O valor das ideias: Verdades e Mentiras sobre as Causas da Crise na Islândia

24-05-2009
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Diz-se que não há pior cego do que aquele que não quer ver. Vem isto a propósito da crítica feroz que é feita aqui por um insurgente, ao que disse aqui o ladrão de bicicletas Nuno Teles. A respeito do que, por sua vez, disse aqui o economista norte-americano Richard Portes, sobre a crise na Islândia, que, como se lembrarão, se iniciou no passado Outono. O insurgente analista usa um texto de Richard Portes no Financial Times, de Outubro de 2008, para desresponsabilizar a falta de regulação e intervenção política nos mercados na crise financeira. Pelo contrário, ele vê no texto de Portes a defesa de que foram “desastrosas intervenções políticas (governamentais e regulatórias) que precipitaram e agravaram o colapso islandês”.Eu confesso que estou sem óculos, mas já li o texto de Portes umas dez vezes. E não consigo perceber onde foi o inspirado amigo basear a sua tese. Analisando por partes:1) Portes começa por criticar as autoridades americanas (leia-se a Reserva Federal e o Departamento do Tesouro) por não terem salvo o Lehman Brothers. Defende ele, no que concordo inteiramente, que a grave crise financeira que se sentia em Wall Street, no final do Verão, foi precipitada pela decisão de deixar falir o Lehman Brothers. Diz ele que após o Lehman a confiança desapareceu, conduzindo à recusa dos bancos em se financiarem entre si, e que o risco aferido pelo spread dos Credit Default Swaps aumentou. Eu diria “Bravo, Mr. Portes!” Essa é também a opinião que defendo no meu livro. Logo, não se devia ter deixado falir o Lehman. Não deixar falir o Lehman podia ser nacionalizá-lo, podia ser fazer um bailout, podia ser conceder créditos a juros muito baixos,…eu sei lá! Mas se eu não endoideci, tudo isto são intervenções políticas na economia. Não deixar falir o Lehman era impedir o normal funcionamento do mercado! Richard Portes está, portanto, a defender a actuação do Estado na economia. Eu estou surpreendido com o Miguel Botelho Moniz. Tenho sido injusto com o pessoal do insurgente. Eles conseguem ter bom senso económico e aceitar que há circunstâncias em que o dinheiro dos contribuintes, ou a injecção de liquidez nos bancos, tem justificação!2) Em seguida, Portes – eu devo estar doido! – critica o modelo de Banco Central existente na Islândia, porque este não se assume como lender of last resort, ou prestamista de última instância. Dá uma coisa má ao CN. O Banco Central devia ter essa função? Está Portes a dizer que o Banco Central devia ter a capacidade de conceder financiamento a bancos comerciais com dificuldades de liquidez? Criando moeda? Não tendo medo do dogma sobre o excesso de moeda provocar inflação? Eu sinto-me mal. Afinal o Insurgente é um espaço de liberdade. O CN diz uma coisa, o Miguel Botelho Moniz o seu contrário, e vivem felizes. A não ser, que o último não tenha percebido o que leu, o que não quero acreditar!E este ponto tem uma implicação adicional. Se vamos criticar os bancos que não desempenham função de lender of last resort, temos que começar pelo….Banco Central Europeu!! É curioso que nesta mesma altura escrevi um artigo no Sol em que falava disto. Mas isso é irrelevante. O BCE está implicitamente a ser criticado por não ter nos seus estatutos esta função. Apenas está consagrado o objectivo da estabilidade de preços. E o normal funcionamento do SEBC, mas assim a medo.E porque não tem esta função o BCE? Porque havia um conflito potencial entre a função de estabilidade de preços (que podia levar a subir taxas de juro) e a função de ceder liquidez, o que podia implicar baixá-las, e admitir uma inflação mais elevada. Como não cai nessa, o BCE exclui esse risco e não se assume como lender of last resort, condicionando a sua acção apenas ao objectivo inflação. E o Portes está a criticar isto? Como eu tenho feito aqui? E está o Miguel Botelho a defender que o problema primeiro da crise foi a obsessão do BCE com a inflação, em lugar de injectar liquidez?E, por fim, está o insurgente a patrocinar medidas de política económica facilitadoras de refinanciamento dos Bancos, e como tal do crédito? Os ditos neoliberais, austríacos ou o que lhes quiserem chamar? Eu suspeito é que o Miguel leu o texto na diagonal.3) Portes continua, e diz que essa ausência de refinanciamento junto do Banco Central aumenta o nível de risco dos bancos. A culpa é do desenho do Banco Central não ser mais flexível. E isso cria uma potencial necessidade de os governos se apropriarem dos bancos em default. Mas não é exactamente isto que se passa na Europa? Portes critica implicitamente um desenho que é também o da UEM. E defende que um banco central com outra capacidade interventiva nos mercados, e a possibilidade de fazer bailouts, podia ter evitado a crise na Islândia. Mas…isso é defender intervencionismo, políticas económicas activas! Até aqui confesso que me ultrapassa onde foi o Miguel Botelho ler que a crise não fornece argumentos a um maior poder de regulação bancária e uma mais activa política económica. Porque, o Banco Central tem essa função. Portanto o que ele queria dizer era que o Banco Central (regulador) devia ter outras funções e intervir no refinanciamento! Ou seja, o Carlos Novais está errado?4) Portes começa por analisar o caso do Banco Glitnir. E diz que quando atingindo pela crise do crédito, e necessitando de liquidez, o Banco Central cometeu um erro: em lugar de tomar conta da sua gestão, nacionalizou-o. Hmmm…Tomar conta da gestão do banco, ou nacionalizá-lo…Eu percebo que são duas opções. Mas nenhuma delas me parece liberal. Porque o mercado livre deixaria falir o banco.Afinal, o Portes é coerente: não acha que se devesse ter deixado falir o Lehman e não acha que se devesse deixar falir o Glitnir. O Banco Central da Finlândia devia ter nomeado uma gestão sua, diz R. Portes. Ou seja, o problema era que a gestão privada do Glitnir tinha errado, e o Banco Central devia designar uma gestão sua (pública), temporariamente, que seria mais capaz. Miguel Botelho, desculpe lá, mas em que é que isto isenta os mercados livres e a falta de regulação e política económica?O seu único problema, porque é o único que o Portes aponta, é a incompetência do Governador do Banco Central, que terá tomado a pior decisão, entre duas, ambas intervencionistas. Ok, eu posso acreditar que o Governador fosse um desastre. Mas a ilação daí é que o critério de nomeação de governadores do BCIslândia é mau. Deviam ter nomeado uma pessoa com perfil técnico e formação económica sólida. E isso tem a ver com problemas de excesso de regulação ou entraves ao funcionamento dos mercados porquê?? Dir-me-á que políticos não devem ser nomeados para cargos destes. Bato palmas. Mas e daí? Na discussão sobre falhas e méritos do neoliberalismo, onde é que isto entra?5) Diz Portes que o Governador Oddsson fez depois declarações infelizes, que levaram Gordon Brown a reagir contra subsidiárias de bancos islandeses no Reino Unido. Mas isto é o mesmo argumento de cima: o governador era um incompetente de primeira água. Já percebemos. O que, pelo menos eu, ainda não percebi é em que medida o Portes está a suportar a tese do Miguel Botelho sobre ser errado “atribuir culpas sobre a crise financeira a uma suposta falta de regulação e intervenção política nos mercados”? O Portes apenas defendeu, até aqui, que aquele era um mau governador. À parte isso defendeu também que o BC tinha défice de poderes (porque não podia fazer de lender of last resort), ou se os tinha não os usou. Portanto houve falta de intervenção política no mercado interbancário. Tal como ele acha que houve falta de intervenção política no caso do Lehman Brothers.6) O Primeiro-Ministro, pelos vistos, também não era grande artista, e falou demais. Entendido. Não conseguiu incutir confiança. E o erro seguinte que identifica o Portes foi não ter sido solicitada ajuda financeira do FMI: uma medida de política que devia ter sido usada. E não foi. E uma medida política que se destinava (surpreendam-se!), a injectar liquidez na Islândia para resolver o seu problema de crédito. Contra compromissos. Ou seja, se a Itália entrar em risco de incumprimento, o Richard Portes e o Miguel Botelho defendem que deve ser possível o bailout de um Estado, com empréstimos condicionados a melhor gestão futura. Miguel, devia ter ido a Bruxelas, Domingo!Em conclusão, não foi só a Islândia que se afundou. Houve mais um insurgente a meter água. Porque usa um artigo para provar uma tese de benefícios da autoregulação de mercados e ausência de intervenções de política económica, quando o artigo alega precisamente o oposto. E ataca o Nuno Teles, acusando-o de “não retratar correctamente” a posição de Richard Portes. Já agora, em que é que o Nuno Teles falha? O Portes diz, de facto, no artigo, que os bancos islandeses não detinham activos tóxicos, tinham rácios de capitais próprios muito adequados e saudáveis, e não estavam muito endividados. O que é essencialmente o que o Nuno Teles cita.A única conclusão que posso tirar é que o medo dos neoliberais de que esta crise tenha exposto como fraude a sua doutrina, é tanto, que preferem escrever asneiras na esperança que ninguém vá verificar. Desta vez, teve azar. É por isso que o blogue do Nuno Teles tem credibilidade económica.


Diz-se que não há pior cego do que aquele que não quer ver. Vem isto a propósito da crítica feroz que é feita aqui por um insurgente, ao que disse aqui o ladrão de bicicletas Nuno Teles. A respeito do que, por sua vez, disse aqui o economista norte-americano Richard Portes, sobre a crise na Islândia, que, como se lembrarão, se iniciou no passado Outono. O insurgente analista usa um texto de Richard Portes no Financial Times, de Outubro de 2008, para desresponsabilizar a falta de regulação e intervenção política nos mercados na crise financeira. Pelo contrário, ele vê no texto de Portes a defesa de que foram “desastrosas intervenções políticas (governamentais e regulatórias) que precipitaram e agravaram o colapso islandês”.Eu confesso que estou sem óculos, mas já li o texto de Portes umas dez vezes. E não consigo perceber onde foi o inspirado amigo basear a sua tese. Analisando por partes:1) Portes começa por criticar as autoridades americanas (leia-se a Reserva Federal e o Departamento do Tesouro) por não terem salvo o Lehman Brothers. Defende ele, no que concordo inteiramente, que a grave crise financeira que se sentia em Wall Street, no final do Verão, foi precipitada pela decisão de deixar falir o Lehman Brothers. Diz ele que após o Lehman a confiança desapareceu, conduzindo à recusa dos bancos em se financiarem entre si, e que o risco aferido pelo spread dos Credit Default Swaps aumentou. Eu diria “Bravo, Mr. Portes!” Essa é também a opinião que defendo no meu livro. Logo, não se devia ter deixado falir o Lehman. Não deixar falir o Lehman podia ser nacionalizá-lo, podia ser fazer um bailout, podia ser conceder créditos a juros muito baixos,…eu sei lá! Mas se eu não endoideci, tudo isto são intervenções políticas na economia. Não deixar falir o Lehman era impedir o normal funcionamento do mercado! Richard Portes está, portanto, a defender a actuação do Estado na economia. Eu estou surpreendido com o Miguel Botelho Moniz. Tenho sido injusto com o pessoal do insurgente. Eles conseguem ter bom senso económico e aceitar que há circunstâncias em que o dinheiro dos contribuintes, ou a injecção de liquidez nos bancos, tem justificação!2) Em seguida, Portes – eu devo estar doido! – critica o modelo de Banco Central existente na Islândia, porque este não se assume como lender of last resort, ou prestamista de última instância. Dá uma coisa má ao CN. O Banco Central devia ter essa função? Está Portes a dizer que o Banco Central devia ter a capacidade de conceder financiamento a bancos comerciais com dificuldades de liquidez? Criando moeda? Não tendo medo do dogma sobre o excesso de moeda provocar inflação? Eu sinto-me mal. Afinal o Insurgente é um espaço de liberdade. O CN diz uma coisa, o Miguel Botelho Moniz o seu contrário, e vivem felizes. A não ser, que o último não tenha percebido o que leu, o que não quero acreditar!E este ponto tem uma implicação adicional. Se vamos criticar os bancos que não desempenham função de lender of last resort, temos que começar pelo….Banco Central Europeu!! É curioso que nesta mesma altura escrevi um artigo no Sol em que falava disto. Mas isso é irrelevante. O BCE está implicitamente a ser criticado por não ter nos seus estatutos esta função. Apenas está consagrado o objectivo da estabilidade de preços. E o normal funcionamento do SEBC, mas assim a medo.E porque não tem esta função o BCE? Porque havia um conflito potencial entre a função de estabilidade de preços (que podia levar a subir taxas de juro) e a função de ceder liquidez, o que podia implicar baixá-las, e admitir uma inflação mais elevada. Como não cai nessa, o BCE exclui esse risco e não se assume como lender of last resort, condicionando a sua acção apenas ao objectivo inflação. E o Portes está a criticar isto? Como eu tenho feito aqui? E está o Miguel Botelho a defender que o problema primeiro da crise foi a obsessão do BCE com a inflação, em lugar de injectar liquidez?E, por fim, está o insurgente a patrocinar medidas de política económica facilitadoras de refinanciamento dos Bancos, e como tal do crédito? Os ditos neoliberais, austríacos ou o que lhes quiserem chamar? Eu suspeito é que o Miguel leu o texto na diagonal.3) Portes continua, e diz que essa ausência de refinanciamento junto do Banco Central aumenta o nível de risco dos bancos. A culpa é do desenho do Banco Central não ser mais flexível. E isso cria uma potencial necessidade de os governos se apropriarem dos bancos em default. Mas não é exactamente isto que se passa na Europa? Portes critica implicitamente um desenho que é também o da UEM. E defende que um banco central com outra capacidade interventiva nos mercados, e a possibilidade de fazer bailouts, podia ter evitado a crise na Islândia. Mas…isso é defender intervencionismo, políticas económicas activas! Até aqui confesso que me ultrapassa onde foi o Miguel Botelho ler que a crise não fornece argumentos a um maior poder de regulação bancária e uma mais activa política económica. Porque, o Banco Central tem essa função. Portanto o que ele queria dizer era que o Banco Central (regulador) devia ter outras funções e intervir no refinanciamento! Ou seja, o Carlos Novais está errado?4) Portes começa por analisar o caso do Banco Glitnir. E diz que quando atingindo pela crise do crédito, e necessitando de liquidez, o Banco Central cometeu um erro: em lugar de tomar conta da sua gestão, nacionalizou-o. Hmmm…Tomar conta da gestão do banco, ou nacionalizá-lo…Eu percebo que são duas opções. Mas nenhuma delas me parece liberal. Porque o mercado livre deixaria falir o banco.Afinal, o Portes é coerente: não acha que se devesse ter deixado falir o Lehman e não acha que se devesse deixar falir o Glitnir. O Banco Central da Finlândia devia ter nomeado uma gestão sua, diz R. Portes. Ou seja, o problema era que a gestão privada do Glitnir tinha errado, e o Banco Central devia designar uma gestão sua (pública), temporariamente, que seria mais capaz. Miguel Botelho, desculpe lá, mas em que é que isto isenta os mercados livres e a falta de regulação e política económica?O seu único problema, porque é o único que o Portes aponta, é a incompetência do Governador do Banco Central, que terá tomado a pior decisão, entre duas, ambas intervencionistas. Ok, eu posso acreditar que o Governador fosse um desastre. Mas a ilação daí é que o critério de nomeação de governadores do BCIslândia é mau. Deviam ter nomeado uma pessoa com perfil técnico e formação económica sólida. E isso tem a ver com problemas de excesso de regulação ou entraves ao funcionamento dos mercados porquê?? Dir-me-á que políticos não devem ser nomeados para cargos destes. Bato palmas. Mas e daí? Na discussão sobre falhas e méritos do neoliberalismo, onde é que isto entra?5) Diz Portes que o Governador Oddsson fez depois declarações infelizes, que levaram Gordon Brown a reagir contra subsidiárias de bancos islandeses no Reino Unido. Mas isto é o mesmo argumento de cima: o governador era um incompetente de primeira água. Já percebemos. O que, pelo menos eu, ainda não percebi é em que medida o Portes está a suportar a tese do Miguel Botelho sobre ser errado “atribuir culpas sobre a crise financeira a uma suposta falta de regulação e intervenção política nos mercados”? O Portes apenas defendeu, até aqui, que aquele era um mau governador. À parte isso defendeu também que o BC tinha défice de poderes (porque não podia fazer de lender of last resort), ou se os tinha não os usou. Portanto houve falta de intervenção política no mercado interbancário. Tal como ele acha que houve falta de intervenção política no caso do Lehman Brothers.6) O Primeiro-Ministro, pelos vistos, também não era grande artista, e falou demais. Entendido. Não conseguiu incutir confiança. E o erro seguinte que identifica o Portes foi não ter sido solicitada ajuda financeira do FMI: uma medida de política que devia ter sido usada. E não foi. E uma medida política que se destinava (surpreendam-se!), a injectar liquidez na Islândia para resolver o seu problema de crédito. Contra compromissos. Ou seja, se a Itália entrar em risco de incumprimento, o Richard Portes e o Miguel Botelho defendem que deve ser possível o bailout de um Estado, com empréstimos condicionados a melhor gestão futura. Miguel, devia ter ido a Bruxelas, Domingo!Em conclusão, não foi só a Islândia que se afundou. Houve mais um insurgente a meter água. Porque usa um artigo para provar uma tese de benefícios da autoregulação de mercados e ausência de intervenções de política económica, quando o artigo alega precisamente o oposto. E ataca o Nuno Teles, acusando-o de “não retratar correctamente” a posição de Richard Portes. Já agora, em que é que o Nuno Teles falha? O Portes diz, de facto, no artigo, que os bancos islandeses não detinham activos tóxicos, tinham rácios de capitais próprios muito adequados e saudáveis, e não estavam muito endividados. O que é essencialmente o que o Nuno Teles cita.A única conclusão que posso tirar é que o medo dos neoliberais de que esta crise tenha exposto como fraude a sua doutrina, é tanto, que preferem escrever asneiras na esperança que ninguém vá verificar. Desta vez, teve azar. É por isso que o blogue do Nuno Teles tem credibilidade económica.

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