PONTE DO SOR: SACRIFICÍOS MÁXIMOS, BENEFÍCIOS MÍNIMIOS E TRAPALHADAS QUANTO BASTA

29-09-2009
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Muitos dos que criticavam Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite pela obsessão pelo défice defendem hoje as medidas de Sócrates e Campos e Cunha com um dogmatismo que não reconhece a mesmíssima e agravada obsessão, nem admite percursos alternativos. Assim se passaram cem dias de decisões caracterizadas por sacrifícios máximos, benefícios mínimos e trapalhadas quanto baste. É por isso imperiosa uma correcção de rota, se é que é ainda possível emendar os disparates já cometidos. É nesse sentido que avanço os seguintes tópicos para reflexão:1. A gestão de um país exige um conjunto de conhecimentos e competências que o processo de recrutamento partidário não considera. Sócrates chegou ao poder cedo de mais, mais por demérito doutros que por mérito próprio. Não estava preparado mas está convencido. Tem uma imagem fria, distante, a fazer lembrar uma esfinge, em cujo interior não se consegue penetrar. Toda a sua comunicação gestual denota uma insegurança indisfarçável, apenas vencida pela arrogância. Como qualquer inseguro convencido, está a resvalar para o autoritarismo.Sócrates não pode governar a espadeirar contra tudo e contra todos, com uma política comunicacional inexistente. Tem de ouvir e explicar. Tem de serenar e não incendiar. Só assim pode fomentar o aumento do produto, a outra via, a mais importante, para combater o défice.2. A função pública é pouco eficiente e está servida por um mosaico incoerente de estatutos? Certamente. Mas têm sido sucessivas gerações de políticos incompetentes que o permitiram e não os funcionários que o decidiram. Mudar isto à paulada, pondo meio país contra outro meio, como se os funcionários públicos fossem madraços e golpistas, responsáveis pela política financeira que os vai empobrecer, é desastroso. E, sobretudo, porque a realidade é diferente do discurso populista. Porquê? Porque, por exemplo, o sector numericamente mais relevante do funcionalismo público, o pessoal administrativo, aufere de 602 euros, em início de carreira, até 1037 no topo da mesma, 12 anos depois! Tudo ilíquido, passível de IRS e 11 por cento de desconto para prestações sociais. São estes números que justificam a diabolização em curso, a propósito dos salários da função pública? Ou, ainda mais revoltante, comparar-se, como foi feito nas colunas deste jornal, a pensão média de um funcionário público reformado, no valor de 993 euros, com o mesma média dos reformados do regime geral da segurança social, 260 euros, esquecendo que no primeiro caso estamos a falar de pessoas que descontaram durante 36 anos, enquanto no segundo temos os números adulterados por centenas de milhares de cidadãos que auferem pensões mínimas de 170 euros, sem que nunca tivessem descontado um centavo para tal?3. O que se passou recentemente com os professores é paradigma do ambiente em que o país está a mergulhar. De repente, pela mão do Governo, os professores começaram a ver-lhe aferrolhada a marca de privilegiados e improdutivos. Sabem as penas fáceis que escreveram sobre os privilegiados professores, tomando partes (a corrigir) pelo todo, que um docente corrente, com 20 anos de serviço, leva para casa 800 euros líquidos, depois de uma licenciatura e, em muitos casos, mestrado ou pós-graduações? Sabem que, independentemente de discutir a qualidade ou seriedade do processo, a apregoada progressão automática não existe na carreira docente? Que só se verifica mediante a obtenção de créditos em formação (repito que uma coisa é discutir a falta de qualidade de boa parte dela, outra é ignorá-la levianamente) ou da obtenção do grau académico de mestre ou doutor, a expensas dos interessados, em acumulação com o serviço docente normal? Pensaram no "privilégio" único de fazer uma carreira de casa às costas, mudando de escola constantemente, apartados de mulheres, maridos e filhos, dormindo em quartos alugados e passando horas sem conta de estrada em estrada?Os resultados do nosso sistema de ensino são degradantes. Muitas variáveis contribuem para isso. Os maus professores (que existem) também. Mas os mesmos professores, sujeitos a políticas acertadas, produziriam resultados bem melhores. Um exemplo fresco: o primeiro-ministro exibiu como trunfo a antecipação da publicitação das listas do concurso de professores. De que falava? De uma burocracia imensa, que movimentou cerca de 120 mil para, no fim, fazer mudar de poiso apenas 16 mil. Justifica a fortuna que custou?4. A sede que muitos portugueses desesperados têm de governantes autocráticos ajuda à lavagem ou à relevação de actos políticos inaceitáveis. Foi lamentável a posição da ministra da Educação a propósito da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada sobre a greve dos professores. E a declaração piedosa que fez, dizendo que os "ministros só ficam diferentes" das outras pessoas "porque têm mais responsabilidades", demonstrou não ter percebido que são exactamente essas responsabilidades acrescidas que lhe vedavam tal disparate, fosse sob que pressão fosse. Num governo avesso a trapalhadas, teria saído no dia seguinte. Por muito menos, Cavaco Silva dispensou Alexandre Borrego.Lamentável foi também o erro do orçamento rectificativo. Tal como nenhum anestesista se pode enganar na dose do fármaco ou o projectista no cálculo da ponte, apesar de humanos, o ministro das Finanças não tem defesa para a trapalhada em que caiu, particularmente depois do discurso de Sócrates sobre o seu rigor e o embuste anterior.Lamentável ainda a referência do Presidente da República, quando criticou implicitamente os professores portugueses, comparando-os com os finlandeses, que passariam nas escolas... 50 horas por semana. Oito horas por dia, sábados inclusive, mais duas ao domingo? Não nos disse se era de manhã ou à tarde... Santana Castilho

Muitos dos que criticavam Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite pela obsessão pelo défice defendem hoje as medidas de Sócrates e Campos e Cunha com um dogmatismo que não reconhece a mesmíssima e agravada obsessão, nem admite percursos alternativos. Assim se passaram cem dias de decisões caracterizadas por sacrifícios máximos, benefícios mínimos e trapalhadas quanto baste. É por isso imperiosa uma correcção de rota, se é que é ainda possível emendar os disparates já cometidos. É nesse sentido que avanço os seguintes tópicos para reflexão:1. A gestão de um país exige um conjunto de conhecimentos e competências que o processo de recrutamento partidário não considera. Sócrates chegou ao poder cedo de mais, mais por demérito doutros que por mérito próprio. Não estava preparado mas está convencido. Tem uma imagem fria, distante, a fazer lembrar uma esfinge, em cujo interior não se consegue penetrar. Toda a sua comunicação gestual denota uma insegurança indisfarçável, apenas vencida pela arrogância. Como qualquer inseguro convencido, está a resvalar para o autoritarismo.Sócrates não pode governar a espadeirar contra tudo e contra todos, com uma política comunicacional inexistente. Tem de ouvir e explicar. Tem de serenar e não incendiar. Só assim pode fomentar o aumento do produto, a outra via, a mais importante, para combater o défice.2. A função pública é pouco eficiente e está servida por um mosaico incoerente de estatutos? Certamente. Mas têm sido sucessivas gerações de políticos incompetentes que o permitiram e não os funcionários que o decidiram. Mudar isto à paulada, pondo meio país contra outro meio, como se os funcionários públicos fossem madraços e golpistas, responsáveis pela política financeira que os vai empobrecer, é desastroso. E, sobretudo, porque a realidade é diferente do discurso populista. Porquê? Porque, por exemplo, o sector numericamente mais relevante do funcionalismo público, o pessoal administrativo, aufere de 602 euros, em início de carreira, até 1037 no topo da mesma, 12 anos depois! Tudo ilíquido, passível de IRS e 11 por cento de desconto para prestações sociais. São estes números que justificam a diabolização em curso, a propósito dos salários da função pública? Ou, ainda mais revoltante, comparar-se, como foi feito nas colunas deste jornal, a pensão média de um funcionário público reformado, no valor de 993 euros, com o mesma média dos reformados do regime geral da segurança social, 260 euros, esquecendo que no primeiro caso estamos a falar de pessoas que descontaram durante 36 anos, enquanto no segundo temos os números adulterados por centenas de milhares de cidadãos que auferem pensões mínimas de 170 euros, sem que nunca tivessem descontado um centavo para tal?3. O que se passou recentemente com os professores é paradigma do ambiente em que o país está a mergulhar. De repente, pela mão do Governo, os professores começaram a ver-lhe aferrolhada a marca de privilegiados e improdutivos. Sabem as penas fáceis que escreveram sobre os privilegiados professores, tomando partes (a corrigir) pelo todo, que um docente corrente, com 20 anos de serviço, leva para casa 800 euros líquidos, depois de uma licenciatura e, em muitos casos, mestrado ou pós-graduações? Sabem que, independentemente de discutir a qualidade ou seriedade do processo, a apregoada progressão automática não existe na carreira docente? Que só se verifica mediante a obtenção de créditos em formação (repito que uma coisa é discutir a falta de qualidade de boa parte dela, outra é ignorá-la levianamente) ou da obtenção do grau académico de mestre ou doutor, a expensas dos interessados, em acumulação com o serviço docente normal? Pensaram no "privilégio" único de fazer uma carreira de casa às costas, mudando de escola constantemente, apartados de mulheres, maridos e filhos, dormindo em quartos alugados e passando horas sem conta de estrada em estrada?Os resultados do nosso sistema de ensino são degradantes. Muitas variáveis contribuem para isso. Os maus professores (que existem) também. Mas os mesmos professores, sujeitos a políticas acertadas, produziriam resultados bem melhores. Um exemplo fresco: o primeiro-ministro exibiu como trunfo a antecipação da publicitação das listas do concurso de professores. De que falava? De uma burocracia imensa, que movimentou cerca de 120 mil para, no fim, fazer mudar de poiso apenas 16 mil. Justifica a fortuna que custou?4. A sede que muitos portugueses desesperados têm de governantes autocráticos ajuda à lavagem ou à relevação de actos políticos inaceitáveis. Foi lamentável a posição da ministra da Educação a propósito da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada sobre a greve dos professores. E a declaração piedosa que fez, dizendo que os "ministros só ficam diferentes" das outras pessoas "porque têm mais responsabilidades", demonstrou não ter percebido que são exactamente essas responsabilidades acrescidas que lhe vedavam tal disparate, fosse sob que pressão fosse. Num governo avesso a trapalhadas, teria saído no dia seguinte. Por muito menos, Cavaco Silva dispensou Alexandre Borrego.Lamentável foi também o erro do orçamento rectificativo. Tal como nenhum anestesista se pode enganar na dose do fármaco ou o projectista no cálculo da ponte, apesar de humanos, o ministro das Finanças não tem defesa para a trapalhada em que caiu, particularmente depois do discurso de Sócrates sobre o seu rigor e o embuste anterior.Lamentável ainda a referência do Presidente da República, quando criticou implicitamente os professores portugueses, comparando-os com os finlandeses, que passariam nas escolas... 50 horas por semana. Oito horas por dia, sábados inclusive, mais duas ao domingo? Não nos disse se era de manhã ou à tarde... Santana Castilho

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