O «bluff» de Barroso

29-02-2008
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O «bluff» de Barroso

«A firmeza só é um trunfo em política enquanto for mantida. E o sinal que Barroso deu ao Parlamento foi o de que a sua firmeza é um 'bluff'.»

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ANTÓNIO Vitorino, uma voz insuspeita para avaliar o braço-de-ferro entre Durão Barroso e o Parlamento Europeu, explicava há dias na TSF que os direitos fundamentais dos cidadãos europeus estão defendidos nos tratados e nas leis. E que a opinião pessoal de um Buttiglione sobre a homossexualidade e o papel das mulheres na sociedade não põe em causa tais direitos, mesmo que esse Buttiglione seja comissário.

A Comissão Europeia é um órgão colectivo que responde colectivamente perante o Parlamento - não um naipe de tiranetes com poder absoluto nas áreas que tutelam. Para tornar tudo ainda mais claro, Barroso atribuiu a um grupo de comissários a última palavra sobre matérias em que estivessem em causa os tais direitos. E, por fim, ainda se responsabilizou, pessoal e politicamente, pela sua observância estrita em toda a actividade da nova Comissão.

O presidente-eleito cedeu, portanto - e cedeu bastante - à pressão dos parlamentares agastados com as opiniões do italiano que considera a homossexualidade «um pecado» e entende que «a família existe para permitir à mulher ter filhos e ser protegida por um homem». Esta opinião é esdrúxula e retrógrada, mas não é mais do que uma opinião. Que o Parlamento Europeu decrete que há opiniões proibidas e inviabilize, por causa delas, uma equipa de comissários é preocupante. Sobretudo por ser claríssimo para todos que nenhum eurodeputado socialista, liberal ou mesmo popular levantaria um dedo para «proibir» a um Buttiglione de esquerda as opiniões «fracturantes» tão caras aos Blocos europeus - sobre o aborto, sobre a adopção de crianças por casais homossexuais e toda a panóplia de reivindicações nessas áreas.

Dito isto, é preciso acrescentar que o resultado do braço-de-ferro se traduziu num fiasco para Barroso. Se o que estava em causa era uma questão de princípio, o caminho era seguir até ao fim, arriscando o chumbo previsível e confrontando o Parlamento com as suas próprias responsabilidades. Se a ideia era ceder o que fosse preciso para viabilizar a sua equipa, então devia tê-lo feito antes de ficar encostado à parede. Poupava-se o desconforto de um discurso acabrunhante sobre a vitalidade das instituições europeias, recebido com palmas e risos trocistas.

A firmeza só é um trunfo em política enquanto for mantida. E o sinal que Barroso deu ao Parlamento foi o de que a sua firmeza é um «bluff». Provavelmente, quando voltar a Estrasburgo, já sem Buttiglione, muitos deputados vão voltar a sorrir.

fmadrinha@mail.expresso.pt

O «bluff» de Barroso

«A firmeza só é um trunfo em política enquanto for mantida. E o sinal que Barroso deu ao Parlamento foi o de que a sua firmeza é um 'bluff'.»

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ANTÓNIO Vitorino, uma voz insuspeita para avaliar o braço-de-ferro entre Durão Barroso e o Parlamento Europeu, explicava há dias na TSF que os direitos fundamentais dos cidadãos europeus estão defendidos nos tratados e nas leis. E que a opinião pessoal de um Buttiglione sobre a homossexualidade e o papel das mulheres na sociedade não põe em causa tais direitos, mesmo que esse Buttiglione seja comissário.

A Comissão Europeia é um órgão colectivo que responde colectivamente perante o Parlamento - não um naipe de tiranetes com poder absoluto nas áreas que tutelam. Para tornar tudo ainda mais claro, Barroso atribuiu a um grupo de comissários a última palavra sobre matérias em que estivessem em causa os tais direitos. E, por fim, ainda se responsabilizou, pessoal e politicamente, pela sua observância estrita em toda a actividade da nova Comissão.

O presidente-eleito cedeu, portanto - e cedeu bastante - à pressão dos parlamentares agastados com as opiniões do italiano que considera a homossexualidade «um pecado» e entende que «a família existe para permitir à mulher ter filhos e ser protegida por um homem». Esta opinião é esdrúxula e retrógrada, mas não é mais do que uma opinião. Que o Parlamento Europeu decrete que há opiniões proibidas e inviabilize, por causa delas, uma equipa de comissários é preocupante. Sobretudo por ser claríssimo para todos que nenhum eurodeputado socialista, liberal ou mesmo popular levantaria um dedo para «proibir» a um Buttiglione de esquerda as opiniões «fracturantes» tão caras aos Blocos europeus - sobre o aborto, sobre a adopção de crianças por casais homossexuais e toda a panóplia de reivindicações nessas áreas.

Dito isto, é preciso acrescentar que o resultado do braço-de-ferro se traduziu num fiasco para Barroso. Se o que estava em causa era uma questão de princípio, o caminho era seguir até ao fim, arriscando o chumbo previsível e confrontando o Parlamento com as suas próprias responsabilidades. Se a ideia era ceder o que fosse preciso para viabilizar a sua equipa, então devia tê-lo feito antes de ficar encostado à parede. Poupava-se o desconforto de um discurso acabrunhante sobre a vitalidade das instituições europeias, recebido com palmas e risos trocistas.

A firmeza só é um trunfo em política enquanto for mantida. E o sinal que Barroso deu ao Parlamento foi o de que a sua firmeza é um «bluff». Provavelmente, quando voltar a Estrasburgo, já sem Buttiglione, muitos deputados vão voltar a sorrir.

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