O Cântaro Zangado: Sou fundamentalista?

02-10-2009
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Os representantes das "forças vivaças" (Turistrela, autarquias, comerciantes, e outros) defendem-se frequentemente dos que se opõem a certas formas de alegado desenvolvimento, acusando-os de fundamentalismo e eco-terrorismo. Sobre este último é curioso notar que o aplicam a pessoas que nada fazem senão manifestar a sua opinião. Bem sei que há ecoterroristas, mas cá em Portugal? É verdade que se diz que a canção é uma arma, mas daí até ao terrorismo... Adiante. Lembrei-me disto porque Carlos Pinto, o Presidente da Câmara da Covilhã, classificou (de forma mais ou menos encoberta, para usar a sua expressão) como "fundamentalismos mais ou menos encobertos" as motivações para a alteração do Plano Director do Parque Natural da Serra da Esprela (PNSE) (pode ouvir as suas declarações aqui). Já disse que, tanto quanto pude saber, as alterações em causa referem-se apenas aos limites territoriais do parque e são mínimas, excepto para a freguesia do Sarzedo, mas enfim.
Hoje quero falar noutra coisa. É que, a propósito destas declarações de Carlos Pinto, tenho andado a pensar no significado da palavra "fundamentalismo". Um dicionário on-line diz o seguinte:
fundamentalismo: s. m., Relig., aceitação e defesa de um conjunto de princípios de natureza religiosa tradicionais e ortodoxos tidos por verdades fundamentais e indispensáveis a uma
consciência religiosa (individual ou colectiva).
OK, parece-me óbvio que não é com este o significado que Carlos Pinto e outros
usam este termo quando o aplicam ao movimento ambientalista. Qual poderá ser?
Não sei. Mas quero dizer o seguinte:

se é fundamentalismo defender um espaço quase selvagem, sem estradas, edifícios ou postes (de teleféricos ou de alta tensão), só porque se apreciam esses
espaços, sou fundamentalista;

se é fundamentalismo estranhar que, mais de trinta anos depois da criação da
Turistrela (desde o início concessionária em regime de monopólio da exploração
turística no espaço da Serra) quase não haja vestígios de aposta no turismo de
natureza, para além da sinalização de trilhos pedestres (principalmente pelo
PNSE), então sou fundamentalista;

se é fundamentalismo acusar as "forças vivaças" (começando pela Turistrela) de
estarem a contribuir para a poluição, desclassificação e desordenamento do
espaço de montanha e a projectar ainda mais atropelos, sou sim, sou
fundamentalista;

se é fundamentalismo mostrar que não estamos condenados a gozar a serra em
voltinhas dos tristes (de carro ou de teleférico), mas que é a isso que nos
estão a condenar as "forças vivaças", então sou, sou pois, fundamentalista;

se é fundamentalismo criticar as autarquias por asfaltarem a torto e a direito,
exigirem rédea solta para a construção, autorizações para casinos e apoios para
centros comerciais na montanha, mas quase não se ouvirem a propósito da
de reflorestação ou de protecção às espécies em perigo de extinção e reintrodução das já extintas, ou de apoios para outro tipo de turismo (que o há!) então, sim, sou
fundamentalista;

se é fundamentalismo achar que não está correcto multiplicar por toda a Serra os
espaços urbanos deprimentes onde tantos deixam escorrer sem verdadeiro gozo, aparentemente sem imaginação para melhor, as tardes dos fins de semana, então sou, claro que sou (e orgulhoso disso!), fundamentalista.

Voltemos a usar a linguagem com propriedade. Não me parece que, por apreciar
espaços selvagens e, por isso, pretender que sejam preservados, se possa
considerar que sou fundamentalista. Serei, quando muito, esquisito (no sentido de
incomum). Ah, mas olhemos à nossa volta. Serei assim tão esquisito? Não o serão
ainda mais os representantes das "forças vivaças"? E não serão também esquisitos os consumidores do produto que elas vendem?

Os representantes das "forças vivaças" (Turistrela, autarquias, comerciantes, e outros) defendem-se frequentemente dos que se opõem a certas formas de alegado desenvolvimento, acusando-os de fundamentalismo e eco-terrorismo. Sobre este último é curioso notar que o aplicam a pessoas que nada fazem senão manifestar a sua opinião. Bem sei que há ecoterroristas, mas cá em Portugal? É verdade que se diz que a canção é uma arma, mas daí até ao terrorismo... Adiante. Lembrei-me disto porque Carlos Pinto, o Presidente da Câmara da Covilhã, classificou (de forma mais ou menos encoberta, para usar a sua expressão) como "fundamentalismos mais ou menos encobertos" as motivações para a alteração do Plano Director do Parque Natural da Serra da Esprela (PNSE) (pode ouvir as suas declarações aqui). Já disse que, tanto quanto pude saber, as alterações em causa referem-se apenas aos limites territoriais do parque e são mínimas, excepto para a freguesia do Sarzedo, mas enfim.
Hoje quero falar noutra coisa. É que, a propósito destas declarações de Carlos Pinto, tenho andado a pensar no significado da palavra "fundamentalismo". Um dicionário on-line diz o seguinte:
fundamentalismo: s. m., Relig., aceitação e defesa de um conjunto de princípios de natureza religiosa tradicionais e ortodoxos tidos por verdades fundamentais e indispensáveis a uma
consciência religiosa (individual ou colectiva).
OK, parece-me óbvio que não é com este o significado que Carlos Pinto e outros
usam este termo quando o aplicam ao movimento ambientalista. Qual poderá ser?
Não sei. Mas quero dizer o seguinte:

se é fundamentalismo defender um espaço quase selvagem, sem estradas, edifícios ou postes (de teleféricos ou de alta tensão), só porque se apreciam esses
espaços, sou fundamentalista;

se é fundamentalismo estranhar que, mais de trinta anos depois da criação da
Turistrela (desde o início concessionária em regime de monopólio da exploração
turística no espaço da Serra) quase não haja vestígios de aposta no turismo de
natureza, para além da sinalização de trilhos pedestres (principalmente pelo
PNSE), então sou fundamentalista;

se é fundamentalismo acusar as "forças vivaças" (começando pela Turistrela) de
estarem a contribuir para a poluição, desclassificação e desordenamento do
espaço de montanha e a projectar ainda mais atropelos, sou sim, sou
fundamentalista;

se é fundamentalismo mostrar que não estamos condenados a gozar a serra em
voltinhas dos tristes (de carro ou de teleférico), mas que é a isso que nos
estão a condenar as "forças vivaças", então sou, sou pois, fundamentalista;

se é fundamentalismo criticar as autarquias por asfaltarem a torto e a direito,
exigirem rédea solta para a construção, autorizações para casinos e apoios para
centros comerciais na montanha, mas quase não se ouvirem a propósito da
de reflorestação ou de protecção às espécies em perigo de extinção e reintrodução das já extintas, ou de apoios para outro tipo de turismo (que o há!) então, sim, sou
fundamentalista;

se é fundamentalismo achar que não está correcto multiplicar por toda a Serra os
espaços urbanos deprimentes onde tantos deixam escorrer sem verdadeiro gozo, aparentemente sem imaginação para melhor, as tardes dos fins de semana, então sou, claro que sou (e orgulhoso disso!), fundamentalista.

Voltemos a usar a linguagem com propriedade. Não me parece que, por apreciar
espaços selvagens e, por isso, pretender que sejam preservados, se possa
considerar que sou fundamentalista. Serei, quando muito, esquisito (no sentido de
incomum). Ah, mas olhemos à nossa volta. Serei assim tão esquisito? Não o serão
ainda mais os representantes das "forças vivaças"? E não serão também esquisitos os consumidores do produto que elas vendem?

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