado dos vectores estratégicos dos «gonçalvistas» evidencia claramente que o poder de Vasco Gonçalves se alicerçava principalmente em três tipos de componentes: uma organização política, PCP/MDP/CDE; uma estrutura de informações, 5.ª Divisão/SDCI/órgãos de informação estatizados; um sistema de controlos do sistema produtivo, Serviços de Apoio do C.R./Gabinete do primeiro-ministro/Intersindical.

A cobertura político-militar para o desenvolvimento destas acções era conseguida por um relativo controlo do Conselho da Revolução, uma hábil manipulação das Assembleias do MFA, e uma certa cumplicidade inocente dos meios militares operacionais do COPCON, relativamente infiltrados por «gonçalvistas».

A análise fria do poderio de Vasco Gonçalves demonstra claramente a fraqueza do seu suporte militar, ainda que escamoteada pela presença da Armada e o peso real das componentes típicas das organizações de modelo fascista: órgãos de informação, organizações monolíticas de trabalhadores e polícia política.

Para que esta organização político-militar pudesse contudo actuar eficazmente faltava-lhe o controlo efectivo de uma organização política, já que o PCP/MDP/CDE , embora apoiasse abertamente Vasco Gonçalves, não era controlado por ele.

Por seu lado, o Partido Comunista controlava Vasco Gonçalves e as componentes operacionais do seu poderio, mas como não o podia fazer às claras e tão rigidamente como seria necessário, não pôde por si só ir mais além, e bem longe foi, na sua tentativa de tomar o poder em Portugal.

O resultado de todas estas inconsequências foi a queda de Vasco Gonçalves e a desesperada e aberrante aliança táctica que o PCP viria a fazer com a FUR, tentando ensaiar o aproveitamento da linha militar do Copcon afecta ao vector esquerdista da FUR, arrastando inexoravelmente o Copcon para uma queda igual à de Vasco Gonçalves.

O Partido Comunista, cujos erros grosseiros da sua ortodoxa direcção o atiraram para um completo isolamento, só conseguiu sobreviver nos escombros dos seus aliados pela força de ser partido, o mesmo é dizer, a força de ser povo!

Desmistificar o «gonçalvismo»

Para completar a desmontagem da estratégia dos «gonçalvistas» - os militares que seguiram e serviram Vasco Gonçalves na sua inútil e desastrosa aventura criptocomunista - ainda é necessário por último desmistificar o «gonçalvismo» como uma categoria «sui generis» de sistema político, como chegaram a pretender fazê-lo alguns alinhados analistas políticos.

O «gonçalvismo» todo é e se resume à prática política de Vasco Gonçalves assente numa discutível concepção marxista e servida por uma confusa teoria leninista da vanguarda revolucionária.

O que perturba e muitas vezes confunde alguns bem intencionados observadores políticos é a sobreposição fácil que Vasco Gonçalves conseguiu entre a ortodoxia de uma prática política, marcada pelos desvios resultantes da sua deficiente preparação teórica, e o tom popularucho, ainda que por vezes apaixonante, da sua indisciplinada oratória.

É por isso que é mau caminho, para compreender o consulado Vasco Gonçalves, empreender uma análise objectiva dos seus discursos e intervenções públicas que nada ou quase nada têm que ver com a implantação dos controlos e mecanismos com que pretendeu sufocar a democracia política neste país. Não faltará quem venha argumentar - é expediente usado mas que não cansa - que Vasco Gonçalves foi traído pelos seus colaboradores, que lhe impuseram ardilosamente uma prática política de que ele não se sentia autor.

Tive oportunidade de conversar algumas vezes com Vasco Gonçalves nas diferentes fases do seu percurso político e tive conhecimento muito directo e muito amiúde das coisas que com ele se passaram. Por tudo isso, mas mais ainda pelo desvelado cuidado que revelou no estabelecimento da estratégia de tomada de poder que analisámos antes, não me restam quaisquer dúvidas de que Vasco Gonçalves tentou decididamente apropriar-se da Revolução Portuguesa e talhar-lhe um futuro muito modelado, ainda que desastradamente, pelo figurino político do Partido Comunista Português.

Se Vasco Gonçalves fosse um simples cidadão deste país, de ideologia confessa, teria naturalmente todo o direito de perfilhar uma opção política que largas centenas de milhares de portugueses conscientemente apoiam e defendem.

O que Vasco Gonçalves não poderia ter feito, sem incorrer pelo menos em grave falta de ética militar, foi servir de suporte, com o peso de um lugar que só ficou a dever aos seus camaradas do Movimento das Forças Armadas, à estratégia aventureirista do PCP, encarregando-se de «motu proprio», de lhes estabelecer os reforços que a componente militar que despertou veio a conseguir.

Foi essa desilusão e esse desencanto que pôde ser utilizado como factor real de mobilização para a «resistência» que os verdadeiros homens do Movimento lhe souberam opor.

Fica a muitos de nós, como marca indelével da nossa portuguesa propensão à saudade, a figura simples do coronel Vasco Gonçalves, da «Comissão Coordenadora do Programa».

Vasco Gonçalves - «Tentou decididamente apropriar-se da revolução portuguesa e talhar-lhe um futuro muito modelado, ainda que desastradamente, pelo figurino do PCP»

Uma outra linha de clivagem política no Movimento é liderada por Vasco Gonçalves, cujas divergências com Melo Antunes e Vítor Alves se vão progressivamente agudizando, sendo particularmente difíceis as relações entre eles, segundo testemunho de Vítor Alves, a partir de Novembro de 1974. A facção «gonçalvista», que tem de início por seu Estado-Maior o gabinete do primeiro-ministro, vai metodicamente estendendo os seus tentáculos, seguindo uma estratégia em que é possível individualizar diversas componentes fundamentais.

Entre elas, apoio político no MDP/CDE, um desdobramento táctico do Partido Comunista, que sob a capa de movimento unitário leva a efeito um assalto sistemático às autarquias locais e aos lugares-chave da administração pública; infiltração e controlo progressivo das estruturas de informação militar, culminando com a criação do SDCI, uma verdadeira nova polícia política, e onde pontificam Almada Contreiras, Pereira Pinto e Ferreira Macedo; apropriação ideológica dos meios de comunicação social, especialmente a Televisão, a Emissora Nacional, o Rádio Clube Português e os grandes jornais estatizados, sob o patrocínio ou a cumplicidade de Rui Montez, Luís de Barros, Faria Paulino e Correia Jesuíno; estreita ligação às estruturas sindicais, promovendo a consagração legal da unicidade sindical e mais tarde da Intersindical, veiculada por Costa Martins, ministro do Trabalho, e apoiada em Carlos Carvalhas, ao tempo secretário de Estado e unitarista do MDP/CDE, Eugénio Rosa e Barros de Moura, altos funcionários comunistas do Ministério do Trabalho; lançamento pela CODICE de amplas campanhas de dinamização cultural, sob a direcção de Ramiro Correia, com a intenção de lançar as bases do «gonçalvismo», como veremos, um pretenso sistema político; criação do instituto «sabotagem económica», em nome do qual decapitam administrações, substituem gestores, saneiam quadros, prendem pessoas, exilam tecnocratas e infiltram «comissários», tudo sob o comando superior de Rosa Coutinho, chefe dos Serviços de Apoio ao Conselho da Revolução, e a maquiavélica execução de Rosário Dias, adjunto económico do primeiro-ministro; activação de uma agressiva acção externa da 5.ª Divisão do EMGFA, cuja chefia acaba por ser confiada a Ramiro Correia, um obscuro médico de Marinha promovido por Vasco Gonçalves a político e a «comandante», mas onde desenvolvem grande actividade política Varela Gomes e Robin de Andrade, dado ter a 5.ª Divisão vindo a assumir o relevante papel de Estado-Maior dos «gonçalvistas» no período áureo do seu reinado; por último, o «despertar» de uma componente militar, propriamente dita, assente na Armada, onde Pinheiro de Azevedo foi habilmente manietado, posteriormente reforçada com a nomeação de Eurico Corvacho para o Comando da Região Militar do Norte.

Três alicerces

Almada Contreiras - «Pontifica no SCDI, uma verdadeira nova polícia política»

Um estudo cuidado dos vectores estratégicos dos «gonçalvistas» evidencia claramente que o poder de Vasco Gonçalves se alicerçava principalmente em três tipos de componentes: uma organização política, PCP/MDP/CDE; uma estrutura de informações, 5.ª Divisão/SDCI/órgãos de informação estatizados; um sistema de controlos do sistema produtivo, Serviços de Apoio do C.R./Gabinete do primeiro-ministro/Intersindical.

A cobertura político-militar para o desenvolvimento destas acções era conseguida por um relativo controlo do Conselho da Revolução, uma hábil manipulação das Assembleias do MFA, e uma certa cumplicidade inocente dos meios militares operacionais do COPCON, relativamente infiltrados por «gonçalvistas».

A análise fria do poderio de Vasco Gonçalves demonstra claramente a fraqueza do seu suporte militar, ainda que escamoteada pela presença da Armada e o peso real das componentes típicas das organizações de modelo fascista: órgãos de informação, organizações monolíticas de trabalhadores e polícia política.

Para que esta organização político-militar pudesse contudo actuar eficazmente faltava-lhe o controlo efectivo de uma organização política, já que o PCP/MDP/CDE , embora apoiasse abertamente Vasco Gonçalves, não era controlado por ele.

Por seu lado, o Partido Comunista controlava Vasco Gonçalves e as componentes operacionais do seu poderio, mas como não o podia fazer às claras e tão rigidamente como seria necessário, não pôde por si só ir mais além, e bem longe foi, na sua tentativa de tomar o poder em Portugal.

O resultado de todas estas inconsequências foi a queda de Vasco Gonçalves e a desesperada e aberrante aliança táctica que o PCP viria a fazer com a FUR, tentando ensaiar o aproveitamento da linha militar do Copcon afecta ao vector esquerdista da FUR, arrastando inexoravelmente o Copcon para uma queda igual à de Vasco Gonçalves.

O Partido Comunista, cujos erros grosseiros da sua ortodoxa direcção o atiraram para um completo isolamento, só conseguiu sobreviver nos escombros dos seus aliados pela força de ser partido, o mesmo é dizer, a força de ser povo!

Desmistificar o «gonçalvismo»

Para completar a desmontagem da estratégia dos «gonçalvistas» - os militares que seguiram e serviram Vasco Gonçalves na sua inútil e desastrosa aventura criptocomunista - ainda é necessário por último desmistificar o «gonçalvismo» como uma categoria «sui generis» de sistema político, como chegaram a pretender fazê-lo alguns alinhados analistas políticos.

O «gonçalvismo» todo é e se resume à prática política de Vasco Gonçalves assente numa discutível concepção marxista e servida por uma confusa teoria leninista da vanguarda revolucionária.

O que perturba e muitas vezes confunde alguns bem intencionados observadores políticos é a sobreposição fácil que Vasco Gonçalves conseguiu entre a ortodoxia de uma prática política, marcada pelos desvios resultantes da sua deficiente preparação teórica, e o tom popularucho, ainda que por vezes apaixonante, da sua indisciplinada oratória.

É por isso que é mau caminho, para compreender o consulado Vasco Gonçalves, empreender uma análise objectiva dos seus discursos e intervenções públicas que nada ou quase nada têm que ver com a implantação dos controlos e mecanismos com que pretendeu sufocar a democracia política neste país. Não faltará quem venha argumentar - é expediente usado mas que não cansa - que Vasco Gonçalves foi traído pelos seus colaboradores, que lhe impuseram ardilosamente uma prática política de que ele não se sentia autor.

Tive oportunidade de conversar algumas vezes com Vasco Gonçalves nas diferentes fases do seu percurso político e tive conhecimento muito directo e muito amiúde das coisas que com ele se passaram. Por tudo isso, mas mais ainda pelo desvelado cuidado que revelou no estabelecimento da estratégia de tomada de poder que analisámos antes, não me restam quaisquer dúvidas de que Vasco Gonçalves tentou decididamente apropriar-se da Revolução Portuguesa e talhar-lhe um futuro muito modelado, ainda que desastradamente, pelo figurino político do Partido Comunista Português.

Se Vasco Gonçalves fosse um simples cidadão deste país, de ideologia confessa, teria naturalmente todo o direito de perfilhar uma opção política que largas centenas de milhares de portugueses conscientemente apoiam e defendem.

O que Vasco Gonçalves não poderia ter feito, sem incorrer pelo menos em grave falta de ética militar, foi servir de suporte, com o peso de um lugar que só ficou a dever aos seus camaradas do Movimento das Forças Armadas, à estratégia aventureirista do PCP, encarregando-se de «motu proprio», de lhes estabelecer os reforços que a componente militar que despertou veio a conseguir.

Foi essa desilusão e esse desencanto que pôde ser utilizado como factor real de mobilização para a «resistência» que os verdadeiros homens do Movimento lhe souberam opor.

Fica a muitos de nós, como marca indelével da nossa portuguesa propensão à saudade, a figura simples do coronel Vasco Gonçalves, da «Comissão Coordenadora do Programa».

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