Grande Loja do Queijo Limiano: A razão do "estado a que chegamos"

22-05-2009
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“ A legitimidade de um primeiro ministro vem dos votos, não dos títulos académicos. Mas, utilizar um título que não se tem, fazer passar-se por aquilo que não é, revela uma falha de carácter, mina a credibilidade e afecta a sua autoridade.”

Foi isto que o político Marques Mendes disse de José Sócrates a propósito do seu percurso académico e que tem vindo a causa polémica.Nenhum outro político ousou avançar tanto nos comentários ao caso escandaloso.

Há um consenso algo esquisito em comentadores e políticos que se aprestam sempre a demarcar-se destas declarações. Jorge Coelho acha-as “indignas”, o que revela muito sobre o seu conceito de dignidade. Pacheco Pereira, demarca-se e não concorda com apreciações de “carácter”. Duarte Lima, Dias Loureiro, Ângelo Correia e outros, idem. Aliás, estes três personagens da nossa política mediática, enriquecidos pela política, costumam falar estranhamente a uma só voz e uma breve e perfunctória análise do seu percurso político, deveria fazer pensar duas vezes quem os ouve, cuidando de apurar razões para o que dizem.

Assim, o mais interessante, neste caso, começa a ser a observação da atitude pública dos políticos, comentadores e público em geral, bem como da opinião publicada nos media, incluindo blogs.

O caso Sócrates permite avaliar uma fractura importante, tornada explícita pelas diversas reacções públicas e políticas já conhecidas: o actual nível de ética e moral, publicamente exigível a governantes e responsáveis políticos em geral.

Uma esmagadora maioria de políticos de todos os quadrantes e feitios ideológicos, continua a desvalorizar o assunto e começou a comentar o caso, apenas quando o mesmo era inevitável e incontornável. Et pour cause, dir-se-ia.

Objectivamente, resulta como óbvio que todos prefeririam deixar o assunto morrer por si mesmo, na indignação dos blogs anónimos, nunca citados e confundidos com bastidores de mentideros e maledicência. Algo semelhante aos corredores dos círculos de poder onde se diz que disse.

O assunto era incómodo para os poderes, porque colocava em crise aberta, o modo como muitos se alcandoram a esses poderes fácticos e de direito. E são aos milhares, em Portugal!

Mas havia factos. Muitos factos e sem possibilidade de contorno político. E os jornais, fatalmente pegaram neles. Hoje, até o 24 Horas dá destaque de primeira página ao assunto famoso ( e só por isso, claro, que as vendas contam para todos).

Os factos registados, apontavam para sérias dúvidas e interrogações de perplexidade, acerca da correcção de uma qualificação académica e profissional de um indivíduo que pertence à classe política, foi deputado, ajudante de ministro e é actualmente primeiro- ministro. As aparentes incorrecções de datas, números, afirmações, contradições escritas e documentalmente comprovadas, permitem a dúvida séria e consistente no sentido de o diploma de um indivíduo que é primeiro-ministro, poder ter sido obtido através de um eventual favorecimento pessoal, grave nesta circunstância particular. A dúvida foi considerada pelo próprio como "legítima", depois de numa primeira reacção publicada, ter sido considerada uma "calúnia".

Essa circunstância aventada a medo e a custo, foi considerada publicamente, até pelo circunspecto líder do BE, Louça, como o pecado mortal que nunca seria perdoado ao primeiro ministro, nem que fosse confessado.

Há por aqui, uma primeira fractura: uma parte dos políticos, aceita como inadmissível o favorecimento pessoal, na obtenção de um diploma, pelo actual primeiro ministro, mesmo quando ainda nem o pensava ser. Eticamente, há pelo menos esta definição assente.

Outra, que perpassa nas declarações públicas e parece pacífica, será obviamente a que contende com a prática de crimes de catálogo. A falsificação de documentos ou o uso dos mesmos, é naturalmente inadmissível e insuportável, se comprovada. O caso dos manuscritos de José Sócrates, nos boletins biográficos da Assembleia da República, onde perpassam eventuais indicações apócrifas, da autoria do próprio, sem que se conheçam os originais de onde partiram e a atitude manifestamente reservada do próprio presidente da AR, ontem, fazem prever um cenário inadmissível, mesmo para os padrões de laxismo e contemporização mais alargados, onde aliás, o local tem sido fértil ( basta lembrar o caso das viagens dos deputados e as faltas ao plenário com assinaturas presenciais de ausentes).

Temos por isso, outro padrão ético de desvalor evidente, neste caso, até com relevância jurídica, pacificamente aceite pela classe política em particular e cidadãos em geral.

Onde já se torna duvidosa a relevância ética, é na atenção da opinião político-mediática ao “uso social” e também pessoal, de um título profissional por quem nunca o teve nem podia ter. Este pecadilho, desvalorizado e glosado agora como costume social sem importância, distraído do facto incómodo de ser o próprio titular a contemporizar e assumir a sua prática, passa actualmente como a justificação cega para quem não quer olhar para os pecados graves indesculpáveis que podem ocultar-se e aos quais nega a possibilidade de investigação, por afastamento liminar.

É a poeira possível que tentam lançar para quem pode decidir o destino dos seus tachitos de interesses particulares e de grupo: o cidadão médio que se ouve em sondagem na rádio.

Esta atitude cívica, ética e moral diz muito de quem somos e da educação que cultivamos. Diz mais do que mil estudos sociológicos de Antónios Barretos e afins.

Por fim, como corolário de todos estes cenários de amostra dos nossos actuais valores éticos e políticos, apresenta-se um outro fenómeno antigo e de solidez comprovada nos círculos de poder de todas as latitudes e ideologias: o Interesse do Estado. A raison d´ état dos franceses.

Esta razão conhecida e aprovada por alguns, costuma servir para justificar encobrimentos de malfeitorias em nome de valores sólidos, como a estabilidade de um serviço, regime, poder ou para evitar males maiores para um povo, grupo ou interesse relevante. Representa muitas vezes o sacrifício de um valor nobre, para proteger outro de nobreza equivalente ou de significado mais alargado.

Em política, serve como justificação para variadas decisões. Há razões de Estado que evitam guerras e serão aceitáveis. Há razões de Estado que evitam males maiores para uma população e sê-lo-ão também. Há ainda razões de Estado que protegem segredos classificados como tal, e compreendem-se.

O que não se compreende nem aceita de todo em todo, é que se defendam razões do mesmo tipo, para obliterar valores com validade sólida, como a condenação pública e exemplar, da mentira rasteira, da aldrabice mais evidente e da trafulhice mais pegada, para não falar em manigâncias de ordem mais prosaica e que definem exactamente um carácter. Há quem tenha sido substituído num governo por...incompetência? Há?! Então...

Se tal encolher de ombros democrático, se fizer em nome de uma estabilidade de um governo cuja substituição acarreta despesas e resultados incertos para a politiquice e a desestabilização da vida pessoal de quem se acomodou, ainda se compreende menos, porque os valores sacrificados nem sequer se comparam. Nem sequer colhe o argumento da imagem pública internacional. Essa, já se estragou há muito e ainda se estraga mais. Imagine-se o que não se diz por essas chancelarias!

Trocar valores e princípios que deviam ser sólidos, por conveniências de circunstância, parece ser o nosso destino fatal, com estes políticos de pacotilha que andamos a escolher há trinta anos. Não dão exemplo algum de correcção democrática, quando tal se lhes exige, como agora; não cumprem os valores que dizem defender em certas alturas e estão sempre prontos para contemporizar e negar os mesmos valores quando as circunstâncias colocam em risco os lugares que ocupam e interesses particulares que defendem.

São, nesse aspecto, todos iguais e as pessoas em geral, já perceberam isso há muito tempo. Alguns não querem parecer, mas são-no. Outros, não o sendo, aparentam muito bem. Resta saber em nome exactamente de quê e de quem.

Publicado por josé

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“ A legitimidade de um primeiro ministro vem dos votos, não dos títulos académicos. Mas, utilizar um título que não se tem, fazer passar-se por aquilo que não é, revela uma falha de carácter, mina a credibilidade e afecta a sua autoridade.”

Foi isto que o político Marques Mendes disse de José Sócrates a propósito do seu percurso académico e que tem vindo a causa polémica.Nenhum outro político ousou avançar tanto nos comentários ao caso escandaloso.

Há um consenso algo esquisito em comentadores e políticos que se aprestam sempre a demarcar-se destas declarações. Jorge Coelho acha-as “indignas”, o que revela muito sobre o seu conceito de dignidade. Pacheco Pereira, demarca-se e não concorda com apreciações de “carácter”. Duarte Lima, Dias Loureiro, Ângelo Correia e outros, idem. Aliás, estes três personagens da nossa política mediática, enriquecidos pela política, costumam falar estranhamente a uma só voz e uma breve e perfunctória análise do seu percurso político, deveria fazer pensar duas vezes quem os ouve, cuidando de apurar razões para o que dizem.

Assim, o mais interessante, neste caso, começa a ser a observação da atitude pública dos políticos, comentadores e público em geral, bem como da opinião publicada nos media, incluindo blogs.

O caso Sócrates permite avaliar uma fractura importante, tornada explícita pelas diversas reacções públicas e políticas já conhecidas: o actual nível de ética e moral, publicamente exigível a governantes e responsáveis políticos em geral.

Uma esmagadora maioria de políticos de todos os quadrantes e feitios ideológicos, continua a desvalorizar o assunto e começou a comentar o caso, apenas quando o mesmo era inevitável e incontornável. Et pour cause, dir-se-ia.

Objectivamente, resulta como óbvio que todos prefeririam deixar o assunto morrer por si mesmo, na indignação dos blogs anónimos, nunca citados e confundidos com bastidores de mentideros e maledicência. Algo semelhante aos corredores dos círculos de poder onde se diz que disse.

O assunto era incómodo para os poderes, porque colocava em crise aberta, o modo como muitos se alcandoram a esses poderes fácticos e de direito. E são aos milhares, em Portugal!

Mas havia factos. Muitos factos e sem possibilidade de contorno político. E os jornais, fatalmente pegaram neles. Hoje, até o 24 Horas dá destaque de primeira página ao assunto famoso ( e só por isso, claro, que as vendas contam para todos).

Os factos registados, apontavam para sérias dúvidas e interrogações de perplexidade, acerca da correcção de uma qualificação académica e profissional de um indivíduo que pertence à classe política, foi deputado, ajudante de ministro e é actualmente primeiro- ministro. As aparentes incorrecções de datas, números, afirmações, contradições escritas e documentalmente comprovadas, permitem a dúvida séria e consistente no sentido de o diploma de um indivíduo que é primeiro-ministro, poder ter sido obtido através de um eventual favorecimento pessoal, grave nesta circunstância particular. A dúvida foi considerada pelo próprio como "legítima", depois de numa primeira reacção publicada, ter sido considerada uma "calúnia".

Essa circunstância aventada a medo e a custo, foi considerada publicamente, até pelo circunspecto líder do BE, Louça, como o pecado mortal que nunca seria perdoado ao primeiro ministro, nem que fosse confessado.

Há por aqui, uma primeira fractura: uma parte dos políticos, aceita como inadmissível o favorecimento pessoal, na obtenção de um diploma, pelo actual primeiro ministro, mesmo quando ainda nem o pensava ser. Eticamente, há pelo menos esta definição assente.

Outra, que perpassa nas declarações públicas e parece pacífica, será obviamente a que contende com a prática de crimes de catálogo. A falsificação de documentos ou o uso dos mesmos, é naturalmente inadmissível e insuportável, se comprovada. O caso dos manuscritos de José Sócrates, nos boletins biográficos da Assembleia da República, onde perpassam eventuais indicações apócrifas, da autoria do próprio, sem que se conheçam os originais de onde partiram e a atitude manifestamente reservada do próprio presidente da AR, ontem, fazem prever um cenário inadmissível, mesmo para os padrões de laxismo e contemporização mais alargados, onde aliás, o local tem sido fértil ( basta lembrar o caso das viagens dos deputados e as faltas ao plenário com assinaturas presenciais de ausentes).

Temos por isso, outro padrão ético de desvalor evidente, neste caso, até com relevância jurídica, pacificamente aceite pela classe política em particular e cidadãos em geral.

Onde já se torna duvidosa a relevância ética, é na atenção da opinião político-mediática ao “uso social” e também pessoal, de um título profissional por quem nunca o teve nem podia ter. Este pecadilho, desvalorizado e glosado agora como costume social sem importância, distraído do facto incómodo de ser o próprio titular a contemporizar e assumir a sua prática, passa actualmente como a justificação cega para quem não quer olhar para os pecados graves indesculpáveis que podem ocultar-se e aos quais nega a possibilidade de investigação, por afastamento liminar.

É a poeira possível que tentam lançar para quem pode decidir o destino dos seus tachitos de interesses particulares e de grupo: o cidadão médio que se ouve em sondagem na rádio.

Esta atitude cívica, ética e moral diz muito de quem somos e da educação que cultivamos. Diz mais do que mil estudos sociológicos de Antónios Barretos e afins.

Por fim, como corolário de todos estes cenários de amostra dos nossos actuais valores éticos e políticos, apresenta-se um outro fenómeno antigo e de solidez comprovada nos círculos de poder de todas as latitudes e ideologias: o Interesse do Estado. A raison d´ état dos franceses.

Esta razão conhecida e aprovada por alguns, costuma servir para justificar encobrimentos de malfeitorias em nome de valores sólidos, como a estabilidade de um serviço, regime, poder ou para evitar males maiores para um povo, grupo ou interesse relevante. Representa muitas vezes o sacrifício de um valor nobre, para proteger outro de nobreza equivalente ou de significado mais alargado.

Em política, serve como justificação para variadas decisões. Há razões de Estado que evitam guerras e serão aceitáveis. Há razões de Estado que evitam males maiores para uma população e sê-lo-ão também. Há ainda razões de Estado que protegem segredos classificados como tal, e compreendem-se.

O que não se compreende nem aceita de todo em todo, é que se defendam razões do mesmo tipo, para obliterar valores com validade sólida, como a condenação pública e exemplar, da mentira rasteira, da aldrabice mais evidente e da trafulhice mais pegada, para não falar em manigâncias de ordem mais prosaica e que definem exactamente um carácter. Há quem tenha sido substituído num governo por...incompetência? Há?! Então...

Se tal encolher de ombros democrático, se fizer em nome de uma estabilidade de um governo cuja substituição acarreta despesas e resultados incertos para a politiquice e a desestabilização da vida pessoal de quem se acomodou, ainda se compreende menos, porque os valores sacrificados nem sequer se comparam. Nem sequer colhe o argumento da imagem pública internacional. Essa, já se estragou há muito e ainda se estraga mais. Imagine-se o que não se diz por essas chancelarias!

Trocar valores e princípios que deviam ser sólidos, por conveniências de circunstância, parece ser o nosso destino fatal, com estes políticos de pacotilha que andamos a escolher há trinta anos. Não dão exemplo algum de correcção democrática, quando tal se lhes exige, como agora; não cumprem os valores que dizem defender em certas alturas e estão sempre prontos para contemporizar e negar os mesmos valores quando as circunstâncias colocam em risco os lugares que ocupam e interesses particulares que defendem.

São, nesse aspecto, todos iguais e as pessoas em geral, já perceberam isso há muito tempo. Alguns não querem parecer, mas são-no. Outros, não o sendo, aparentam muito bem. Resta saber em nome exactamente de quê e de quem.

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