PALAVROSSAVRVS REX: METRO

23-05-2009
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Deslizando, gera-se um zumbido quando o aço roça o aço, chiando.Andar. Parar. Abertas as portas, entra e sai a fauna dos feios, dos sujos, dos limpos, dos velhos,dos magros, das gordas, das nacionais e das estrangeiras.Oh, essas moças romenas grátis, ciganas, com estes vestidos compridos tão floridos e desbotados, parando, corpo a corpo, a meu lado - a língua estranha, a sovaqueira de um avinagrado radioactivo indescritível, as silhuetas femininas de um moreno perfeito, perfeito nariz de bom e nítido recorte,uns olhos doces amendoados, figurinhas catraias, a pequenês vagabunda de andar a pedir como quem anda em reposições hipermercádicas.«Trindade, aqui?», perguntam portugueseando a pergunta. Respondem-lhe que não. Parar.Inundação nova. Entram estudantes. Riem. Andar.Empalidecem. Enrubescem. Empalidecem de novo. Nas moças em que acontece isto e aquilo respectivamente, há um efeito lula na alternância pigmentária frequente de se ser adolescentee se ter de cruzar olhares ardentes com o atraente estranho de serviço,à mesma hora, no mesmo sector do largato veículo. As coisas boas da rotina.Parar. Um vento de suspiros e respirações invade as portas abertas.Andar.Há música nas vozes que bruxuleiam.Cada vez mais nórdicos, os nacionais murmuram correctamente, são discretos,imitam o silêncio completo das mulheres ucranianas que vão limpar as casas de família,as confeitarias e escritórios da cidade pela manhã, elas, que estão sempre tristes,sempre zombies da saudade pátria.Não é por ser manhã, mas há uma triste deslatinização de Portugal que as multidões testemunham. Entra pelo Metro adentro uma seriedade triste e policial - há alguém a pôr Portugal na linha, há quem esteja a meter tudo na ordem:há o cruzamento de dados, o aumento das reitas fiscais,um povo que trabalha mais e folga menos,uma ministra educativa à solta rugindo como um elefante enlouquecido,que abalroa autocarros apinhados, automóveis que estacam à sua passagem,gente em pânico correndo em todas as direcções e que ela pisoteia furiosa e pesadamente.Um animal enraivecido, encarregado de se enraivecer, é para abater. Todos sabem que é para abater. Até o animal, ele mesmo, o sabe e é por isso que ataca mais, que investe mais feroz.É hora de sair. Parar. E ainda bem, porque alguém largou o peido e já não se pode.É terrível quando os cheiros se soltam nos lugares públicos,ninguém se responsabiliza e todos sofrem do choque com o metabólico alheio.Que falta de educação não começarmos de repente a conversar ruidosamente uns com os outros,a acenar efusiva e cumplicemente a cada um dos milhares de utentes de esta coisa, piscando muito os olhos a toda a gente: «Olá, meu!»; «Minha!»; «Tá tudo, bro?»; «Hei, bacano!».Que milagre, que revolução, não seriaeste povo engelhado de burridade e iliteracia, tão escarrante e bronco,desatar ao menos a tagarelar entre si, com desconhecidos,com os muitos velhos que fazem de Portugal admiravelmente velho,com os poucos jovens que fazem de Portugal admiravelmente chavalo,ali, em pleno Metro, a cavaquear banalidades com quem calhasse,a exercer o ministério da simpatia indiscriminada,ali, a olhar fugidiamente ou fixamente os olhos que nos olham,ali, roçando discursos além de roupa e redondezas de corpo, nas horas de ponta,ali, onde fungando e tossindo, nos salvamos e contaminamos,apertando a mão à grande irmandade do acolhimento português,tão generosamente vaginal na sua elasticidade hospitaleira:um povo desatando a mordaça de timidez e ignorânciaque as elites adoram apôr-lheporque lhes dá alguma coisa com que se enterneceremsem terem de pagar um cêntimo por isso.


Deslizando, gera-se um zumbido quando o aço roça o aço, chiando.Andar. Parar. Abertas as portas, entra e sai a fauna dos feios, dos sujos, dos limpos, dos velhos,dos magros, das gordas, das nacionais e das estrangeiras.Oh, essas moças romenas grátis, ciganas, com estes vestidos compridos tão floridos e desbotados, parando, corpo a corpo, a meu lado - a língua estranha, a sovaqueira de um avinagrado radioactivo indescritível, as silhuetas femininas de um moreno perfeito, perfeito nariz de bom e nítido recorte,uns olhos doces amendoados, figurinhas catraias, a pequenês vagabunda de andar a pedir como quem anda em reposições hipermercádicas.«Trindade, aqui?», perguntam portugueseando a pergunta. Respondem-lhe que não. Parar.Inundação nova. Entram estudantes. Riem. Andar.Empalidecem. Enrubescem. Empalidecem de novo. Nas moças em que acontece isto e aquilo respectivamente, há um efeito lula na alternância pigmentária frequente de se ser adolescentee se ter de cruzar olhares ardentes com o atraente estranho de serviço,à mesma hora, no mesmo sector do largato veículo. As coisas boas da rotina.Parar. Um vento de suspiros e respirações invade as portas abertas.Andar.Há música nas vozes que bruxuleiam.Cada vez mais nórdicos, os nacionais murmuram correctamente, são discretos,imitam o silêncio completo das mulheres ucranianas que vão limpar as casas de família,as confeitarias e escritórios da cidade pela manhã, elas, que estão sempre tristes,sempre zombies da saudade pátria.Não é por ser manhã, mas há uma triste deslatinização de Portugal que as multidões testemunham. Entra pelo Metro adentro uma seriedade triste e policial - há alguém a pôr Portugal na linha, há quem esteja a meter tudo na ordem:há o cruzamento de dados, o aumento das reitas fiscais,um povo que trabalha mais e folga menos,uma ministra educativa à solta rugindo como um elefante enlouquecido,que abalroa autocarros apinhados, automóveis que estacam à sua passagem,gente em pânico correndo em todas as direcções e que ela pisoteia furiosa e pesadamente.Um animal enraivecido, encarregado de se enraivecer, é para abater. Todos sabem que é para abater. Até o animal, ele mesmo, o sabe e é por isso que ataca mais, que investe mais feroz.É hora de sair. Parar. E ainda bem, porque alguém largou o peido e já não se pode.É terrível quando os cheiros se soltam nos lugares públicos,ninguém se responsabiliza e todos sofrem do choque com o metabólico alheio.Que falta de educação não começarmos de repente a conversar ruidosamente uns com os outros,a acenar efusiva e cumplicemente a cada um dos milhares de utentes de esta coisa, piscando muito os olhos a toda a gente: «Olá, meu!»; «Minha!»; «Tá tudo, bro?»; «Hei, bacano!».Que milagre, que revolução, não seriaeste povo engelhado de burridade e iliteracia, tão escarrante e bronco,desatar ao menos a tagarelar entre si, com desconhecidos,com os muitos velhos que fazem de Portugal admiravelmente velho,com os poucos jovens que fazem de Portugal admiravelmente chavalo,ali, em pleno Metro, a cavaquear banalidades com quem calhasse,a exercer o ministério da simpatia indiscriminada,ali, a olhar fugidiamente ou fixamente os olhos que nos olham,ali, roçando discursos além de roupa e redondezas de corpo, nas horas de ponta,ali, onde fungando e tossindo, nos salvamos e contaminamos,apertando a mão à grande irmandade do acolhimento português,tão generosamente vaginal na sua elasticidade hospitaleira:um povo desatando a mordaça de timidez e ignorânciaque as elites adoram apôr-lheporque lhes dá alguma coisa com que se enterneceremsem terem de pagar um cêntimo por isso.

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