Enguia Fresca

18-07-2009
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Receita de mulherAs muito feias que me perdoemMas beleza é fundamental. É precisoQue haja qualquer coisa de flor em tudo issoQualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute coutureEm tudo isso (ou entãoQue a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).Não há meio-termo possível. É precisoQue tudo isso seja belo. É preciso que súbitoTenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rostoAdquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabrocheNo olhar dos homens. É preciso, é absolutamente precisoQue seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradasLembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braçosAlguma coisa além da carne: que se os toqueComo o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vosQue é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaroSeja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo eSeja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvemCom olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, entãoNem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma bocaFresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossosDespontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicasNo enlaçar de uma cintura semovente.Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteirasÉ como um rio sem pontes. IndispensávelQue haja uma hipótese de barriguinha, e em seguidaA mulher se alteia em cálice, e que seus seiosSejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barrocaE possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebalLevemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxasE que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugemNo entanto sensível à carícia em sentido contrário.É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprioApenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)Preferíveis sem dúvida os pescoços longosDe forma que a cabeça dê por vezes a impressãoDe nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembreFlores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticosDiscretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na faceMas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferiorA 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimadurasDo primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandesE de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; eQue se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixãoQue é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio altaOu, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se se fechar os olhosAo abri-los ela não mais estará presenteCom seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não váE que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beberO fel da dúvida. Oh, sobretudoQue ela não perca nunca, não importa em que mundoNão importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidadeDe pássaro; e que acariciada no fundo de si mesmaTransforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempreO impossível perfume; e destile sempreO embriagante mel; e cante sempre o inaudível cantoDa sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarinaDo efêmero; e em sua incalculável imperfeiçãoConstitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.


Receita de mulherAs muito feias que me perdoemMas beleza é fundamental. É precisoQue haja qualquer coisa de flor em tudo issoQualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute coutureEm tudo isso (ou entãoQue a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).Não há meio-termo possível. É precisoQue tudo isso seja belo. É preciso que súbitoTenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rostoAdquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabrocheNo olhar dos homens. É preciso, é absolutamente precisoQue seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradasLembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braçosAlguma coisa além da carne: que se os toqueComo o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vosQue é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaroSeja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo eSeja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvemCom olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, entãoNem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma bocaFresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossosDespontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicasNo enlaçar de uma cintura semovente.Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteirasÉ como um rio sem pontes. IndispensávelQue haja uma hipótese de barriguinha, e em seguidaA mulher se alteia em cálice, e que seus seiosSejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barrocaE possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebalLevemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxasE que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugemNo entanto sensível à carícia em sentido contrário.É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprioApenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)Preferíveis sem dúvida os pescoços longosDe forma que a cabeça dê por vezes a impressãoDe nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembreFlores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticosDiscretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na faceMas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferiorA 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimadurasDo primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandesE de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; eQue se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixãoQue é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio altaOu, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se se fechar os olhosAo abri-los ela não mais estará presenteCom seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não váE que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beberO fel da dúvida. Oh, sobretudoQue ela não perca nunca, não importa em que mundoNão importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidadeDe pássaro; e que acariciada no fundo de si mesmaTransforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempreO impossível perfume; e destile sempreO embriagante mel; e cante sempre o inaudível cantoDa sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarinaDo efêmero; e em sua incalculável imperfeiçãoConstitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

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