NOVA FRENTE

17-02-2006
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Recebi do Eng.º Francisco Ferro, que d´aqui saúdo, o texto seguinte em louvor e memória de Rodrigo Emílio, por quem será rezada amanhã a missa de 30.º dia, pelas 19 horas, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa:No dia 28 de Março deste ano, faleceu no Hospital Curry Cabral às 18 horas e 20 minutos, aquele que foi (pelo menos no meu entender) o poeta maior da segunda metade do século XX português: Rodrigo Emílio de Alarcão Ribeiro de Mello, de seu nome completo, figura inconfundível da verdadeira cultura nacional e homem de carácter, de princípios e valores hoje menosprezados nesta faixa peninsular a que nos reduziram os "heróicos capitães de Abril".Escrever sobre Rodrigo não é nada fácil, mormente para mim que não sou poeta, nem crítico literário, nem filósofo de ideologias alheias, nem (suprema carência...) "intelectual não alinhado", ou seja, desalinhado, como tantos que enxameiam e enlameiam a nossa livre Comunicação Social. Sendo assim, porque me arrisco a publicar o meu testemunho? Por várias razões: porque fui durante quinze anos amigo de Rodrigo Emílio, porque sempre o admirei e respeitei mesmo antes de o ter conhecido, porque recebi dele atenções e deferências que não posso esquecer — e, sobretudo, porque neste ocaso da Nação Portuguesa, submissa perante a União Soviética Europeia, seria muito feio ficar silencioso e não acertar, aqui e agora, algumas contas com a verdade e também com a História. Vamos então falar desse poeta em cujos versos havia relâmpagos de génio e que temos o dever de louvar e enaltecer mesmo afrontando a atitude hipócrita da "estupidentzia" folclórica da esquerda bem pensante.A vida de Rodrigo é definida (a meu ver) por algumas coordenadas indiscutíveis: o amor da Pátria, entendida como projecto, como destino, como missão no mundo, a consideração permanente dos valores em que assenta o nosso viver colectivo — a religião, os sentimentos, as crenças e tradições que nos identificam e distinguem de todos os outros — e uma inspiração poderosíssima servida e alimentada por um conhecimento e domínio completos da linguagem. Ele utilizava as palavras (às vezes parecendo que brincava com elas) para tudo: para a exaltação do que é eterno, para se rever nos seus filhos, para a sátira agressiva e violenta — e também para esses jogos de sons de tal modo encantatórios e musicais que não necessitavam de nenhuma melodia porque esta estava lá, límpida e pura. Podemos dar alguns exemplos destas características.O amor da Pátria. O 25/IV acabou com essa Pátria que ele amava, reduzindo-a a cinco por cento da sua dimensão física, escarnecendo dos heróis e dos santos, aviltando os conceitos morais que eram como que a sua essência irredutível. Daí o poema que dedicou a Walter Ventura e que termina assim:"É preciso que se saiba porque morro, / No meio deste monte de sucata!... / É preciso que se saiba por que morro/ — E que és Tu, Pátria ingrata, quem me mata!". Outros acontecimentos contribuíram para o início da sua autodestruição: a atitude grotesca da Academia de Ciências que recusou entregar-lhe o prémio que ganhara por voto unânime do júri, as agruras do exílio, a morte de uma filha muito nova, e outras coisas mais.A sensibilidade e a alma grande que aflora nos versos intitulados "Em nome do Pai": "Dos meus filhos não me prives, / Santo Deus!, um só momento. / Pelo Céu em que revives, / Pela fé que em mim concentro, / Deixa bailar esses bibes / Seu bailado turbulento. / — São ao todo quatro bibes: / São BIBES-COM-ANJOS-DENTRO!..." É apenas a primeira parte da composição, mas chega para ajudar a fazer o retrato de Rodrigo Emílio.A sátira implacável. Foi ele que definiu a nossa mudança: "De povo de missionários / a povo demissionário..." , depois de Abril, claro. E foi também ele que escreveu este "Piparote final": "Há mil e tantos dias, simplesmente, / Que este sistema nos governa, e vêde / Comércio, indústria, tudo florescente! / Os caminhos de ferro é uma rede. / E quanto a instrução, toda esta gente / Faz riscos de carvão numa parede".Finalmente, os tais maravilhosos jogos de sons, nos quais a palavra é utilizada sinfonicamente. Do poema IEMANJÁ retiro apenas o princípio e o fim:"Do meio das ondas sais, / para o seio delas voltas... / -...Coroada de corais, / e de colares de corolas... /.(cada vez cintilam mais, / à beira mar, os metais / matinais de um par d’argolas).Já das ondas sobressais; / já do mar emerges mais, / saltas de lá, dele te soltas... / (- Decorados de corais / e de colares de corolas... / Saltam, contigo, os metais / sem par, do teu par d’argolas)."Quem ler estas notas (se alguém o fizer...) de humilde homenagem, poderá perguntar: mas então, Rodrigo Emílio não tinha defeitos? Claro que tinha, e grandes, como tiveram Camões, e Bocage, e Antero, e Mário de Sá Carneiro, e Pessoa, como é próprio da frágil condição humana. Havia nele, por vezes, um orgulho desmedido e uma aspereza de procedimentos que surpreendia mesmo os seus amigos mais íntimos. Mas isso não é o decisivo: o que avulta em Rodrigo e ficará "enquanto no mundo houver memória" é a grandeza da sua Poesia e a nobreza da escondida generosidade, da sua personalidade ímpar de português, de aventureiro e de soldado. Há homens que não morrem, afirmou Salazar, referindo-se a Duarte Pacheco, e todos nós, os que estivemos em Parada de Gonta ou na Igreja do Sacramento, também podemos afirmar ser "os que testemunhamos que este não morreu".Domingo de Ramos, 2004P.S. Não vi em parte nenhuma o ministro da Cultura nem qualquer secretário de secretário de Sub-secretário de Estado. Ou tenho que mudar de lentes ou então deviam estar combinando as pazes com Saramago.

Recebi do Eng.º Francisco Ferro, que d´aqui saúdo, o texto seguinte em louvor e memória de Rodrigo Emílio, por quem será rezada amanhã a missa de 30.º dia, pelas 19 horas, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa:No dia 28 de Março deste ano, faleceu no Hospital Curry Cabral às 18 horas e 20 minutos, aquele que foi (pelo menos no meu entender) o poeta maior da segunda metade do século XX português: Rodrigo Emílio de Alarcão Ribeiro de Mello, de seu nome completo, figura inconfundível da verdadeira cultura nacional e homem de carácter, de princípios e valores hoje menosprezados nesta faixa peninsular a que nos reduziram os "heróicos capitães de Abril".Escrever sobre Rodrigo não é nada fácil, mormente para mim que não sou poeta, nem crítico literário, nem filósofo de ideologias alheias, nem (suprema carência...) "intelectual não alinhado", ou seja, desalinhado, como tantos que enxameiam e enlameiam a nossa livre Comunicação Social. Sendo assim, porque me arrisco a publicar o meu testemunho? Por várias razões: porque fui durante quinze anos amigo de Rodrigo Emílio, porque sempre o admirei e respeitei mesmo antes de o ter conhecido, porque recebi dele atenções e deferências que não posso esquecer — e, sobretudo, porque neste ocaso da Nação Portuguesa, submissa perante a União Soviética Europeia, seria muito feio ficar silencioso e não acertar, aqui e agora, algumas contas com a verdade e também com a História. Vamos então falar desse poeta em cujos versos havia relâmpagos de génio e que temos o dever de louvar e enaltecer mesmo afrontando a atitude hipócrita da "estupidentzia" folclórica da esquerda bem pensante.A vida de Rodrigo é definida (a meu ver) por algumas coordenadas indiscutíveis: o amor da Pátria, entendida como projecto, como destino, como missão no mundo, a consideração permanente dos valores em que assenta o nosso viver colectivo — a religião, os sentimentos, as crenças e tradições que nos identificam e distinguem de todos os outros — e uma inspiração poderosíssima servida e alimentada por um conhecimento e domínio completos da linguagem. Ele utilizava as palavras (às vezes parecendo que brincava com elas) para tudo: para a exaltação do que é eterno, para se rever nos seus filhos, para a sátira agressiva e violenta — e também para esses jogos de sons de tal modo encantatórios e musicais que não necessitavam de nenhuma melodia porque esta estava lá, límpida e pura. Podemos dar alguns exemplos destas características.O amor da Pátria. O 25/IV acabou com essa Pátria que ele amava, reduzindo-a a cinco por cento da sua dimensão física, escarnecendo dos heróis e dos santos, aviltando os conceitos morais que eram como que a sua essência irredutível. Daí o poema que dedicou a Walter Ventura e que termina assim:"É preciso que se saiba porque morro, / No meio deste monte de sucata!... / É preciso que se saiba por que morro/ — E que és Tu, Pátria ingrata, quem me mata!". Outros acontecimentos contribuíram para o início da sua autodestruição: a atitude grotesca da Academia de Ciências que recusou entregar-lhe o prémio que ganhara por voto unânime do júri, as agruras do exílio, a morte de uma filha muito nova, e outras coisas mais.A sensibilidade e a alma grande que aflora nos versos intitulados "Em nome do Pai": "Dos meus filhos não me prives, / Santo Deus!, um só momento. / Pelo Céu em que revives, / Pela fé que em mim concentro, / Deixa bailar esses bibes / Seu bailado turbulento. / — São ao todo quatro bibes: / São BIBES-COM-ANJOS-DENTRO!..." É apenas a primeira parte da composição, mas chega para ajudar a fazer o retrato de Rodrigo Emílio.A sátira implacável. Foi ele que definiu a nossa mudança: "De povo de missionários / a povo demissionário..." , depois de Abril, claro. E foi também ele que escreveu este "Piparote final": "Há mil e tantos dias, simplesmente, / Que este sistema nos governa, e vêde / Comércio, indústria, tudo florescente! / Os caminhos de ferro é uma rede. / E quanto a instrução, toda esta gente / Faz riscos de carvão numa parede".Finalmente, os tais maravilhosos jogos de sons, nos quais a palavra é utilizada sinfonicamente. Do poema IEMANJÁ retiro apenas o princípio e o fim:"Do meio das ondas sais, / para o seio delas voltas... / -...Coroada de corais, / e de colares de corolas... /.(cada vez cintilam mais, / à beira mar, os metais / matinais de um par d’argolas).Já das ondas sobressais; / já do mar emerges mais, / saltas de lá, dele te soltas... / (- Decorados de corais / e de colares de corolas... / Saltam, contigo, os metais / sem par, do teu par d’argolas)."Quem ler estas notas (se alguém o fizer...) de humilde homenagem, poderá perguntar: mas então, Rodrigo Emílio não tinha defeitos? Claro que tinha, e grandes, como tiveram Camões, e Bocage, e Antero, e Mário de Sá Carneiro, e Pessoa, como é próprio da frágil condição humana. Havia nele, por vezes, um orgulho desmedido e uma aspereza de procedimentos que surpreendia mesmo os seus amigos mais íntimos. Mas isso não é o decisivo: o que avulta em Rodrigo e ficará "enquanto no mundo houver memória" é a grandeza da sua Poesia e a nobreza da escondida generosidade, da sua personalidade ímpar de português, de aventureiro e de soldado. Há homens que não morrem, afirmou Salazar, referindo-se a Duarte Pacheco, e todos nós, os que estivemos em Parada de Gonta ou na Igreja do Sacramento, também podemos afirmar ser "os que testemunhamos que este não morreu".Domingo de Ramos, 2004P.S. Não vi em parte nenhuma o ministro da Cultura nem qualquer secretário de secretário de Sub-secretário de Estado. Ou tenho que mudar de lentes ou então deviam estar combinando as pazes com Saramago.

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