‘É uma tentação deixar de usar mini-saia para ser levada a sério’

24-02-2008
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Marta Rebelo

‘É uma tentação deixar de usar mini-saia para ser levada a sério’

Não é fácil ser mulher na esfera pública em Portugal. Especialmente se for jovem. Sobretudo se for bonita. A deputada do PS está-se nas tintas para o preconceito PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA paraa Única na passada terça-feira

Chego ao fim da longa lista de questões e preparo-me para desligar o gravador enquanto lhe agradeço a disponibilidade pelas quase duas horas de conversa. Ela protesta: «Nunca me fazem perguntas sobre futebol. Gostava de ser treinadora. Por uma semana.» Perante os inesperados desabafos, o gravador continua ligado e regista: «Adoro o Benfica. E, depois, futebol.» Para comprovar o que afirma, inclina-se sobre o lado esquerdo da secretária e mostra o exemplar desse dia do desportivo «A Bola»: «Leio-a todos os dias, desde os 10 anos.» Chego ao fim da longa lista de questões e preparo-me para desligar o gravador enquanto lhe agradeço a disponibilidade pelas quase duas horas de conversa. Ela protesta: «Nunca me fazem perguntas sobre futebol. Gostava de ser treinadora. Por uma semana.» Perante os inesperados desabafos, o gravador continua ligado e regista: «Adoro o Benfica. E, depois, futebol.» Para comprovar o que afirma, inclina-se sobre o lado esquerdo da secretária e mostra o exemplar desse dia do desportivo «A Bola»: «Leio-a todos os dias, desde os 10 anos.» Marta Rebelo, 29 anos quase, quase, a serem 30 (cumpri-los-á a 13 de Fevereiro), é a mais recente «aquisição» da equipa parlamentar do PS. Mulher, jovem, bonita, vê-se que esta jurista agora deputada tira especial prazer em contrariar preconceitos e ideias feitas. Número 30 pelo círculo de Lisboa, chegou a São Bento há três semanas para substituir o deputado José Vera Jardim, que suspendeu o mandato por razões pessoais. Sabia que sentar-se no hemiciclo era «um perigo iminente» mas, ainda assim, «aconteceu muito de repente», só lhe reforçando a convicção de que «devemos planear o mínimo». «As coisas, via de regra, não acontecem como planeámos.. Em Agosto perguntaram-lhe sobre o futuro e admitia que talvez fosse deputada... em 2009. É caso para dizer «Beware of what you whish for» (tem cuidado com o que desejas)? Os irlandeses têm uma versão aproximada desse ditado. Dizem qualquer coisa como: «Se queres fazer Deus rir conta-lhe os teus sonhos.» Eu também me rio do que penso sobre o futuro. Já escreveram sobre si: «Chegará mais depressa a ministra do que aos tachos.» Até onde vai a sua ambição? SER DEPUTADA «aconteceu de repente». É por estas e por outras que não faz planos Não gostaria que a ambição fosse o mote do meu avançar na vida. Não vou dizer que não sou ambiciosa: claro que sou, somos todos! Ou dificilmente nos levantávamos da cama num dia como este o céu está cinzento, à beira de uma chuvada que chegará à noite. Mas ambição carreirista não tenho nenhuma: a minha maneira de ser é antagónica com a ideia de carreira. Não tenho metas definidas. Não gostaria que a ambição fosse o mote do meu avançar na vida. Não vou dizer que não sou ambiciosa: claro que sou, somos todos! Ou dificilmente nos levantávamos da cama num dia como este o céu está cinzento, à beira de uma chuvada que chegará à noite. Mas ambição carreirista não tenho nenhuma: a minha maneira de ser é antagónica com a ideia de carreira. Não tenho metas definidas. Nem para a actividade parlamentar? A esperança de deixar uma marca Venho numa perspectiva de viver o máximo desta experiência. Claro que tenho a pretensão de fazer algumas coisas. Integro, por força das circunstâncias de estar a substituir Vera Jardim, a comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros. Mas por minha iniciativa integro, como substituta, a de Orçamento e Finanças porque acho que ali posso ser muito mais útil. Não vem com nenhuma fisgada? Fisgo pouco (risos). Prefiro aproveitar sempre o que as circunstâncias me oferecem. «Seaze the day » [Olhando para o seu currículo, não parece. Pelo contrário, dir-se-ia que há muito tem traçado o futuro a regra e esquadro. Por curiosidade própria e alguma influência do avô materno (fundador do PS no Alentejo), filiou-se na JS aos 16 anos mas, quando entrou para a Faculdade, desligou completamente: «Decidi que o melhor que tinha a fazer durante aqueles cinco anos era concentrar-me intensamente no Direito.» O investimento foi à séria: licenciou-se na exigente Faculdade de Lisboa, com média final de 15, seguindo para um mestrado em Jurídico-Económicas que concluiu com 17. O estágio foi fazê-lo, ao mesmo tempo que se iniciava como monitora da cadeira de Relações Económicas Internacionais, no escritório de Sousa Franco. Foi com a morte inesperada do patrono que deu por si a redescobrir a política, cativada pelo envolvimento dos militantes socialistas na escolha entre José Sócrates, Manuel Alegre ou João Soares para a liderança do partido. Da reaproximação ao envolvimento total foi um curto passo. Na campanha para as legislativas de Março de 2005, já candidata a deputada, era presença assídua atrás de José Sócrates, o que lhe valeu que rapidamente a conhecessem como «socranete» (por oposição às «santanetes», as acompanhantes louras de Santana Lopes). Desde então tem estado no Governo, primeiro como adjunta de Eduardo Cabrita, secretário de Estado da Administração Local, mais recentemente como chefe de gabinete de Fernando Rocha de Andrade, subsecretário de Estado da Administração Interna, seu amigo desde os tempos da JS.] Há tempos escreveu: «É difícil ser mulher na esfera pública em Portugal.» Porquê? Ainda existe muito preconceito. Sobre as mulheres há como que uma presunção de culpa: são culpadas até prova em contrário. Há um conjunto de ideias feitas que se colam à pele das mulheres. Também contava que sentiu muito isso nas negociações com os autarcas para a Lei das Finanças Locais. Eu era adjunta do secretário de Estado da Administração Local e, nos primeiros minutos, sentia que precisava do dobro ou do triplo do tempo para conquistar o respeito dos meus interlocutores. Por ser mulher. E jovem. A combinação das duas é fatal. Às mulheres não lhes basta serem boas, têm de ser geniais, como diz o seu amigo Sérgio Sousa Pinto? É verdade. Temos de persistir até à exaustão. E, ciclicamente, temos de renovar a prova do que somos capazes. A plena igualdade é uma batalha longe de estar ganha? É. Custa-me muito dizer isto hoje. Até porque quando tinha 20 anos tinha a pretensão - hoje sei que era uma ilusão - de que não ia enfrentar um terço do que a minha mãe e avó enfrentaram em termos de preconceito. Talvez não seja um terço, mas ainda é pesado. Volto a citá-la: alguma vez «deixou de usar mini-saia para ser levada a sério»? É uma tentação... conformar a nossa maneira de estar por força do preconceito. Uma mulher que estimo muito disse-me: «Nunca mudes o que és por força deste universo em que nos movemos, porque eu passei anos e anos a vestir cinzento e preto e gostava que o futuro fosse mais colorido.» E eu tento nunca ceder a essa tentação. A beleza não é fundamental, então? De modo algum. Às vezes é como o dinheiro: quem tem não lhe dá o devido valor, mas, se não dá a felicidade, ajuda. NO HEMICICLO, ocupando o lugar que foi até aqui de Vera Jardim, ao lado do seu companheiro de partido Nelson Baltazar Sou como sou, nasci assim. O facto de as pessoas terem uma determinada aparência às vezes «desajuda» porque, voltando à questão do género, é mais um ponto a somar naquele cartão de créditos e descréditos com que nos apresentamos. Sou como sou, nasci assim. O facto de as pessoas terem uma determinada aparência às vezes «desajuda» porque, voltando à questão do género, é mais um ponto a somar naquele cartão de créditos e descréditos com que nos apresentamos. Tem a vantagem de não ser loura Esse é outro preconceito. Não sou loura hoje, mas quem sabe um dia estou a brincar! Porque é que não há mais mulheres na política? Acho que as mulheres muitas vezes, não se colocam em posição de combater o preconceito, até porque não é cómodo exporem-se ao preconceito. A verdade é que o universo político, como o empresarial, é bastante conservador. Compreendo perfeitamente que as mulheres não se envolvam mais. Depois há as questões da gestão doméstica e familiar, mas essas são passíveis de serem superadas. Concorda com a política de quotas. De certa forma surge nas listas do PS por essa via, mas é algo que lhe custa a encaixar. As quotas são um mal necessário. Habituo-me a conviver com elas justamente porque ultrapassei a ilusão de que tudo se passava na plena igualdade. Mas não acho que a minha vivência partidária se deva exclusivamente ao facto de haver quotas e necessidade de as preencher. A mais-valia das quotas não é permitir que existam mais mulheres na política. É sobretudo um mecanismo transitório para permitir moldar este mundo de forma a que daqui a uns anos já não seja preciso. [«Por um conjunto de razões», no essencial porque ainda não deu «pelo tic-tac do relógio biológico», não tem filhos. Mas quer ter, garante. É a mais velha de seis irmãos e a sua experiência familiar, muito marcada pela figura da mãe - «vivemos em regime de matriarcado» -, desvia-a do que considera ser um traço marcante da sua geração: contribuir muito pouco para o «boom» da natalidade. O retrato que faz dos que, como ela, nasceram nos finais da década de 70, inícios da de 80, está longe de ser simpático: «Viciada no trabalho, egoísta (ou egocêntrica), tribalista, sobranceira, altiva, competitiva, consumista, depressiva, ansiosa, desenrasco-desconfiada.» Faz fé que não será sempre assim, mas ainda assim lamenta: «Somos muito resignados, o que explica um fenómeno para mim muito mais grave que a participação menos intensa das mulheres na política: a falta de participação dos jovens.»] Qual a responsabilidade dos partidos e dos seus dirigentes no afastamento das pessoas da política? É uma pescadinha de rabo na boca. A perspectiva do cidadão comum sobre a política é a que conhecemos e contribui para que pessoas se afastem, ponham de lado a ideia de participarem. E os partidos precisam de renovação. A ideia que se tem é que os partidos são clubes fechados, de acesso restrito e reservado. NO ÚLTIMO Congresso do PS, em 2006, e na campanha para as legislativas de 2005, ao lado de Capoulas Santos, Marcos Perestrelo, José Sócrates e Manuel Alegre Eu sou talvez o exemplo de que não é bem assim. Senti curiosidade de ir ver como as coisas estavam e fui muito bem recebida. Claro que os partidos têm uma rotina própria, muito exigente e com aspectos pouco aliciantes que não fazem parte do imaginário construído a partir das séries sobre política norte-americanas. Mas a verdade é que elegemos primeiros-ministros a partir da vontade dum grupo que varia entre 50 a 100 mil pessoas (os militantes que elegem os líderes). Se fizessem essa contabilidade as pessoas participariam mais. Eu sou talvez o exemplo de que não é bem assim. Senti curiosidade de ir ver como as coisas estavam e fui muito bem recebida. Claro que os partidos têm uma rotina própria, muito exigente e com aspectos pouco aliciantes que não fazem parte do imaginário construído a partir das séries sobre política norte-americanas. Mas a verdade é que elegemos primeiros-ministros a partir da vontade dum grupo que varia entre 50 a 100 mil pessoas (os militantes que elegem os líderes). Se fizessem essa contabilidade as pessoas participariam mais. Como se resolve a pouca participação? A esperança na minha geração é fundamentada. Na geração anterior à minha houve um conjunto de pessoas que formaram o Compromisso Portugal. Pessoas que são de excelência nas suas áreas profissionais e que, a dada altura, se organizaram de forma muito original na nossa. Tenho essa prova a que me agarrar! Agora, sozinho nenhum político consegue enfrentar a imagem que se colou à política. Temos de ser transparentes, sérios, rigorosos mas acessíveis. Que é tudo o que as pessoas acham que não somos. Sousa Franco foi uma das pessoas que mais a influenciou . Quem mais? Tenho uma admiração grande pelo Rei Juan Carlos, apesar de não ter qualquer simpatia pelo sistema monárquico. Churchill. Kennedy. Nutro um apreço especial por Tony Blair - a história ainda lhe fará justiça. Hillary Clinton - apesar de não ter claro que votaria nela se fosse norte-americana -, Helen Clark, a primeiro-ministro da Nova Zelândia, Mário Soares... ... A referência obrigatória para um socialista. Há outros pilares históricos em que não me revejo com esta nitidez. É uma pessoa extraordinária. Deu recentemente alguns conselhos ao PS... Teve uma vida que lhe permite dar conselhos a quem entender. Bem ou mal , todos temos legitimidade para aconselhar. Consta que o secretário-geral do PS não pensa assim... NOS PASSOS PERDIDOS, onde chegou há três semanas: «As quotas são um mal necessário e transitório» Essa imagem que se construiu parte de não haver imediatismo na aceitação da crítica. Nele, de facto, não é um processo automático. Mas, sem querer defender a defesa da personalidade de José Sócrates, as críticas reclamam de nós ponderação. A aceitação não deve ser cega. Essa imagem que se construiu parte de não haver imediatismo na aceitação da crítica. Nele, de facto, não é um processo automático. Mas, sem querer defender a defesa da personalidade de José Sócrates, as críticas reclamam de nós ponderação. A aceitação não deve ser cega. Almerindo Marques (ex-presidente da RTP) diz que ele foi o melhor primeiro-ministro dos últimos anos. Concorda? Não sou de todo imparcial e a minha tendência natural é dizer que sim. Mas Soares foi um excelente primeiro-ministro, é o responsável por integrarmos a UE. Sócrates, nas suas circunstâncias, é um muito bom primeiro-ministro, mas ainda tem muitos anos para o provar. Espera que ele se recandidate? Claro, não espero dele outra coisa. [No dia 1 de Janeiro deste ano pôs fim a dois anos de resistência interior à ideia de ter um blogue. Não que um blogue seja condição sine qua non para «existir» na sociedade actual: «É uma moda. Há-de virar para algum lado», diz com ar displicente, encolhendo os ombros, assumindo que se viciou na leitura dos blogues dos outros antes de ceder a si própria e à teimosia de ter o seu. Alexandre O’Neill (o seu poeta favorito) deu-lhe o empurrãozinho final: ao «Adeus Português» («um retrato fidelíssimo daquilo que somos e talvez não devêssemos ser tanto») foi buscar a inspiração para construir um lema («Contra o dia burocrático e o modo funcionário de viver») e o www.linhadeconta.blogspot.com No final dos «posts» - que, por sugestão levada muito a sério do seu correligionário Medeiros Ferreira, não permitem comentários -, é Pessoa quem assina: «Não sou impaciente nem comum.»] Para que é preciso ter paciência? A paciência é essencial para tudo na vida e, especialmente para o universo político, onde as coisas demoram a mudar, a acontecer. Parece ser uma pessoa calma, que não perde a paciência com facilidade Não perco a paciência, no aspecto colérico da expressão, mas não sou calma. Para viver neste universo é necessário combinar adrenalina, frenesim e paciência. Só assim é possível perseverar naquilo em que se acredita e se quer fazer. «Nem comum». O que a distingue? Isso terá de ser o resto do mundo a dizer! O que eu sei é que procuro fugir à rotina, aos lugares-comuns, à maneira acomodada de ver as coisas que, de certa forma, caracteriza o povo português. A AR não é o sítio mais estimulante para fugir à rotina e aos lugares-comuns. Nem o Estado, onde trabalhou até aqui. Concordo parcialmente. Mas para mim é uma experiência fantástica poder estar aqui. Acho é que se deve procurar fugir a essa rotina, que aliás faz parte da vida das instituições. O Estado, pela minha experiência, é de facto «o» sítio onde a burocracia impera, mas também é o melhor sítio para a ir destruindo. Aí está uma utopia de quem ainda não tem 30 anos. Destruir a burocracia integralmente é irrealista. Mas não acho que seja utópico puxá-la para limiares aceitáveis. Espero, aliás, conseguir encarar sempre o fenómeno político com um certo olhar encantado e romântico, mas ao mesmo tempo pragmático. Sem ser assim é muito difícil manter a persistência e a paciência. Ou seja, não é uma utopia, é um objectivo. Tem rotinas? Dizem-me que é muito organizada, disciplinada. Sou disciplinada, porque tenho de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Não sei se o sou geneticamente. Acho que não. Tenho rotinas, claro, pequeninas: acordar, ligar a TV para ver as notícias, sair de casa depois de tomar dois cafés e ler jornais. E há outras que não tenho mas gostava de ter, como ir ao ginásio, escrever de forma mais disciplinada. Foi estagiária durante um ano no «Euronotícias». O jornalismo é um assunto resolvido? É. Fiz esse estágio quando ainda estava na Faculdade, porque tenho essa veia de escritora frustrada e queria experimentar. Daí a um ano acabava o curso e não sabia bem qual seria a minha vida. Foi uma experiência muito engraçada. É sempre muito engraçado podermos colocar-nos noutros pontos de observação. Para o lugar que hoje ocupa, além de engraçada foi uma experiência útil. Sim. Ajudou-me a ser paciente em relação aos jornalistas em geral. É preciso paciência para os jornalistas? Às vezes é. Os políticos sujeitam-se a uma exposição pública que, se é verdade que faz parte da regras do jogo, nem sempre é cómoda nem fácil. É importante conseguir compreender a dinâmica de pensamento, de funcionamento, os stresses da pessoa que está do lado de lá. O seu namorado (Pedro Rolo Duarte) é jornalista. A namorada do primeiro-ministro também. Há uma atracção natural entre jornalistas e políticos? Costuma dizer-se que os opostos se atraem, mas se isso acontece acho que é por força do convívio, não porque haja uma lei física (risos)!

Entrevista de Cristina Figueiredo

Fotografias actuais de Jorge Simão

Marta Rebelo

‘É uma tentação deixar de usar mini-saia para ser levada a sério’

Não é fácil ser mulher na esfera pública em Portugal. Especialmente se for jovem. Sobretudo se for bonita. A deputada do PS está-se nas tintas para o preconceito PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA paraa Única na passada terça-feira

Chego ao fim da longa lista de questões e preparo-me para desligar o gravador enquanto lhe agradeço a disponibilidade pelas quase duas horas de conversa. Ela protesta: «Nunca me fazem perguntas sobre futebol. Gostava de ser treinadora. Por uma semana.» Perante os inesperados desabafos, o gravador continua ligado e regista: «Adoro o Benfica. E, depois, futebol.» Para comprovar o que afirma, inclina-se sobre o lado esquerdo da secretária e mostra o exemplar desse dia do desportivo «A Bola»: «Leio-a todos os dias, desde os 10 anos.» Chego ao fim da longa lista de questões e preparo-me para desligar o gravador enquanto lhe agradeço a disponibilidade pelas quase duas horas de conversa. Ela protesta: «Nunca me fazem perguntas sobre futebol. Gostava de ser treinadora. Por uma semana.» Perante os inesperados desabafos, o gravador continua ligado e regista: «Adoro o Benfica. E, depois, futebol.» Para comprovar o que afirma, inclina-se sobre o lado esquerdo da secretária e mostra o exemplar desse dia do desportivo «A Bola»: «Leio-a todos os dias, desde os 10 anos.» Marta Rebelo, 29 anos quase, quase, a serem 30 (cumpri-los-á a 13 de Fevereiro), é a mais recente «aquisição» da equipa parlamentar do PS. Mulher, jovem, bonita, vê-se que esta jurista agora deputada tira especial prazer em contrariar preconceitos e ideias feitas. Número 30 pelo círculo de Lisboa, chegou a São Bento há três semanas para substituir o deputado José Vera Jardim, que suspendeu o mandato por razões pessoais. Sabia que sentar-se no hemiciclo era «um perigo iminente» mas, ainda assim, «aconteceu muito de repente», só lhe reforçando a convicção de que «devemos planear o mínimo». «As coisas, via de regra, não acontecem como planeámos.. Em Agosto perguntaram-lhe sobre o futuro e admitia que talvez fosse deputada... em 2009. É caso para dizer «Beware of what you whish for» (tem cuidado com o que desejas)? Os irlandeses têm uma versão aproximada desse ditado. Dizem qualquer coisa como: «Se queres fazer Deus rir conta-lhe os teus sonhos.» Eu também me rio do que penso sobre o futuro. Já escreveram sobre si: «Chegará mais depressa a ministra do que aos tachos.» Até onde vai a sua ambição? SER DEPUTADA «aconteceu de repente». É por estas e por outras que não faz planos Não gostaria que a ambição fosse o mote do meu avançar na vida. Não vou dizer que não sou ambiciosa: claro que sou, somos todos! Ou dificilmente nos levantávamos da cama num dia como este o céu está cinzento, à beira de uma chuvada que chegará à noite. Mas ambição carreirista não tenho nenhuma: a minha maneira de ser é antagónica com a ideia de carreira. Não tenho metas definidas. Não gostaria que a ambição fosse o mote do meu avançar na vida. Não vou dizer que não sou ambiciosa: claro que sou, somos todos! Ou dificilmente nos levantávamos da cama num dia como este o céu está cinzento, à beira de uma chuvada que chegará à noite. Mas ambição carreirista não tenho nenhuma: a minha maneira de ser é antagónica com a ideia de carreira. Não tenho metas definidas. Nem para a actividade parlamentar? A esperança de deixar uma marca Venho numa perspectiva de viver o máximo desta experiência. Claro que tenho a pretensão de fazer algumas coisas. Integro, por força das circunstâncias de estar a substituir Vera Jardim, a comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros. Mas por minha iniciativa integro, como substituta, a de Orçamento e Finanças porque acho que ali posso ser muito mais útil. Não vem com nenhuma fisgada? Fisgo pouco (risos). Prefiro aproveitar sempre o que as circunstâncias me oferecem. «Seaze the day » [Olhando para o seu currículo, não parece. Pelo contrário, dir-se-ia que há muito tem traçado o futuro a regra e esquadro. Por curiosidade própria e alguma influência do avô materno (fundador do PS no Alentejo), filiou-se na JS aos 16 anos mas, quando entrou para a Faculdade, desligou completamente: «Decidi que o melhor que tinha a fazer durante aqueles cinco anos era concentrar-me intensamente no Direito.» O investimento foi à séria: licenciou-se na exigente Faculdade de Lisboa, com média final de 15, seguindo para um mestrado em Jurídico-Económicas que concluiu com 17. O estágio foi fazê-lo, ao mesmo tempo que se iniciava como monitora da cadeira de Relações Económicas Internacionais, no escritório de Sousa Franco. Foi com a morte inesperada do patrono que deu por si a redescobrir a política, cativada pelo envolvimento dos militantes socialistas na escolha entre José Sócrates, Manuel Alegre ou João Soares para a liderança do partido. Da reaproximação ao envolvimento total foi um curto passo. Na campanha para as legislativas de Março de 2005, já candidata a deputada, era presença assídua atrás de José Sócrates, o que lhe valeu que rapidamente a conhecessem como «socranete» (por oposição às «santanetes», as acompanhantes louras de Santana Lopes). Desde então tem estado no Governo, primeiro como adjunta de Eduardo Cabrita, secretário de Estado da Administração Local, mais recentemente como chefe de gabinete de Fernando Rocha de Andrade, subsecretário de Estado da Administração Interna, seu amigo desde os tempos da JS.] Há tempos escreveu: «É difícil ser mulher na esfera pública em Portugal.» Porquê? Ainda existe muito preconceito. Sobre as mulheres há como que uma presunção de culpa: são culpadas até prova em contrário. Há um conjunto de ideias feitas que se colam à pele das mulheres. Também contava que sentiu muito isso nas negociações com os autarcas para a Lei das Finanças Locais. Eu era adjunta do secretário de Estado da Administração Local e, nos primeiros minutos, sentia que precisava do dobro ou do triplo do tempo para conquistar o respeito dos meus interlocutores. Por ser mulher. E jovem. A combinação das duas é fatal. Às mulheres não lhes basta serem boas, têm de ser geniais, como diz o seu amigo Sérgio Sousa Pinto? É verdade. Temos de persistir até à exaustão. E, ciclicamente, temos de renovar a prova do que somos capazes. A plena igualdade é uma batalha longe de estar ganha? É. Custa-me muito dizer isto hoje. Até porque quando tinha 20 anos tinha a pretensão - hoje sei que era uma ilusão - de que não ia enfrentar um terço do que a minha mãe e avó enfrentaram em termos de preconceito. Talvez não seja um terço, mas ainda é pesado. Volto a citá-la: alguma vez «deixou de usar mini-saia para ser levada a sério»? É uma tentação... conformar a nossa maneira de estar por força do preconceito. Uma mulher que estimo muito disse-me: «Nunca mudes o que és por força deste universo em que nos movemos, porque eu passei anos e anos a vestir cinzento e preto e gostava que o futuro fosse mais colorido.» E eu tento nunca ceder a essa tentação. A beleza não é fundamental, então? De modo algum. Às vezes é como o dinheiro: quem tem não lhe dá o devido valor, mas, se não dá a felicidade, ajuda. NO HEMICICLO, ocupando o lugar que foi até aqui de Vera Jardim, ao lado do seu companheiro de partido Nelson Baltazar Sou como sou, nasci assim. O facto de as pessoas terem uma determinada aparência às vezes «desajuda» porque, voltando à questão do género, é mais um ponto a somar naquele cartão de créditos e descréditos com que nos apresentamos. Sou como sou, nasci assim. O facto de as pessoas terem uma determinada aparência às vezes «desajuda» porque, voltando à questão do género, é mais um ponto a somar naquele cartão de créditos e descréditos com que nos apresentamos. Tem a vantagem de não ser loura Esse é outro preconceito. Não sou loura hoje, mas quem sabe um dia estou a brincar! Porque é que não há mais mulheres na política? Acho que as mulheres muitas vezes, não se colocam em posição de combater o preconceito, até porque não é cómodo exporem-se ao preconceito. A verdade é que o universo político, como o empresarial, é bastante conservador. Compreendo perfeitamente que as mulheres não se envolvam mais. Depois há as questões da gestão doméstica e familiar, mas essas são passíveis de serem superadas. Concorda com a política de quotas. De certa forma surge nas listas do PS por essa via, mas é algo que lhe custa a encaixar. As quotas são um mal necessário. Habituo-me a conviver com elas justamente porque ultrapassei a ilusão de que tudo se passava na plena igualdade. Mas não acho que a minha vivência partidária se deva exclusivamente ao facto de haver quotas e necessidade de as preencher. A mais-valia das quotas não é permitir que existam mais mulheres na política. É sobretudo um mecanismo transitório para permitir moldar este mundo de forma a que daqui a uns anos já não seja preciso. [«Por um conjunto de razões», no essencial porque ainda não deu «pelo tic-tac do relógio biológico», não tem filhos. Mas quer ter, garante. É a mais velha de seis irmãos e a sua experiência familiar, muito marcada pela figura da mãe - «vivemos em regime de matriarcado» -, desvia-a do que considera ser um traço marcante da sua geração: contribuir muito pouco para o «boom» da natalidade. O retrato que faz dos que, como ela, nasceram nos finais da década de 70, inícios da de 80, está longe de ser simpático: «Viciada no trabalho, egoísta (ou egocêntrica), tribalista, sobranceira, altiva, competitiva, consumista, depressiva, ansiosa, desenrasco-desconfiada.» Faz fé que não será sempre assim, mas ainda assim lamenta: «Somos muito resignados, o que explica um fenómeno para mim muito mais grave que a participação menos intensa das mulheres na política: a falta de participação dos jovens.»] Qual a responsabilidade dos partidos e dos seus dirigentes no afastamento das pessoas da política? É uma pescadinha de rabo na boca. A perspectiva do cidadão comum sobre a política é a que conhecemos e contribui para que pessoas se afastem, ponham de lado a ideia de participarem. E os partidos precisam de renovação. A ideia que se tem é que os partidos são clubes fechados, de acesso restrito e reservado. NO ÚLTIMO Congresso do PS, em 2006, e na campanha para as legislativas de 2005, ao lado de Capoulas Santos, Marcos Perestrelo, José Sócrates e Manuel Alegre Eu sou talvez o exemplo de que não é bem assim. Senti curiosidade de ir ver como as coisas estavam e fui muito bem recebida. Claro que os partidos têm uma rotina própria, muito exigente e com aspectos pouco aliciantes que não fazem parte do imaginário construído a partir das séries sobre política norte-americanas. Mas a verdade é que elegemos primeiros-ministros a partir da vontade dum grupo que varia entre 50 a 100 mil pessoas (os militantes que elegem os líderes). Se fizessem essa contabilidade as pessoas participariam mais. Eu sou talvez o exemplo de que não é bem assim. Senti curiosidade de ir ver como as coisas estavam e fui muito bem recebida. Claro que os partidos têm uma rotina própria, muito exigente e com aspectos pouco aliciantes que não fazem parte do imaginário construído a partir das séries sobre política norte-americanas. Mas a verdade é que elegemos primeiros-ministros a partir da vontade dum grupo que varia entre 50 a 100 mil pessoas (os militantes que elegem os líderes). Se fizessem essa contabilidade as pessoas participariam mais. Como se resolve a pouca participação? A esperança na minha geração é fundamentada. Na geração anterior à minha houve um conjunto de pessoas que formaram o Compromisso Portugal. Pessoas que são de excelência nas suas áreas profissionais e que, a dada altura, se organizaram de forma muito original na nossa. Tenho essa prova a que me agarrar! Agora, sozinho nenhum político consegue enfrentar a imagem que se colou à política. Temos de ser transparentes, sérios, rigorosos mas acessíveis. Que é tudo o que as pessoas acham que não somos. Sousa Franco foi uma das pessoas que mais a influenciou . Quem mais? Tenho uma admiração grande pelo Rei Juan Carlos, apesar de não ter qualquer simpatia pelo sistema monárquico. Churchill. Kennedy. Nutro um apreço especial por Tony Blair - a história ainda lhe fará justiça. Hillary Clinton - apesar de não ter claro que votaria nela se fosse norte-americana -, Helen Clark, a primeiro-ministro da Nova Zelândia, Mário Soares... ... A referência obrigatória para um socialista. Há outros pilares históricos em que não me revejo com esta nitidez. É uma pessoa extraordinária. Deu recentemente alguns conselhos ao PS... Teve uma vida que lhe permite dar conselhos a quem entender. Bem ou mal , todos temos legitimidade para aconselhar. Consta que o secretário-geral do PS não pensa assim... NOS PASSOS PERDIDOS, onde chegou há três semanas: «As quotas são um mal necessário e transitório» Essa imagem que se construiu parte de não haver imediatismo na aceitação da crítica. Nele, de facto, não é um processo automático. Mas, sem querer defender a defesa da personalidade de José Sócrates, as críticas reclamam de nós ponderação. A aceitação não deve ser cega. Essa imagem que se construiu parte de não haver imediatismo na aceitação da crítica. Nele, de facto, não é um processo automático. Mas, sem querer defender a defesa da personalidade de José Sócrates, as críticas reclamam de nós ponderação. A aceitação não deve ser cega. Almerindo Marques (ex-presidente da RTP) diz que ele foi o melhor primeiro-ministro dos últimos anos. Concorda? Não sou de todo imparcial e a minha tendência natural é dizer que sim. Mas Soares foi um excelente primeiro-ministro, é o responsável por integrarmos a UE. Sócrates, nas suas circunstâncias, é um muito bom primeiro-ministro, mas ainda tem muitos anos para o provar. Espera que ele se recandidate? Claro, não espero dele outra coisa. [No dia 1 de Janeiro deste ano pôs fim a dois anos de resistência interior à ideia de ter um blogue. Não que um blogue seja condição sine qua non para «existir» na sociedade actual: «É uma moda. Há-de virar para algum lado», diz com ar displicente, encolhendo os ombros, assumindo que se viciou na leitura dos blogues dos outros antes de ceder a si própria e à teimosia de ter o seu. Alexandre O’Neill (o seu poeta favorito) deu-lhe o empurrãozinho final: ao «Adeus Português» («um retrato fidelíssimo daquilo que somos e talvez não devêssemos ser tanto») foi buscar a inspiração para construir um lema («Contra o dia burocrático e o modo funcionário de viver») e o www.linhadeconta.blogspot.com No final dos «posts» - que, por sugestão levada muito a sério do seu correligionário Medeiros Ferreira, não permitem comentários -, é Pessoa quem assina: «Não sou impaciente nem comum.»] Para que é preciso ter paciência? A paciência é essencial para tudo na vida e, especialmente para o universo político, onde as coisas demoram a mudar, a acontecer. Parece ser uma pessoa calma, que não perde a paciência com facilidade Não perco a paciência, no aspecto colérico da expressão, mas não sou calma. Para viver neste universo é necessário combinar adrenalina, frenesim e paciência. Só assim é possível perseverar naquilo em que se acredita e se quer fazer. «Nem comum». O que a distingue? Isso terá de ser o resto do mundo a dizer! O que eu sei é que procuro fugir à rotina, aos lugares-comuns, à maneira acomodada de ver as coisas que, de certa forma, caracteriza o povo português. A AR não é o sítio mais estimulante para fugir à rotina e aos lugares-comuns. Nem o Estado, onde trabalhou até aqui. Concordo parcialmente. Mas para mim é uma experiência fantástica poder estar aqui. Acho é que se deve procurar fugir a essa rotina, que aliás faz parte da vida das instituições. O Estado, pela minha experiência, é de facto «o» sítio onde a burocracia impera, mas também é o melhor sítio para a ir destruindo. Aí está uma utopia de quem ainda não tem 30 anos. Destruir a burocracia integralmente é irrealista. Mas não acho que seja utópico puxá-la para limiares aceitáveis. Espero, aliás, conseguir encarar sempre o fenómeno político com um certo olhar encantado e romântico, mas ao mesmo tempo pragmático. Sem ser assim é muito difícil manter a persistência e a paciência. Ou seja, não é uma utopia, é um objectivo. Tem rotinas? Dizem-me que é muito organizada, disciplinada. Sou disciplinada, porque tenho de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Não sei se o sou geneticamente. Acho que não. Tenho rotinas, claro, pequeninas: acordar, ligar a TV para ver as notícias, sair de casa depois de tomar dois cafés e ler jornais. E há outras que não tenho mas gostava de ter, como ir ao ginásio, escrever de forma mais disciplinada. Foi estagiária durante um ano no «Euronotícias». O jornalismo é um assunto resolvido? É. Fiz esse estágio quando ainda estava na Faculdade, porque tenho essa veia de escritora frustrada e queria experimentar. Daí a um ano acabava o curso e não sabia bem qual seria a minha vida. Foi uma experiência muito engraçada. É sempre muito engraçado podermos colocar-nos noutros pontos de observação. Para o lugar que hoje ocupa, além de engraçada foi uma experiência útil. Sim. Ajudou-me a ser paciente em relação aos jornalistas em geral. É preciso paciência para os jornalistas? Às vezes é. Os políticos sujeitam-se a uma exposição pública que, se é verdade que faz parte da regras do jogo, nem sempre é cómoda nem fácil. É importante conseguir compreender a dinâmica de pensamento, de funcionamento, os stresses da pessoa que está do lado de lá. O seu namorado (Pedro Rolo Duarte) é jornalista. A namorada do primeiro-ministro também. Há uma atracção natural entre jornalistas e políticos? Costuma dizer-se que os opostos se atraem, mas se isso acontece acho que é por força do convívio, não porque haja uma lei física (risos)!

Entrevista de Cristina Figueiredo

Fotografias actuais de Jorge Simão

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