PALAVROSSAVRVS REX: NOCTURNO

30-09-2009
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Tenho os poros abertos à flor da noite e escrevo.A caminho da primeira vez num emprego parcial que talvez me ajude a remar na minha tormenta, todo ele nocturno, o emprego, noctivagarei a minha escrita muito antes que a minha procelosa mão realmente a teça.lkjPastosa, a gente desliza pesada pela cidade amortecida.Cumprem-na somente, agora nocturna e agonizante, pedintes ocasionais viciados em cerveja, brasílicos imigrantes perdidos e deslumbrados com tudo, que me abordam inquisitivos à procura da rua desconhecida e esses jovens que permanecem encostados às altas e graníticas paredes, de parda pátina, nessa espera pegajosa de olhos no vácuo vidrados espera não se antecipa por que viscosa esmola.lkjA avenida cresce para mim e, ladeando-a, avultam negras silhuetas nas janelas liminosasmais inacessíveis ao meu olhar horizontal sobre quem tão raro passa.Meu olhar mais oblíquo quando não quero olhar quem passa, mas só o chão.Meu olhar que vai passando por quem passa e não quer olhar-se em quem passa.Cabe-me hoje vigilambular por um recanto da cidade onde se trocará velhice galopantepor alguma alienação musical, alguma promissora troca de olharese benevolências de curto prazo, antes do regresso à pesada e costumeira solidão velha.lkjEi-los que chegam como escorrências humanas a desaguar na foz de onde eu estou.O velho grisalho, de barba à renascença e dente de narval,morto por ser escutado como quem sustém a infecta solidão e a disfarça,a mulher obesa que vende rosas pela longa noite, que quer entrar e mo pede,e me desabafa da infecção num dente que a traz em trabalhose mo mostra, abrindo muito a boca, apontando a exodontia e o bolbo infecto na mandíbula inferior,as duas mulheres de olho lobrigador de um macho jovem impossível,sempre lúbricas, sempre prontas, sempre sós, sempre à caça,conformadas que a espécie ansiada raie a extinção e esperançosas de que não raie,o casal assimétrico (ele quase nos setenta, grisalho e com dinheiro e ela, jovem e bela ainda nos trinta, cheia de charme e atributos no rosto cuidadono corpo maduro. Saem, ele ajuda-a com o casaco de peles, está frio,morre por beijá-la e beija-a. Ela abandona-se duas vezes àquele amplexo azeite com água.Acompanha-a até a um táxi e regressa à foz onde eu estou, reentrando.Dorme sempre as noites com a mulher. O dia é para derramar-se naquela exigência jovem e cara.)O homem que decide que empatizou contigo, cheio de wiskey e do respectivo intenso hálito, e me resume uma vida de cinquenta anos, três casamentos, três filhos e três casas adquiridastudo deixado para trás como despojos fatais de esse lastro da liberdade que é o equívoco de ter casado.Hoje vive com a mãe e é feliz. lkjNão pára o afluxo de naufragos felizes alcançando a foz de onde eu estou,porta humana, concedendo um cartão e a passagem para um Hades onde se dança, e onde se bebe.Fluem os que chegam sós e cedo partem para uma noite embebida em pele,na voz gemente de fêmea clitoriana por ebulição e dinheiro, oficiantes corpos de delíquio.Fluem os que chegam sós e partem ainda mais sós.lkjE é num acanhamento com álcool e despedidas mais calorosasquanto mais anónimas que todos vão partindo residuais,apertando-me muito as mãos enquanto se escoam.Ei-los, pobre gente!, que reentram na noite fechada de um Porto nocturno há muito deserto, há muito defunto.lklj[O velho do dente de narval deu-me um euro de gorjeta, estava excitado e falador, disse que a coisa ali já fora bem mais animada.][A velha de lúbrico olho lobrigador disse que se pudesse me levava.]


Tenho os poros abertos à flor da noite e escrevo.A caminho da primeira vez num emprego parcial que talvez me ajude a remar na minha tormenta, todo ele nocturno, o emprego, noctivagarei a minha escrita muito antes que a minha procelosa mão realmente a teça.lkjPastosa, a gente desliza pesada pela cidade amortecida.Cumprem-na somente, agora nocturna e agonizante, pedintes ocasionais viciados em cerveja, brasílicos imigrantes perdidos e deslumbrados com tudo, que me abordam inquisitivos à procura da rua desconhecida e esses jovens que permanecem encostados às altas e graníticas paredes, de parda pátina, nessa espera pegajosa de olhos no vácuo vidrados espera não se antecipa por que viscosa esmola.lkjA avenida cresce para mim e, ladeando-a, avultam negras silhuetas nas janelas liminosasmais inacessíveis ao meu olhar horizontal sobre quem tão raro passa.Meu olhar mais oblíquo quando não quero olhar quem passa, mas só o chão.Meu olhar que vai passando por quem passa e não quer olhar-se em quem passa.Cabe-me hoje vigilambular por um recanto da cidade onde se trocará velhice galopantepor alguma alienação musical, alguma promissora troca de olharese benevolências de curto prazo, antes do regresso à pesada e costumeira solidão velha.lkjEi-los que chegam como escorrências humanas a desaguar na foz de onde eu estou.O velho grisalho, de barba à renascença e dente de narval,morto por ser escutado como quem sustém a infecta solidão e a disfarça,a mulher obesa que vende rosas pela longa noite, que quer entrar e mo pede,e me desabafa da infecção num dente que a traz em trabalhose mo mostra, abrindo muito a boca, apontando a exodontia e o bolbo infecto na mandíbula inferior,as duas mulheres de olho lobrigador de um macho jovem impossível,sempre lúbricas, sempre prontas, sempre sós, sempre à caça,conformadas que a espécie ansiada raie a extinção e esperançosas de que não raie,o casal assimétrico (ele quase nos setenta, grisalho e com dinheiro e ela, jovem e bela ainda nos trinta, cheia de charme e atributos no rosto cuidadono corpo maduro. Saem, ele ajuda-a com o casaco de peles, está frio,morre por beijá-la e beija-a. Ela abandona-se duas vezes àquele amplexo azeite com água.Acompanha-a até a um táxi e regressa à foz onde eu estou, reentrando.Dorme sempre as noites com a mulher. O dia é para derramar-se naquela exigência jovem e cara.)O homem que decide que empatizou contigo, cheio de wiskey e do respectivo intenso hálito, e me resume uma vida de cinquenta anos, três casamentos, três filhos e três casas adquiridastudo deixado para trás como despojos fatais de esse lastro da liberdade que é o equívoco de ter casado.Hoje vive com a mãe e é feliz. lkjNão pára o afluxo de naufragos felizes alcançando a foz de onde eu estou,porta humana, concedendo um cartão e a passagem para um Hades onde se dança, e onde se bebe.Fluem os que chegam sós e cedo partem para uma noite embebida em pele,na voz gemente de fêmea clitoriana por ebulição e dinheiro, oficiantes corpos de delíquio.Fluem os que chegam sós e partem ainda mais sós.lkjE é num acanhamento com álcool e despedidas mais calorosasquanto mais anónimas que todos vão partindo residuais,apertando-me muito as mãos enquanto se escoam.Ei-los, pobre gente!, que reentram na noite fechada de um Porto nocturno há muito deserto, há muito defunto.lklj[O velho do dente de narval deu-me um euro de gorjeta, estava excitado e falador, disse que a coisa ali já fora bem mais animada.][A velha de lúbrico olho lobrigador disse que se pudesse me levava.]

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