Interrupção Voluntária da Presidência: Eu votei em Jorge Sampaio

06-10-2009
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Votei em Sampaio duas vezes. Fi-lo com gosto e convicção, sabendo que elegia um homem que admirava, um democrata e um homem de esquerda com história pessoal e empenhamento na luta pela Democracia e pela Liberdade em Portugal. Conhecia-lhe as insuficiências de gestor à frente da Câmara de Lisboa, mas isso era de somenos: o homem sem jeito para os pormenores técnicos do dia-a-dia, podia muito bem desempenhar com competência o mais alto cargo na hierarquia do Estado. E assim aconteceu durante o primeiro mandato e boa parte do segundo.
O que se passou a 9 de Julho último, quando o Presidente da República anunciou ao país a decisão de entregar o poder a Santana Lopes, foi terminal. Pôs em crise a relação de confiança em que assentava o contrato eleitoral que havíamos celebrado, o cidadão Jorge Sampaio e eu próprio. Com a sua opção – totalmente legítima de um ponto de vista jurídico constitucional – Sampaio renegou politicamente os fundamentos em que assentou a sua eleição. Recusou ouvir o Povo, evitando convocá-lo a pronunciar-se sobre o seu destino colectivo e assim cumprir o princípio básico e constitucionalmente consagrado, segundo o qual a Democracia emana da soberania popular. Perante a crise profunda que se instalara, Sampaio, receando parecer que favorecia a esquerda, optou por fazer valer a sucessão para-dinástica e aceitar o arranjo artificial proposto pela direita. Desse modo premiou o partido “infractor”, cujo líder partira na demanda de outras paragens, rompendo o compromisso assumido com o eleitorado que o elegera.
Eleito por sufrágio universal e directo, Sampaio acabou por negar ao Povo que o elegeu a possibilidade de escolher um governo para quatro anos. Rasgou o contrato que firmara. É certo que estava no seu direito tomar a decisão que tomou, mas as escolhas têm inevitavelmente consequências e agora, porque a si próprio se manietou, o Presidente já nada faz em cena, a não ser figuras tristes e pouco dignas, como deixar-se barrar por gorilas que fazem segurança a princesas das mil e uma noites em empreendimentos turísticos no Algarve; apregoar pateticamente que “ainda” é o Comandante Supremo das Forças Armadas, ou anunciar publicamente a intenção de pedir “explicações” ao governo que ele entronizou e que dele despudoradamente escarnece e faz gato-sapato.
Deveria, por isso, interromper-se enquanto Presidente. De forma higiénica, livre e voluntária. Seria mais digno para si, para o Estado e, já agora, para todos os que nele votaram, confiando-lhe um mandato com sentido. Talvez fosse o gesto que falta para vir a restaurar o respeito perdido aos olhos de milhões de portugueses que nele se reviram, um dia.

Votei em Sampaio duas vezes. Fi-lo com gosto e convicção, sabendo que elegia um homem que admirava, um democrata e um homem de esquerda com história pessoal e empenhamento na luta pela Democracia e pela Liberdade em Portugal. Conhecia-lhe as insuficiências de gestor à frente da Câmara de Lisboa, mas isso era de somenos: o homem sem jeito para os pormenores técnicos do dia-a-dia, podia muito bem desempenhar com competência o mais alto cargo na hierarquia do Estado. E assim aconteceu durante o primeiro mandato e boa parte do segundo.
O que se passou a 9 de Julho último, quando o Presidente da República anunciou ao país a decisão de entregar o poder a Santana Lopes, foi terminal. Pôs em crise a relação de confiança em que assentava o contrato eleitoral que havíamos celebrado, o cidadão Jorge Sampaio e eu próprio. Com a sua opção – totalmente legítima de um ponto de vista jurídico constitucional – Sampaio renegou politicamente os fundamentos em que assentou a sua eleição. Recusou ouvir o Povo, evitando convocá-lo a pronunciar-se sobre o seu destino colectivo e assim cumprir o princípio básico e constitucionalmente consagrado, segundo o qual a Democracia emana da soberania popular. Perante a crise profunda que se instalara, Sampaio, receando parecer que favorecia a esquerda, optou por fazer valer a sucessão para-dinástica e aceitar o arranjo artificial proposto pela direita. Desse modo premiou o partido “infractor”, cujo líder partira na demanda de outras paragens, rompendo o compromisso assumido com o eleitorado que o elegera.
Eleito por sufrágio universal e directo, Sampaio acabou por negar ao Povo que o elegeu a possibilidade de escolher um governo para quatro anos. Rasgou o contrato que firmara. É certo que estava no seu direito tomar a decisão que tomou, mas as escolhas têm inevitavelmente consequências e agora, porque a si próprio se manietou, o Presidente já nada faz em cena, a não ser figuras tristes e pouco dignas, como deixar-se barrar por gorilas que fazem segurança a princesas das mil e uma noites em empreendimentos turísticos no Algarve; apregoar pateticamente que “ainda” é o Comandante Supremo das Forças Armadas, ou anunciar publicamente a intenção de pedir “explicações” ao governo que ele entronizou e que dele despudoradamente escarnece e faz gato-sapato.
Deveria, por isso, interromper-se enquanto Presidente. De forma higiénica, livre e voluntária. Seria mais digno para si, para o Estado e, já agora, para todos os que nele votaram, confiando-lhe um mandato com sentido. Talvez fosse o gesto que falta para vir a restaurar o respeito perdido aos olhos de milhões de portugueses que nele se reviram, um dia.

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