sorumbático: O que me faz velha

01-03-2008
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Por Alice VieiraGOSTO DA PALAVRA “velho”. Lembra serenidade, lembra a sabedoria das tribos.Nada daquele tom tecnocrático e asséptico da “terceira idade”.Claro que gosto – desde que não se aplique a mim, está bem de ver.Velhos são, para além dos trapos, os outros.Nunca nós, evidentemente.Nunca eu.Eu, que me farto de trabalhar, que corro o país de cima abaixo, que ainda durmo menos que o Prof. Marcelo, que faço ginástica, que nem tenho carro e ando imenso a pé – como posso sentir-me velha? Os amigos e a família também acham que comigo nunca há problema, o namorado não se queixa. Logo, a velhice - segundo o lugar-comum mais comum que se inventou - é um estado de espírito. (Meu Deus, isto ainda é pior que a “terceira idade”!)No entanto há duas coisas que me deitam completamente abaixo e me fazem sentir com cem anos em cada ombro: a primeira é quando os meus netos invariavelmente desenham as avós de carrapito, chinelos, bengala e uma corcunda que as faz curvadinhas até ao chão; a segunda é quando leio a lista dos premiados com os Grammy – e não faço a menor ideia de quem sejam.É terrível.Porque eu gosto muito de música, porque eu oiço muita música, porque eu não passo sem música, porque eu sou daquela geração que ainda compra CD´s e não faz downloads nem pirateia nada.Durante muitos anos eu estive sempre a par do que se ia ouvindo. Sabia os nomes dos intérpretes, conhecia-lhes as vozes, trauteava as suas cantigas.De repente, não conheço ninguém.Olho aquela lista e todos me parecem ET’s de uma galáxia desconhecida (pronto, está bem, conheço o Springsteen, mas esse é um moço da minha criação, que nem entendo o que está a fazer ali).Mas há uma Amy Winehouse, que se fartou de ganhar coisas, e um Kanye West que também levou para casa uma data de prémios, e de quem, até hoje, eu desconhecia completamente a existência. (E se ganharam tanta coisa é porque devem ser muito bons!) E mais um rol de nomes, que também devem ser excelentes, mas que me são completamente desconhecidos.E a minha ignorância musical só não é totalmente vergonhosa porque a minha neta mais velha teve a caridade de me dar umas (brevíssimas) dicas sobre a arte de um tal Justin Timberlake, também premiado, e que ela, ao que parece, curte bué.Mas o mais estranho é que isto só me acontece com a música. Nos Óscares, nos Globos de Oiro, nos Emmy’s - posso não ter visto tudo mas, caramba!, sei de que é que estão a falar. Com maior ou menor intimidade, conheço aquela gente.Resumindo: devo andar a ouvir a música errada, a comprar os CD’s errados, a sintonizar as estações de rádio erradas.Tenho rapidamente de me pôr em dia. Com algum esforço e muita aplicação, sou capaz de lá chegar. E pode ser que então os meus netos, nos seus desenhos, ao carrapito, aos chinelos, à bengala e à corcunda, tenham a gentileza de juntar um Ipod ou um MP3.«JN» de 17 de Fevereiro de 2008Etiquetas: AV

Por Alice VieiraGOSTO DA PALAVRA “velho”. Lembra serenidade, lembra a sabedoria das tribos.Nada daquele tom tecnocrático e asséptico da “terceira idade”.Claro que gosto – desde que não se aplique a mim, está bem de ver.Velhos são, para além dos trapos, os outros.Nunca nós, evidentemente.Nunca eu.Eu, que me farto de trabalhar, que corro o país de cima abaixo, que ainda durmo menos que o Prof. Marcelo, que faço ginástica, que nem tenho carro e ando imenso a pé – como posso sentir-me velha? Os amigos e a família também acham que comigo nunca há problema, o namorado não se queixa. Logo, a velhice - segundo o lugar-comum mais comum que se inventou - é um estado de espírito. (Meu Deus, isto ainda é pior que a “terceira idade”!)No entanto há duas coisas que me deitam completamente abaixo e me fazem sentir com cem anos em cada ombro: a primeira é quando os meus netos invariavelmente desenham as avós de carrapito, chinelos, bengala e uma corcunda que as faz curvadinhas até ao chão; a segunda é quando leio a lista dos premiados com os Grammy – e não faço a menor ideia de quem sejam.É terrível.Porque eu gosto muito de música, porque eu oiço muita música, porque eu não passo sem música, porque eu sou daquela geração que ainda compra CD´s e não faz downloads nem pirateia nada.Durante muitos anos eu estive sempre a par do que se ia ouvindo. Sabia os nomes dos intérpretes, conhecia-lhes as vozes, trauteava as suas cantigas.De repente, não conheço ninguém.Olho aquela lista e todos me parecem ET’s de uma galáxia desconhecida (pronto, está bem, conheço o Springsteen, mas esse é um moço da minha criação, que nem entendo o que está a fazer ali).Mas há uma Amy Winehouse, que se fartou de ganhar coisas, e um Kanye West que também levou para casa uma data de prémios, e de quem, até hoje, eu desconhecia completamente a existência. (E se ganharam tanta coisa é porque devem ser muito bons!) E mais um rol de nomes, que também devem ser excelentes, mas que me são completamente desconhecidos.E a minha ignorância musical só não é totalmente vergonhosa porque a minha neta mais velha teve a caridade de me dar umas (brevíssimas) dicas sobre a arte de um tal Justin Timberlake, também premiado, e que ela, ao que parece, curte bué.Mas o mais estranho é que isto só me acontece com a música. Nos Óscares, nos Globos de Oiro, nos Emmy’s - posso não ter visto tudo mas, caramba!, sei de que é que estão a falar. Com maior ou menor intimidade, conheço aquela gente.Resumindo: devo andar a ouvir a música errada, a comprar os CD’s errados, a sintonizar as estações de rádio erradas.Tenho rapidamente de me pôr em dia. Com algum esforço e muita aplicação, sou capaz de lá chegar. E pode ser que então os meus netos, nos seus desenhos, ao carrapito, aos chinelos, à bengala e à corcunda, tenham a gentileza de juntar um Ipod ou um MP3.«JN» de 17 de Fevereiro de 2008Etiquetas: AV

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