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21-06-2005
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Z3. DENÚNCIAS/QUEIXAS l. Foram apresentadas directamente ao longo da realização da Sindicância: - 12 queixas por telefone

- 4 queixas escritas Foram encaminhadas para este gabinete 34 participações vindas de outros serviços. No total, foram dirigidas 5 participações anónimas. A maioria das denúncias reporta-se a situações particulares envolvendo a JAE no âmbito de processos de: Expropriações

Construção 2. Relativamente à queixa sobre a realização das obras do Autódromo do Estoril, apurou-se que sobre tais factos e na sequência do inquérito realizado pela IGOPT a Procuradoria Geral da República determinara a abertura de inquérito contra: - Eng° José Luís Catela Rangel de Lima.

- Arqtº António José Marques Vieira Santa Rita

- Eng° António Manuel Rodrigues Marques; não se justificando assim, qualquer acção inspectiva por parte desta Sindicância. 3. Relativamente à queixa anónima apresentada contra o Dr. Duarte Lima por eventual envolvimento na prática de actos de corrupção foi transmitida à P.G.R. cópia do respectivo conteúdo tendo-nos sido remetida certidão do despacho final proferido no âmbito do processo crime movido contra aquele onde haviam sido já ponderadas as imputações formuladas. Não se procedeu, por esse motivo, a qualquer investigação complementar por se considerar que a natureza jurídica de tais factos extravasava o âmbito desta Sindicância cuja natureza é exclusivamente administrativa. 4. Todos quantos apresentaram queixas pessoalmente e se disponibilizaram a prestar declarações foram inquiridos, procurando dar-se encaminhamento às situações expostas e indagar da veracidade das imputações formuladas. Z 4) - APRECIAÇÃO GLOBAL 1. A "radiografia" aos Serviços da JAE permitiu visualizar uma complexa e interminável rede de patamares decisórios a nível vertical e horizontal com entrecruzamento de competências funcionais nalguns casos concorrentes, em que cada Direcção de Serviços vai por vezes rivalizando entre si, gerando espaços de actuação singulares sem, aparentemente, existir qualquer coordenação central. Neste contexto, não foi difícil percepcionar que o sector da construção com a injecção de dinheiros comunitários e o relançamento do P.R.N. foi ganhando hegemonia dentro da JAE assumindo, indubitavelmente, uma importância crescente a partir dos anos de 1988/89. De tal forma que as sucessivas reformas se foram fazendo sempre à custa da subalternização dos outros sectores e, nomeadamente, da conservação. É neste plano, que deverão ser entendidas como já referimos, a criação das Direcções de Fiscalização (que originaram as Direcções de Exploração) e a implementação da figura dos "Coordenadores de Empreendimentos". É ainda neste quadro que deverá encarar-se de algum modo o surgimento da JAE-SA. 2. A ausência de reestruturação interna da Junta e as suas inter-faces com o poder político por um lado e com o mundo empresarial por outro, tornaram-na permeável a pressões e interesses por vezes contraditórios que gradualmente, à medida que o investimento público crescia, a fragilizaram organicamente evidenciando-se hoje a necessidade de uma ampla reforma. Neste contexto, marcado pelo desejo de implementação de reformas orgânicas e pelo aparente défice de actuação da Tutela ao longo do tempo, foram-se sedimentando, internamente, "centros do poder" polarizadores de interesses particulares convergentes que influenciaram decisivamente a evolução da Junta nos últimos anos. Ao nível do sector da construção foi assim possível detectar neste período um grupo homogéneo de pessoas com interesses endógenos e exógenos à JAE que merece destaque. Este conjunto de elementos é constituído pelos: - Engº José Maria da Cunha Donas Botto - Eng° Joaquim José Rocio Mendes - Engº José Manuel Cabanas Nunes Pantaleão - Eng° António Manuel Leitão Belo Salgueiro - Eng° António Carlos Esteves Soares - Eng° Manuel Jerónimo dos Santos Mata Prates - Eng° João Manuel Ribeiro de Almeida, tendo todos o apoio tutelar do ex-Presidente Eng° Rangel de Lima. Não sendo objecto desta Sindicância a análise personalizada das suas condutas, não deixará, todavia, de se avaliar o entrecruzamento de interesses comuns que todos manifestaram e assumiram-se nas suas declarações e as suas repercussões funcionais sem que, com isso, se pretenda atribuir qualquer efeito estigmatizante. Internamente dir-se-á que todos estes elementos foram oriundos do sector da construção. Todos eles ascenderam, com o apoio do Presidente Rangel de Lima e todos passaram a controlar organicamente a JAE, porque ocupando e mantendo-se em lugares decisivos, seja como Vice-Presidente da área de construção, Directores de Serviços, Directores de Exploração ou como Coordenadores de Empreendimentos. Também todos eles, externamente, se mantiveram ligados a interesses empresariais privados comuns: - Constituíndo inicialmente a "Projope" de que eram sócios gerentes.1 - Promovendo a constituição da "Provia" e mantendo-se ligados a esta empresa, embora resguardando-se de eventuais incompatibilidades.2 - Participando, em conjunto, em projectos empresariais em Angola e Moçambique.3 - Colaborando em número indeterminado de empresas adjudicatárias da JAE.4 - Mantendo a coesão inicial, mesmo depois de alguns dos seus elementos terem cessado funções dentro da Junta (veja-se o ingresso de alguns na Aporbet, Centro Rodoviário; Luso Scuts onde a proeminência do Eng° Rangel de Lima pela mão de quem todos ascenderam na JAE, se mantém). Tal não significa, como sobressai também das declarações prestadas por todos eles, que a coesão entre tais elementos se tivesse mantido, levando mesmo ao afastamento gradual de alguns que, por razões políticas, se posicionaram em cenários diversos.5 Certo é porém que a projecção assumida interna e externamente por estes elementos não é alheia aos impulsos e apoios políticos que foram recolhendo ao longo dos tempos. Este grupo surge inicialmente, como referimos, associado à "Projope", de quem eram todos sócios gerentes, e depois à "Provia", empresa a que se mantêm associados com objectivos empresariais nacionais e internacionais, procurando, através de conhecimentos políticos directos, nomeadamente com o Ministro dos Transportes de Moçambique e de Angola, encetar uma política de penetração africana no plano rodoviário chegando mesmo a constituir em Angola, o Instituto Nacional de Estradas (I.N.E.A.).3 Mas, vejamos como surge a empresa Provia. Esta empresa foi criada como declaram todos os elementos anteriormente identificados, por sugestão do Ministro das Obras Públicas do VIII Governo Constitucional, Arquitecto Rosado Correia, para concorrerem ao projecto Celorico de Basto - Arco de Baúlhe (Via do Tâmega). 1 cfr. decl. Eng. Rangel de Lima 2 cfr. decl. Eng. Donas Botto 3 cfr. decl. Eng. Nunes Pantaleão 4 cfr. fluxogramas e diagramas 5 cfr. decl. Eng. Rocio Mendes - O Eng. Rocio Mendes embora tivesse declarado ter-se afastado da empresa Provia, contradiz-se nas suas declarações ao admitir ter feito uso em 1996 da viatura daquela empresa da marca Volvo 850, matrícula 30-44-BX O Eng° Rocio Mendes a este propósito afirmou que: "A Provia surge porque os seus constituintes assim o entendem na previsão do mercado de obras que se adivinhava. Na altura em que o declarante era assessor do Ministro Arquitecto Rosado Correia tomou conhecimento de que este pretendia encerrar o ramal Amarante - Celorico de Basto - Arco do Baúlhe. Daí resultava a necessidade da Câmara Municipal de Celorico de Basto promover a execução de um projecto de uma variante rodoviária naquele itinerário. O Presidente da autarquia solicitou ao declarante que lhe encontrasse uma empresa de projectos na área de Lisboa para o efeito. Assim, o declarante apresentou o Eng° Bentubo de Guimarães ao Presidente da autarquia tendo como consequência desse facto aparecido a empresa PROVIA. Admite assim que a empresa PROVIA foi constituída com o fim primeiro e imediato de beneficiar de tal adjudicação. O Presidente de Celorico de Basto era amigo pessoal do Ministro Arquitecto Rosado Correia". "Admite que tenha sido o ministro de então a contactar directamente e pessoalmente o Presidente da Câmara de Celorico de Basto pedindo-lhe para que a adjudicação de tal projecto fosse feito à empresa PROVIA". O Eng° José Manuel Cabanas Nunes Pantaleão declarou que "A empresa Provia surge associada à elaboração do projecto Celorico de Basto - Arco do Baúlhe, projecto este elaborado para a Câmara Municipal de Celorico de Basto. Foi o então Ministro das Obras Públicas e Transportes Arquitecto Rosado Correia quem falou directamente com o Presidente da Câmara de Celorico de Basto dizendo-lhe que a elaboração de tal projecto deveria ser adjudicado à empresa Provia. Este facto foi-lhe transmitido directamente pelo Presidente da Câmara". Também o Eng° João Manuel Ribeiro de Almeida sobre este assunto esclareceu: "Sabe que a adjudicação daquele projecto foi feito por ajuste directo pelo Presidente da Câmara de Celorico de Basto admitindo que tenha sido o Eng° Rocio Mendes que tenha anunciado essa adjudicação e que tenha impulsionado a Provia". O Eng° Donas Botto afirmou por seu turno: "A PROVIA é constituída tendo como finalidade imediata concorrer ao projecto via do Tâmega entre Amarante e Celorico de Basto. Este projecto fora anunciado pelo ministro das obras públicas do governo do bloco central do então Arqtº Rosado Correia. A Provia destinava-se a ser uma empresa que, no futuro, trabalharia para a JAE embora não exclusivamente, razão pela qual aqueles elementos nunca quiseram ser sócios da mesma". Estas declarações e os factos que posteriormente ocorreram permitem realçar: - O impulso político originariamente dado para a criação de gabinetes de projectos e que perdurou ao longo dos anos com reflexos internos. - Promiscuidade funcional entre elementos da JAE e gabinetes de projectistas que ocorre a partir do momento em que o estímulo para a criação de gabinetes é dado pela própria tutela. - Aumento desenfreado do número de projectos adjudicados, a partir daquele período, a gabinetes de projectistas, que começaram a proliferar, obrigando a JAE a guardar em carteira muitos deles. Esta situação originou em momento ulterior que: - Quando algumas das obras foram posteriormente lançadas muitos dos projectos mostravam-se desactualizados, originando a necessidade da sua reformulação e adjudicação de novos, com custos acrescidos para o Estado e ganhos substanciais para os gabinetes de projectistas. - O lançamento de obras com estudos desactualizados originou ainda custos acrescidos nas consequentes empreitadas de obras. Sem que se pretenda imputar à constituição da Provia o "pecado original" dos problemas subsistentes na JAE, bem como a proliferação de gabinetes, o certo é que terá sido a partir do apoio político envolvente aos gabinetes de projectos, e que neste caso concreto foi possível evidenciar com a prova recolhida, que as disfunções internas, começaram a ocorrer, se mantiveram e alargaram. O grupo a que nos vimos referindo não se limitou porém a manter-se associado à Provia dando a sua colaboração a um número incomensurável de gabinetes de projectos como resulta da análise dos fluxogramas e diagramas juntos, alargando o seu espaço e mantendo a sua influência interna e externa, tornando-se num interlocutor imprescindível. Sem desvalorizar a qualidade técnica que todos os elementos referidos seguramente possuem, não deixa de provocar estranheza, a quem procura indagar da natureza substantiva dos problemas que a reestruturação da JAE e a criação da JAE/SA, mais do que um plano prévio e estruturalmente sedimentado pela Tutela tenha surgido como um impulso individual de alguns destes elementos6. Se no plano da organização funcional foi possível tipificar algumas perversidades originadas com a criação de "centros de poder interno", como o que resultou da constituição do referido grupo, não se deixará de realçar também as anomalias resultantes da concentração exagerada de poder individual. Concentrar, numa só pessoa, como hoje ocorre com o Vice-Presidente, Eng° Carlos Leitão, os actos decisórios essenciais à vivência da JAE, - Controle do G.P.P.; - Controle do PIDDAC; - Controle da D.S.A.; - Controle do Serviço de Relações Públicas; - Controle da Direcção de Serviços Regionais de Estradas; - Aprovação e Adjudicação de Projectos; 6 cfr. declarações Eng. Donas Botto e, declarações Eng. António Manuel Belo Salgueiro - Aprovação de Protocolos Camarários; - Atribuição e Gestão do factor de ponderabilidade; - Aprovação das propostas de alteração orçamental; - Aquisição de material informático; é, numa óptica de gestão de um organismo público em geral, e em concreto um organismo público como a JAE, abrir o caminho às desregulações funcionais e estimular a desresponsabilização hierárquica e individual com inerentes prejuízos para a transparência, objectividade e eficácia da gestão de dinheiros públicos e a organização interna dos Serviços. A subsistência de tais "centros de poder" não é compaginável com reformas estruturais que se pretendam efectuar nesta área. PROPOSTAS DE ENCAMINHAMENTO 1. Prestaram declarações no âmbito desta Sindicância os: - Dr. Emílio Augusto Simão Ricon Peres; e - Eng° José Lopes Leitão 2. O primeiro, Dr. Ricon Peres, exerceu funções como chefe de gabinete do Ministro Rosado Correia no VIII governo constitucional. Desempenhou funções de consultor para a empresa Pavitraço até 1994 a convite do Eng° Rocio Mendes e manteve uma colaboração ocasional com a empresa Provia estando ainda associado à criação da empresa Épico. Referiu nas suas declarações que os Engenheiros; - João Manuel Ribeiro de Almeida - José Manuel Cabanas Nunes Pantaleão - António Manuel Leitão Belo Salgueiro - Manuel Jerónimo dos Santos Mata Prates - António Carlos Esteves Soares - Joaquim José Rocio Pereira Mendes - José Maria da Cunha Donas Botto; "beneficiam grandemente não só de ofertas em géneros como também em viagens, comentando-se que muitos deles se deslocam em férias a uma estância brasileira sita em Porto Galinhas. Todos eles aparentam levar uma vida muito superior às suas posses, situação que ainda se mantém". Esclareceu ainda que a firma "ÉPICO" "foi constituída por ele a pedido do Eng° Rocio Mendes com a finalidade de serem elaborados projectos para a empresa "Provia" uma vez que aquela firma passaria a trabalhar como sub-empreiteira desta". Tais factos, a confirmarem-se, indiciam não só matéria criminal como disciplinar contra todos aqueles elementos. Relativamente a esta parte, foram já remetidas à P.G.R. certidões das declarações do Dr. Emilio Augusto Simão Ricon Peres para investigação criminal autónoma, propondo-se porém, o competente procedimento disciplinar para apuramento de responsabilidades funcionais quanto àqueles elementos. 3. Por seu turno, o Eng° José Lopes Leitão, declarou que: " É do seu conhecimento que há engenheiros da JAE que trabalham para o grupo Edifer e que inclusivamente um ex-ministro das Obras Públicas o Eng° Viana Baptista pertence a tal grupo. Ouviu dizer a vários empreiteiros que, por exemplo, o Eng° Eugénio Nobre (ex-Secretário de Estado das Obras Públicas) exigiu, por várias vezes, financiamentos para o seu partido político de então (PSD). Ouviu também dizer que parte do dinheiro que era entregue àquele elemento com aquele propósito não chegava ao destinatário. Este evento chegou a ser-lhe relatado pelo empresário Manuel Pedroso, primitivo dono da empresa Bento Pedroso. Na altura foi-lhe dito que só conseguiriam obter as adjudicações das obras caso procedessem a tais contributos". E acrescentou, "é comum falar-se também que as grandes empresas Teixeira Duarte; Mota & Companhia; Engil e Somague, devem o seu crescimento económico à roda de uma teia de favores pessoais e corrupção desenvolvida ao mais alto nível podendo ir desde quadros técnicos intermédios e superiores a ex-ministros e ex-secretários de estado incluindo o LNEC". Porque tais factos, a confirmarem-se, revestem também natureza criminal, escapando assim a sua investigação ao âmbito desta sindicância, foram também remetidas à P.G.R. certidões de tais declarações para investigação autónoma.

Z3. DENÚNCIAS/QUEIXAS l. Foram apresentadas directamente ao longo da realização da Sindicância: - 12 queixas por telefone

- 4 queixas escritas Foram encaminhadas para este gabinete 34 participações vindas de outros serviços. No total, foram dirigidas 5 participações anónimas. A maioria das denúncias reporta-se a situações particulares envolvendo a JAE no âmbito de processos de: Expropriações

Construção 2. Relativamente à queixa sobre a realização das obras do Autódromo do Estoril, apurou-se que sobre tais factos e na sequência do inquérito realizado pela IGOPT a Procuradoria Geral da República determinara a abertura de inquérito contra: - Eng° José Luís Catela Rangel de Lima.

- Arqtº António José Marques Vieira Santa Rita

- Eng° António Manuel Rodrigues Marques; não se justificando assim, qualquer acção inspectiva por parte desta Sindicância. 3. Relativamente à queixa anónima apresentada contra o Dr. Duarte Lima por eventual envolvimento na prática de actos de corrupção foi transmitida à P.G.R. cópia do respectivo conteúdo tendo-nos sido remetida certidão do despacho final proferido no âmbito do processo crime movido contra aquele onde haviam sido já ponderadas as imputações formuladas. Não se procedeu, por esse motivo, a qualquer investigação complementar por se considerar que a natureza jurídica de tais factos extravasava o âmbito desta Sindicância cuja natureza é exclusivamente administrativa. 4. Todos quantos apresentaram queixas pessoalmente e se disponibilizaram a prestar declarações foram inquiridos, procurando dar-se encaminhamento às situações expostas e indagar da veracidade das imputações formuladas. Z 4) - APRECIAÇÃO GLOBAL 1. A "radiografia" aos Serviços da JAE permitiu visualizar uma complexa e interminável rede de patamares decisórios a nível vertical e horizontal com entrecruzamento de competências funcionais nalguns casos concorrentes, em que cada Direcção de Serviços vai por vezes rivalizando entre si, gerando espaços de actuação singulares sem, aparentemente, existir qualquer coordenação central. Neste contexto, não foi difícil percepcionar que o sector da construção com a injecção de dinheiros comunitários e o relançamento do P.R.N. foi ganhando hegemonia dentro da JAE assumindo, indubitavelmente, uma importância crescente a partir dos anos de 1988/89. De tal forma que as sucessivas reformas se foram fazendo sempre à custa da subalternização dos outros sectores e, nomeadamente, da conservação. É neste plano, que deverão ser entendidas como já referimos, a criação das Direcções de Fiscalização (que originaram as Direcções de Exploração) e a implementação da figura dos "Coordenadores de Empreendimentos". É ainda neste quadro que deverá encarar-se de algum modo o surgimento da JAE-SA. 2. A ausência de reestruturação interna da Junta e as suas inter-faces com o poder político por um lado e com o mundo empresarial por outro, tornaram-na permeável a pressões e interesses por vezes contraditórios que gradualmente, à medida que o investimento público crescia, a fragilizaram organicamente evidenciando-se hoje a necessidade de uma ampla reforma. Neste contexto, marcado pelo desejo de implementação de reformas orgânicas e pelo aparente défice de actuação da Tutela ao longo do tempo, foram-se sedimentando, internamente, "centros do poder" polarizadores de interesses particulares convergentes que influenciaram decisivamente a evolução da Junta nos últimos anos. Ao nível do sector da construção foi assim possível detectar neste período um grupo homogéneo de pessoas com interesses endógenos e exógenos à JAE que merece destaque. Este conjunto de elementos é constituído pelos: - Engº José Maria da Cunha Donas Botto - Eng° Joaquim José Rocio Mendes - Engº José Manuel Cabanas Nunes Pantaleão - Eng° António Manuel Leitão Belo Salgueiro - Eng° António Carlos Esteves Soares - Eng° Manuel Jerónimo dos Santos Mata Prates - Eng° João Manuel Ribeiro de Almeida, tendo todos o apoio tutelar do ex-Presidente Eng° Rangel de Lima. Não sendo objecto desta Sindicância a análise personalizada das suas condutas, não deixará, todavia, de se avaliar o entrecruzamento de interesses comuns que todos manifestaram e assumiram-se nas suas declarações e as suas repercussões funcionais sem que, com isso, se pretenda atribuir qualquer efeito estigmatizante. Internamente dir-se-á que todos estes elementos foram oriundos do sector da construção. Todos eles ascenderam, com o apoio do Presidente Rangel de Lima e todos passaram a controlar organicamente a JAE, porque ocupando e mantendo-se em lugares decisivos, seja como Vice-Presidente da área de construção, Directores de Serviços, Directores de Exploração ou como Coordenadores de Empreendimentos. Também todos eles, externamente, se mantiveram ligados a interesses empresariais privados comuns: - Constituíndo inicialmente a "Projope" de que eram sócios gerentes.1 - Promovendo a constituição da "Provia" e mantendo-se ligados a esta empresa, embora resguardando-se de eventuais incompatibilidades.2 - Participando, em conjunto, em projectos empresariais em Angola e Moçambique.3 - Colaborando em número indeterminado de empresas adjudicatárias da JAE.4 - Mantendo a coesão inicial, mesmo depois de alguns dos seus elementos terem cessado funções dentro da Junta (veja-se o ingresso de alguns na Aporbet, Centro Rodoviário; Luso Scuts onde a proeminência do Eng° Rangel de Lima pela mão de quem todos ascenderam na JAE, se mantém). Tal não significa, como sobressai também das declarações prestadas por todos eles, que a coesão entre tais elementos se tivesse mantido, levando mesmo ao afastamento gradual de alguns que, por razões políticas, se posicionaram em cenários diversos.5 Certo é porém que a projecção assumida interna e externamente por estes elementos não é alheia aos impulsos e apoios políticos que foram recolhendo ao longo dos tempos. Este grupo surge inicialmente, como referimos, associado à "Projope", de quem eram todos sócios gerentes, e depois à "Provia", empresa a que se mantêm associados com objectivos empresariais nacionais e internacionais, procurando, através de conhecimentos políticos directos, nomeadamente com o Ministro dos Transportes de Moçambique e de Angola, encetar uma política de penetração africana no plano rodoviário chegando mesmo a constituir em Angola, o Instituto Nacional de Estradas (I.N.E.A.).3 Mas, vejamos como surge a empresa Provia. Esta empresa foi criada como declaram todos os elementos anteriormente identificados, por sugestão do Ministro das Obras Públicas do VIII Governo Constitucional, Arquitecto Rosado Correia, para concorrerem ao projecto Celorico de Basto - Arco de Baúlhe (Via do Tâmega). 1 cfr. decl. Eng. Rangel de Lima 2 cfr. decl. Eng. Donas Botto 3 cfr. decl. Eng. Nunes Pantaleão 4 cfr. fluxogramas e diagramas 5 cfr. decl. Eng. Rocio Mendes - O Eng. Rocio Mendes embora tivesse declarado ter-se afastado da empresa Provia, contradiz-se nas suas declarações ao admitir ter feito uso em 1996 da viatura daquela empresa da marca Volvo 850, matrícula 30-44-BX O Eng° Rocio Mendes a este propósito afirmou que: "A Provia surge porque os seus constituintes assim o entendem na previsão do mercado de obras que se adivinhava. Na altura em que o declarante era assessor do Ministro Arquitecto Rosado Correia tomou conhecimento de que este pretendia encerrar o ramal Amarante - Celorico de Basto - Arco do Baúlhe. Daí resultava a necessidade da Câmara Municipal de Celorico de Basto promover a execução de um projecto de uma variante rodoviária naquele itinerário. O Presidente da autarquia solicitou ao declarante que lhe encontrasse uma empresa de projectos na área de Lisboa para o efeito. Assim, o declarante apresentou o Eng° Bentubo de Guimarães ao Presidente da autarquia tendo como consequência desse facto aparecido a empresa PROVIA. Admite assim que a empresa PROVIA foi constituída com o fim primeiro e imediato de beneficiar de tal adjudicação. O Presidente de Celorico de Basto era amigo pessoal do Ministro Arquitecto Rosado Correia". "Admite que tenha sido o ministro de então a contactar directamente e pessoalmente o Presidente da Câmara de Celorico de Basto pedindo-lhe para que a adjudicação de tal projecto fosse feito à empresa PROVIA". O Eng° José Manuel Cabanas Nunes Pantaleão declarou que "A empresa Provia surge associada à elaboração do projecto Celorico de Basto - Arco do Baúlhe, projecto este elaborado para a Câmara Municipal de Celorico de Basto. Foi o então Ministro das Obras Públicas e Transportes Arquitecto Rosado Correia quem falou directamente com o Presidente da Câmara de Celorico de Basto dizendo-lhe que a elaboração de tal projecto deveria ser adjudicado à empresa Provia. Este facto foi-lhe transmitido directamente pelo Presidente da Câmara". Também o Eng° João Manuel Ribeiro de Almeida sobre este assunto esclareceu: "Sabe que a adjudicação daquele projecto foi feito por ajuste directo pelo Presidente da Câmara de Celorico de Basto admitindo que tenha sido o Eng° Rocio Mendes que tenha anunciado essa adjudicação e que tenha impulsionado a Provia". O Eng° Donas Botto afirmou por seu turno: "A PROVIA é constituída tendo como finalidade imediata concorrer ao projecto via do Tâmega entre Amarante e Celorico de Basto. Este projecto fora anunciado pelo ministro das obras públicas do governo do bloco central do então Arqtº Rosado Correia. A Provia destinava-se a ser uma empresa que, no futuro, trabalharia para a JAE embora não exclusivamente, razão pela qual aqueles elementos nunca quiseram ser sócios da mesma". Estas declarações e os factos que posteriormente ocorreram permitem realçar: - O impulso político originariamente dado para a criação de gabinetes de projectos e que perdurou ao longo dos anos com reflexos internos. - Promiscuidade funcional entre elementos da JAE e gabinetes de projectistas que ocorre a partir do momento em que o estímulo para a criação de gabinetes é dado pela própria tutela. - Aumento desenfreado do número de projectos adjudicados, a partir daquele período, a gabinetes de projectistas, que começaram a proliferar, obrigando a JAE a guardar em carteira muitos deles. Esta situação originou em momento ulterior que: - Quando algumas das obras foram posteriormente lançadas muitos dos projectos mostravam-se desactualizados, originando a necessidade da sua reformulação e adjudicação de novos, com custos acrescidos para o Estado e ganhos substanciais para os gabinetes de projectistas. - O lançamento de obras com estudos desactualizados originou ainda custos acrescidos nas consequentes empreitadas de obras. Sem que se pretenda imputar à constituição da Provia o "pecado original" dos problemas subsistentes na JAE, bem como a proliferação de gabinetes, o certo é que terá sido a partir do apoio político envolvente aos gabinetes de projectos, e que neste caso concreto foi possível evidenciar com a prova recolhida, que as disfunções internas, começaram a ocorrer, se mantiveram e alargaram. O grupo a que nos vimos referindo não se limitou porém a manter-se associado à Provia dando a sua colaboração a um número incomensurável de gabinetes de projectos como resulta da análise dos fluxogramas e diagramas juntos, alargando o seu espaço e mantendo a sua influência interna e externa, tornando-se num interlocutor imprescindível. Sem desvalorizar a qualidade técnica que todos os elementos referidos seguramente possuem, não deixa de provocar estranheza, a quem procura indagar da natureza substantiva dos problemas que a reestruturação da JAE e a criação da JAE/SA, mais do que um plano prévio e estruturalmente sedimentado pela Tutela tenha surgido como um impulso individual de alguns destes elementos6. Se no plano da organização funcional foi possível tipificar algumas perversidades originadas com a criação de "centros de poder interno", como o que resultou da constituição do referido grupo, não se deixará de realçar também as anomalias resultantes da concentração exagerada de poder individual. Concentrar, numa só pessoa, como hoje ocorre com o Vice-Presidente, Eng° Carlos Leitão, os actos decisórios essenciais à vivência da JAE, - Controle do G.P.P.; - Controle do PIDDAC; - Controle da D.S.A.; - Controle do Serviço de Relações Públicas; - Controle da Direcção de Serviços Regionais de Estradas; - Aprovação e Adjudicação de Projectos; 6 cfr. declarações Eng. Donas Botto e, declarações Eng. António Manuel Belo Salgueiro - Aprovação de Protocolos Camarários; - Atribuição e Gestão do factor de ponderabilidade; - Aprovação das propostas de alteração orçamental; - Aquisição de material informático; é, numa óptica de gestão de um organismo público em geral, e em concreto um organismo público como a JAE, abrir o caminho às desregulações funcionais e estimular a desresponsabilização hierárquica e individual com inerentes prejuízos para a transparência, objectividade e eficácia da gestão de dinheiros públicos e a organização interna dos Serviços. A subsistência de tais "centros de poder" não é compaginável com reformas estruturais que se pretendam efectuar nesta área. PROPOSTAS DE ENCAMINHAMENTO 1. Prestaram declarações no âmbito desta Sindicância os: - Dr. Emílio Augusto Simão Ricon Peres; e - Eng° José Lopes Leitão 2. O primeiro, Dr. Ricon Peres, exerceu funções como chefe de gabinete do Ministro Rosado Correia no VIII governo constitucional. Desempenhou funções de consultor para a empresa Pavitraço até 1994 a convite do Eng° Rocio Mendes e manteve uma colaboração ocasional com a empresa Provia estando ainda associado à criação da empresa Épico. Referiu nas suas declarações que os Engenheiros; - João Manuel Ribeiro de Almeida - José Manuel Cabanas Nunes Pantaleão - António Manuel Leitão Belo Salgueiro - Manuel Jerónimo dos Santos Mata Prates - António Carlos Esteves Soares - Joaquim José Rocio Pereira Mendes - José Maria da Cunha Donas Botto; "beneficiam grandemente não só de ofertas em géneros como também em viagens, comentando-se que muitos deles se deslocam em férias a uma estância brasileira sita em Porto Galinhas. Todos eles aparentam levar uma vida muito superior às suas posses, situação que ainda se mantém". Esclareceu ainda que a firma "ÉPICO" "foi constituída por ele a pedido do Eng° Rocio Mendes com a finalidade de serem elaborados projectos para a empresa "Provia" uma vez que aquela firma passaria a trabalhar como sub-empreiteira desta". Tais factos, a confirmarem-se, indiciam não só matéria criminal como disciplinar contra todos aqueles elementos. Relativamente a esta parte, foram já remetidas à P.G.R. certidões das declarações do Dr. Emilio Augusto Simão Ricon Peres para investigação criminal autónoma, propondo-se porém, o competente procedimento disciplinar para apuramento de responsabilidades funcionais quanto àqueles elementos. 3. Por seu turno, o Eng° José Lopes Leitão, declarou que: " É do seu conhecimento que há engenheiros da JAE que trabalham para o grupo Edifer e que inclusivamente um ex-ministro das Obras Públicas o Eng° Viana Baptista pertence a tal grupo. Ouviu dizer a vários empreiteiros que, por exemplo, o Eng° Eugénio Nobre (ex-Secretário de Estado das Obras Públicas) exigiu, por várias vezes, financiamentos para o seu partido político de então (PSD). Ouviu também dizer que parte do dinheiro que era entregue àquele elemento com aquele propósito não chegava ao destinatário. Este evento chegou a ser-lhe relatado pelo empresário Manuel Pedroso, primitivo dono da empresa Bento Pedroso. Na altura foi-lhe dito que só conseguiriam obter as adjudicações das obras caso procedessem a tais contributos". E acrescentou, "é comum falar-se também que as grandes empresas Teixeira Duarte; Mota & Companhia; Engil e Somague, devem o seu crescimento económico à roda de uma teia de favores pessoais e corrupção desenvolvida ao mais alto nível podendo ir desde quadros técnicos intermédios e superiores a ex-ministros e ex-secretários de estado incluindo o LNEC". Porque tais factos, a confirmarem-se, revestem também natureza criminal, escapando assim a sua investigação ao âmbito desta sindicância, foram também remetidas à P.G.R. certidões de tais declarações para investigação autónoma.

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