o bico-de-lacre e o tarrote: o namibe

03-07-2009
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O MAR E O DESERTO Foi no mar que aprendi o gosto da forma belaAo olhar sem fim o sucessivoInchar e desabar da vagaA bela curva luzidia do seu dorsoO longo espraiar das mãos de espumaSophia de Mello Breyner AndresenFoi No Mar Que Aprendi, “O Búzio de Cós e outros poemas”o namibeQuem desce a Chelae serpenteia a Leba de socalco em socalcotranspira luxúria e verde por ali a baixo em busca do mar.Para lá do Bero é Moçamedes e as hortas frescasviçosas, água a crescer na boca,sublimação onde as nuvens são escassa dádiva.Nasce a praia a estibordo.é bom espraiá-la constante ao canto do olho para evitar descaminhosque se mostrarão mortíferos de sede e insolação.Pintor marinho ou escultor surrealistasente-se o vento que nos fustiga o rosto com picos de areia perfurantes.apalpa-se a erosão no desgastar das rochas.Estranhos relevos.almofadas ondulantes de veludo ou esquinantes limas abrasivas,contramaré na monotonia da planura infinda queimada pelo sol sedento.A este não é premente fixá-lo olho a olho por perigo de cegueira,basta admirar as novas cores os vermelhos os laranjas e osdourados de aguarela nos morros calcinados pelo tempo.Pegue-se uma moldura em madeira pintada a ouroe coloque-se de encontro à paisagem:da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita, tanto faz,uma pincelada de ocre abarca os dois terços superiores do quadro.à direita baixa uma mancha vertical em azul-verde esmeralda.à esquerda, partindo de baixo, quatro barras horizontais evoluemdo vermelho ao amarelo-alaranjado.Assine-se: Namib 1975.O quadro deve ser colocado em parede ao fundo de corredor longo,estéril e nú mas bem iluminado.convidem-se os amigos entendidos na arte da vida.Condensação!Mas não conheço este pintor, é árabe, não?!Que linhas!A origem: útero,a forma: concisa,o som: enleante,e o plasma: água.Maravilha!”Sem consciência do momento o verde flora dilui-seem arbustos rasteiros e negros tocos ressequidos.e nasce uma seara de godos,crioclastia na areia cada vez mais solta.As welwitschias de folhas abertas como abraços, impávidase serenas acolhem os intrépidos viandantes,rainhas soberanas do tempo e do espaço.sibilinas e fleumáticas.À esquerda da paisagem duas avestruzes em louca correriafirmes no porte, voejantes no tremelicar das penas,rumam ao Iona onde a vida, ainda assim, é mais fácile verdejante.Aconselho-vos: façamos uma paragem, abarraquem-se as tendas e descansemos,enquanto ponho alguns pingos nos is.Ao longo da grande caminhada da evolução uma das espécies do reino animal,pomposamente auto-dita Homo sapiens , adquiriu o horrível hábito de atribuir a outras espécies os seus medos e defeitos.As avestruzes que acabámos de ver à esquerda da paisagem, Struthio camelus poralcunha científica, são aves das savanas e regiões semidesérticas que apresentamuma estrutura corporal singular:desfizeram-se da capacidade de voar numa altura em que não tinham predadores mas, em contraponto, o longo pescoço e as pernas compridas, desnudas e terminadas em cascos, tornaram-se essenciais para a sobrevivência.Já lhes não corre tão pacata a vida, como no antigamente, porque alguém achou graça às penas como ornato em chapéus da humana fêmea.Vai daí, toca de as caçar. E, vai daí, para as humanizar, nada melhor do que afirmar que, ao ter-se aflitas, as avestruzes enfiam a cabeça na areia. Coisa que ninguém alguma vez presenciou. Tomam o suposto pelo visto. E não chega a funcionar o cérebro, aquilo que, diz-se à tripa forra, os humanos possuem de superior na escala evolutiva.Não pode tomar tal atitude a avestruz. Sequer qualquer outro animal vivente. Isso seria negar a lei fundamental da sua herança genética: a sobrevivência.Mas a mentira pegou e é hoje tida como provérbio sempre que algum estúpido não sabe o que fazer da cabeça própria. Talvez enterrá-la. E vai daí.A verdade é que, em situações de perigo, a avestruz espalma o corpo contra o chão e estica o pescoço rente ao solo, tenta passar despercebida, mantém vigilante o olhar vivo e esquadrinha o horizonte em alerta contra o perigo. Não resultando esta estratégia emprega a corrida, uma vez que atinge com facilidade os 30 Km/hora mas pode, em casos de necessidade extrema, chegar aos 50 ou mesmo 70 Km/hora. E não se trata de fuga precipitada e tresloucada. Com as patas e por acção da berrida, vai lançando pedras contra os perseguidores. E pedras não lhe faltam como temos vindo a verificar de há uns bons quilómetros a esta parte.Além do mais a avestruz faz algo que o sapiens não consegue, mesmo que se esfole vivo: pode atrasar a postura ou nem chegar a fazê-la sequer, sem recurso a químicos anticoncepcionais, caso as condições do habitat não forneçam o mínimo necessário para alimentação das crias.Portanto, quanto a sapiência e a enterranços, estamos conversados.Adiante que o sol queima.Adivinham-se as formas do Curoca,com o leito mais arreico que imaginar se possa,também ele fonte de sede perene.e o Cabo Negroonde se plantou, memória da pedra,um padrãoclamando aos ventos e aos deusesvitória sobre os mostrengos.É urgente beber a desmesuraa espacialidade exaltando a luza ressonância dos silêncios,olhar o meridião e descobrirdois mares que se misturam em miragem:um de águade areia o outro,lazúli esmeraldae ocre dourado,o Atlântico e o Namibe.a realidade desliza pela areia escaldantee absorve-se a dimensão galáctica de espaço e infinito.o ângulo é rasoe não se fecha por mais caminho andado:persiste e esmaga o humano vulto como quem rasuraum escorço de vida fútil perseguindoa linha inatingível do horizonte.O Namibe é desolador, ao longe visto, mas belo como a naturezao sabe ser. Caminhemos e descubramos o que os Deuses ( as naturais,as humanas e as infusas ciências ) desenharam de mãos dadas.admário costa lindo

O MAR E O DESERTO Foi no mar que aprendi o gosto da forma belaAo olhar sem fim o sucessivoInchar e desabar da vagaA bela curva luzidia do seu dorsoO longo espraiar das mãos de espumaSophia de Mello Breyner AndresenFoi No Mar Que Aprendi, “O Búzio de Cós e outros poemas”o namibeQuem desce a Chelae serpenteia a Leba de socalco em socalcotranspira luxúria e verde por ali a baixo em busca do mar.Para lá do Bero é Moçamedes e as hortas frescasviçosas, água a crescer na boca,sublimação onde as nuvens são escassa dádiva.Nasce a praia a estibordo.é bom espraiá-la constante ao canto do olho para evitar descaminhosque se mostrarão mortíferos de sede e insolação.Pintor marinho ou escultor surrealistasente-se o vento que nos fustiga o rosto com picos de areia perfurantes.apalpa-se a erosão no desgastar das rochas.Estranhos relevos.almofadas ondulantes de veludo ou esquinantes limas abrasivas,contramaré na monotonia da planura infinda queimada pelo sol sedento.A este não é premente fixá-lo olho a olho por perigo de cegueira,basta admirar as novas cores os vermelhos os laranjas e osdourados de aguarela nos morros calcinados pelo tempo.Pegue-se uma moldura em madeira pintada a ouroe coloque-se de encontro à paisagem:da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita, tanto faz,uma pincelada de ocre abarca os dois terços superiores do quadro.à direita baixa uma mancha vertical em azul-verde esmeralda.à esquerda, partindo de baixo, quatro barras horizontais evoluemdo vermelho ao amarelo-alaranjado.Assine-se: Namib 1975.O quadro deve ser colocado em parede ao fundo de corredor longo,estéril e nú mas bem iluminado.convidem-se os amigos entendidos na arte da vida.Condensação!Mas não conheço este pintor, é árabe, não?!Que linhas!A origem: útero,a forma: concisa,o som: enleante,e o plasma: água.Maravilha!”Sem consciência do momento o verde flora dilui-seem arbustos rasteiros e negros tocos ressequidos.e nasce uma seara de godos,crioclastia na areia cada vez mais solta.As welwitschias de folhas abertas como abraços, impávidase serenas acolhem os intrépidos viandantes,rainhas soberanas do tempo e do espaço.sibilinas e fleumáticas.À esquerda da paisagem duas avestruzes em louca correriafirmes no porte, voejantes no tremelicar das penas,rumam ao Iona onde a vida, ainda assim, é mais fácile verdejante.Aconselho-vos: façamos uma paragem, abarraquem-se as tendas e descansemos,enquanto ponho alguns pingos nos is.Ao longo da grande caminhada da evolução uma das espécies do reino animal,pomposamente auto-dita Homo sapiens , adquiriu o horrível hábito de atribuir a outras espécies os seus medos e defeitos.As avestruzes que acabámos de ver à esquerda da paisagem, Struthio camelus poralcunha científica, são aves das savanas e regiões semidesérticas que apresentamuma estrutura corporal singular:desfizeram-se da capacidade de voar numa altura em que não tinham predadores mas, em contraponto, o longo pescoço e as pernas compridas, desnudas e terminadas em cascos, tornaram-se essenciais para a sobrevivência.Já lhes não corre tão pacata a vida, como no antigamente, porque alguém achou graça às penas como ornato em chapéus da humana fêmea.Vai daí, toca de as caçar. E, vai daí, para as humanizar, nada melhor do que afirmar que, ao ter-se aflitas, as avestruzes enfiam a cabeça na areia. Coisa que ninguém alguma vez presenciou. Tomam o suposto pelo visto. E não chega a funcionar o cérebro, aquilo que, diz-se à tripa forra, os humanos possuem de superior na escala evolutiva.Não pode tomar tal atitude a avestruz. Sequer qualquer outro animal vivente. Isso seria negar a lei fundamental da sua herança genética: a sobrevivência.Mas a mentira pegou e é hoje tida como provérbio sempre que algum estúpido não sabe o que fazer da cabeça própria. Talvez enterrá-la. E vai daí.A verdade é que, em situações de perigo, a avestruz espalma o corpo contra o chão e estica o pescoço rente ao solo, tenta passar despercebida, mantém vigilante o olhar vivo e esquadrinha o horizonte em alerta contra o perigo. Não resultando esta estratégia emprega a corrida, uma vez que atinge com facilidade os 30 Km/hora mas pode, em casos de necessidade extrema, chegar aos 50 ou mesmo 70 Km/hora. E não se trata de fuga precipitada e tresloucada. Com as patas e por acção da berrida, vai lançando pedras contra os perseguidores. E pedras não lhe faltam como temos vindo a verificar de há uns bons quilómetros a esta parte.Além do mais a avestruz faz algo que o sapiens não consegue, mesmo que se esfole vivo: pode atrasar a postura ou nem chegar a fazê-la sequer, sem recurso a químicos anticoncepcionais, caso as condições do habitat não forneçam o mínimo necessário para alimentação das crias.Portanto, quanto a sapiência e a enterranços, estamos conversados.Adiante que o sol queima.Adivinham-se as formas do Curoca,com o leito mais arreico que imaginar se possa,também ele fonte de sede perene.e o Cabo Negroonde se plantou, memória da pedra,um padrãoclamando aos ventos e aos deusesvitória sobre os mostrengos.É urgente beber a desmesuraa espacialidade exaltando a luza ressonância dos silêncios,olhar o meridião e descobrirdois mares que se misturam em miragem:um de águade areia o outro,lazúli esmeraldae ocre dourado,o Atlântico e o Namibe.a realidade desliza pela areia escaldantee absorve-se a dimensão galáctica de espaço e infinito.o ângulo é rasoe não se fecha por mais caminho andado:persiste e esmaga o humano vulto como quem rasuraum escorço de vida fútil perseguindoa linha inatingível do horizonte.O Namibe é desolador, ao longe visto, mas belo como a naturezao sabe ser. Caminhemos e descubramos o que os Deuses ( as naturais,as humanas e as infusas ciências ) desenharam de mãos dadas.admário costa lindo

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