PALAVROSSAVRVS REX: O ESCORADOR DE PAREDES

23-05-2009
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Ah, a prostituição masculina e juvenil! A prostituição juvenil e masculina!Será que os políticos medíocres que nos pastoreiam querem mesmo saberde esta espécie de monumento humano eloquente à indiferença social,que são os moços que se oferecem como aperitivos nas esquinas do Porto,esses que escoram paredes camuflados no granito, sob as arcadas?lkjSe em nada, Nada!, nos respeitam esses políticos medíocres e alheados da rua e de nós, comuns cidadãos, como hão-de respeitar todo e qualquer português confrangedoramente à margem?Há um moço alto, loiro, muito educado, que, de todas as vezes já bêbado, por isso gago e entaramelado, mas sempre extraordinariamente correcto, me pede entrada no Pub, já a Noite dobra a esquina e, combalidos, os clientes vão saindo dois a dois ou um a umabandonando aquele mormaço de suor e sono.lkjEle traz um ar sinceramente mártir, solitário, marcado, sofrido, inexpressivo, numa aparência entre o serial killer e o frade de clausura, descarnado, tem sempre dinheiro para gastar em inúmeros whiskys e Lusoaté que as luzes exteriores se apaguem e as interiores se acendam, as limpezas comecem e, enfim, cheire a outra labuta-lixívia e Pronto por todo o Pub.lkjDepreciativamente, Patrão e todos os que ali comigo trabalham me perguntam,quando o rapaz desaparece da área, ou porque foi ao WC ou porque veio fumar ao exterior:«E o veado, já foi?» Ou então: «Então deixaste entrar o mariconso bebedolas outra vez?»lkjForam estas palavras, acesas um dia no óleo do desdém desumano com que tantas vezes nos apodamos uns aos outros, que uma e outra vez me fizeram reparar nesse aspecto caracterizador do moço em que nunca pensara. Aspecto sempre putativo e só mais evidente hoje porque, concluída a Noite, dado o facto de estar ele extraordinariamente ébrio,mas, como sempre, nada negativamente exuberante nem para com ninguém inconveniente, apenas trôpego e profundamente desarticulado ao movimentar-se,ousou pedir-me algo, andava eu atarefado de um lado para o outro, ultimando os restos do meu serviço: «Olha, podes... podes... fazer-me um favor? Eu pago. Davas-me boleia... É aqui perto... Praça Carlos Alberto... ou pode ser... no Palácio da Justiça... Eu pago.»lkjDisse-lhe que sim, que podia ser, mas que teria de esperar que eu concluísse o serviço,o que levaria uma hora ou um pouco mais. Exalava impaciência. Resolvera esperar.Estranhei que, ao contrário das outras vezes, não optasse pelo santo táxi, cuja despesanunca lhe seria nada de especial. Estranhei a proposta e a confiança colocada em mim, ab nihilo, um estranho, apenas de todas as vezes compassivo e benévolo com ele por causa da sua via-sacra alcoólica useira e vezeirae por causa do lastro de notório abandono às garras passentas de essas gayssaunas aleatórias e paredes citadinas por si escoradas, aguardando qualquer amante ou nenhum. E é ele todo um enxame de outros iguais nada discreto nessa negra faina. lkjRetomei os meus afazeres. E imaginei que, por mais boa vontade que eu tivesse e solidariedade e compaixão e humanidade, nesta sua milésima hora ébria, teria no fundo de me arriscar a aturar um rapazque lá terá as suas opções sexuais diversas das minhas mas que, por estar bêbado,talvez se me colasse indesejavelmente ao banco do passageiro, mal eu dissesse: «Bom, parece que chegámos!», e, lasso, pesado, me fizesse avanços e quisesse beijar, argh, e tivesse avanços gays sobre mim,e me retivesse do meu caminho em direcção a casa um penoso minuto que fossee se atirasse a dizer-me o quanto sou bom e lindo, e como lhe sou uma fonte inesgotável de tesão homo-erótico, e me atrasasse do meu descanso urgentíssimo,e me empatasse o regresso à pele macia e entontecedora da minha mulher dormindo nua. lkjIrra, era o que mais me faltava! Tantas horas de pé, tanto aperto de mãos e sorrisosà clientela que chega e que parte, os mesmos de sempre, e ainda ter de fazer de Anjo da Guarda a este Álcool EnGayscecido!?Mas, enfim, tudo isto era a minha imaginação e o meu heterobrio homorrepulsivo. Tudo isto era a minha cabeça a ser convencional. E eu tinha de ser mais forte que o sofisma.Decidi que deveria purificar a minha mente, ajudar o pobre rapaz com naturalidade e de nada me enojar. Imaginar de mais era um músculo que deveria permanecer flácido.lkjE assim, concluído o serviço, ainda desabafei ao meu patrão: «Bom, já vou. Está ali o cliente retardatário. Está sentado. Pediu-me o favor de uma boleia.E é perto. Disse até que me pagava, vê lá tu!» O homem da massa não teve outras palavras: «O quê?, vais dar boleia ao veado?» Já contava com o comentário jocoso e com o ferrete classificador.«Não penso que dar-lhe boleia me contamine de gaytude, ó patrãozolas. Está ali que mais parece uma garrafa cheia de etílico para feridas.» Despedi-me e preparei-me para a dubitativa tarefa. Saí.lkjMas o jovem já ali não estava. Ao fundo da rua, andava de um lado para o outro, lá longe.Compreendi que mudara de ideias. Estava impaciente, no limiar do coma alcoólico,talvez disso amedrontado, e cambaleava rua acima e rua abaixo. Reentrei no Pub. «Bom, afinal, parece que o famigerado jovem homo-alcoólico mudou de ideias.»lkj E voltei a sair.Já perto do meu carro, para onde quer que olhasse em mais lado nenhum o detectava.Certamente, resolvera apanhar o santo táxi, num acesso de razoabilidade. E porque me fizera pronto para respirar fundo e para cumprir o que o jovem me pedira, recriminei-me.Recriminei-me por não ter sido imediatamente solícito. Pesou-me não poder ter sido afinal herói e Cirineu de mais este Cristo.Fazer o bem. Concretizar um auxílio que me fora pedido. Aceitar que me pagasse porque me faz imensa falta, qualquer cêntimo é bem-vindo:no Pub, os mais ricos são os que menos se esmeram nas gorjasquando regressam aos seus BMW caríssimos ou aos seus luxuosos Descapotáveis os quais lambem devotados como se fossem Pénis de Deuses.Na verdade, passam por mim como se eu fosse mais um tapete no caminho para essas divindades motorizadas, divos estofos, divas jantes, divo ronronar.lkjEntrei no meu carro, sintonizei a Rádio Nova Era pela música mesmo. A Rádio Renascênça é, o mais das vezes, demasiado superficial, contida-conveniente-governamental. Senti o cheiro da cadeirinha da minha filhinha lá atrás, como uma Essência Santa.Azulamanhecia. O ar rescendia àquela herbal frescura perfeita e à liberdade pós-laboral. A passarada na Cidade era um Enorme Concerto Opus Cagaçal.«Que alívio, meu Deus! Doem-me as pernas de tantas horas hirto, erecto e atento, como uma sentinela, acolhendo, observando, compreendendo. A planta dos pés parece ter-se-me colado aos ossos. E doem-me.» ljlkjCom efeito, como sempre, eis-me Exausto e Mal-Pago!


Ah, a prostituição masculina e juvenil! A prostituição juvenil e masculina!Será que os políticos medíocres que nos pastoreiam querem mesmo saberde esta espécie de monumento humano eloquente à indiferença social,que são os moços que se oferecem como aperitivos nas esquinas do Porto,esses que escoram paredes camuflados no granito, sob as arcadas?lkjSe em nada, Nada!, nos respeitam esses políticos medíocres e alheados da rua e de nós, comuns cidadãos, como hão-de respeitar todo e qualquer português confrangedoramente à margem?Há um moço alto, loiro, muito educado, que, de todas as vezes já bêbado, por isso gago e entaramelado, mas sempre extraordinariamente correcto, me pede entrada no Pub, já a Noite dobra a esquina e, combalidos, os clientes vão saindo dois a dois ou um a umabandonando aquele mormaço de suor e sono.lkjEle traz um ar sinceramente mártir, solitário, marcado, sofrido, inexpressivo, numa aparência entre o serial killer e o frade de clausura, descarnado, tem sempre dinheiro para gastar em inúmeros whiskys e Lusoaté que as luzes exteriores se apaguem e as interiores se acendam, as limpezas comecem e, enfim, cheire a outra labuta-lixívia e Pronto por todo o Pub.lkjDepreciativamente, Patrão e todos os que ali comigo trabalham me perguntam,quando o rapaz desaparece da área, ou porque foi ao WC ou porque veio fumar ao exterior:«E o veado, já foi?» Ou então: «Então deixaste entrar o mariconso bebedolas outra vez?»lkjForam estas palavras, acesas um dia no óleo do desdém desumano com que tantas vezes nos apodamos uns aos outros, que uma e outra vez me fizeram reparar nesse aspecto caracterizador do moço em que nunca pensara. Aspecto sempre putativo e só mais evidente hoje porque, concluída a Noite, dado o facto de estar ele extraordinariamente ébrio,mas, como sempre, nada negativamente exuberante nem para com ninguém inconveniente, apenas trôpego e profundamente desarticulado ao movimentar-se,ousou pedir-me algo, andava eu atarefado de um lado para o outro, ultimando os restos do meu serviço: «Olha, podes... podes... fazer-me um favor? Eu pago. Davas-me boleia... É aqui perto... Praça Carlos Alberto... ou pode ser... no Palácio da Justiça... Eu pago.»lkjDisse-lhe que sim, que podia ser, mas que teria de esperar que eu concluísse o serviço,o que levaria uma hora ou um pouco mais. Exalava impaciência. Resolvera esperar.Estranhei que, ao contrário das outras vezes, não optasse pelo santo táxi, cuja despesanunca lhe seria nada de especial. Estranhei a proposta e a confiança colocada em mim, ab nihilo, um estranho, apenas de todas as vezes compassivo e benévolo com ele por causa da sua via-sacra alcoólica useira e vezeirae por causa do lastro de notório abandono às garras passentas de essas gayssaunas aleatórias e paredes citadinas por si escoradas, aguardando qualquer amante ou nenhum. E é ele todo um enxame de outros iguais nada discreto nessa negra faina. lkjRetomei os meus afazeres. E imaginei que, por mais boa vontade que eu tivesse e solidariedade e compaixão e humanidade, nesta sua milésima hora ébria, teria no fundo de me arriscar a aturar um rapazque lá terá as suas opções sexuais diversas das minhas mas que, por estar bêbado,talvez se me colasse indesejavelmente ao banco do passageiro, mal eu dissesse: «Bom, parece que chegámos!», e, lasso, pesado, me fizesse avanços e quisesse beijar, argh, e tivesse avanços gays sobre mim,e me retivesse do meu caminho em direcção a casa um penoso minuto que fossee se atirasse a dizer-me o quanto sou bom e lindo, e como lhe sou uma fonte inesgotável de tesão homo-erótico, e me atrasasse do meu descanso urgentíssimo,e me empatasse o regresso à pele macia e entontecedora da minha mulher dormindo nua. lkjIrra, era o que mais me faltava! Tantas horas de pé, tanto aperto de mãos e sorrisosà clientela que chega e que parte, os mesmos de sempre, e ainda ter de fazer de Anjo da Guarda a este Álcool EnGayscecido!?Mas, enfim, tudo isto era a minha imaginação e o meu heterobrio homorrepulsivo. Tudo isto era a minha cabeça a ser convencional. E eu tinha de ser mais forte que o sofisma.Decidi que deveria purificar a minha mente, ajudar o pobre rapaz com naturalidade e de nada me enojar. Imaginar de mais era um músculo que deveria permanecer flácido.lkjE assim, concluído o serviço, ainda desabafei ao meu patrão: «Bom, já vou. Está ali o cliente retardatário. Está sentado. Pediu-me o favor de uma boleia.E é perto. Disse até que me pagava, vê lá tu!» O homem da massa não teve outras palavras: «O quê?, vais dar boleia ao veado?» Já contava com o comentário jocoso e com o ferrete classificador.«Não penso que dar-lhe boleia me contamine de gaytude, ó patrãozolas. Está ali que mais parece uma garrafa cheia de etílico para feridas.» Despedi-me e preparei-me para a dubitativa tarefa. Saí.lkjMas o jovem já ali não estava. Ao fundo da rua, andava de um lado para o outro, lá longe.Compreendi que mudara de ideias. Estava impaciente, no limiar do coma alcoólico,talvez disso amedrontado, e cambaleava rua acima e rua abaixo. Reentrei no Pub. «Bom, afinal, parece que o famigerado jovem homo-alcoólico mudou de ideias.»lkj E voltei a sair.Já perto do meu carro, para onde quer que olhasse em mais lado nenhum o detectava.Certamente, resolvera apanhar o santo táxi, num acesso de razoabilidade. E porque me fizera pronto para respirar fundo e para cumprir o que o jovem me pedira, recriminei-me.Recriminei-me por não ter sido imediatamente solícito. Pesou-me não poder ter sido afinal herói e Cirineu de mais este Cristo.Fazer o bem. Concretizar um auxílio que me fora pedido. Aceitar que me pagasse porque me faz imensa falta, qualquer cêntimo é bem-vindo:no Pub, os mais ricos são os que menos se esmeram nas gorjasquando regressam aos seus BMW caríssimos ou aos seus luxuosos Descapotáveis os quais lambem devotados como se fossem Pénis de Deuses.Na verdade, passam por mim como se eu fosse mais um tapete no caminho para essas divindades motorizadas, divos estofos, divas jantes, divo ronronar.lkjEntrei no meu carro, sintonizei a Rádio Nova Era pela música mesmo. A Rádio Renascênça é, o mais das vezes, demasiado superficial, contida-conveniente-governamental. Senti o cheiro da cadeirinha da minha filhinha lá atrás, como uma Essência Santa.Azulamanhecia. O ar rescendia àquela herbal frescura perfeita e à liberdade pós-laboral. A passarada na Cidade era um Enorme Concerto Opus Cagaçal.«Que alívio, meu Deus! Doem-me as pernas de tantas horas hirto, erecto e atento, como uma sentinela, acolhendo, observando, compreendendo. A planta dos pés parece ter-se-me colado aos ossos. E doem-me.» ljlkjCom efeito, como sempre, eis-me Exausto e Mal-Pago!

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