Palhaça Cívica: ACÍLIO GALA OU O RISCO DA PAIXÃO PERMANENTE

12-10-2009
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Quando, há quatro anos, Acílio Gala resolveu não se recandidatar ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, o gesto foi visto como atitude sábia de quem sente ser altura de fechar um ciclo. De alguém que sabe retirar-se a tempo e mostra suficiente desprendimento para dar lugar aos novos, por saber que a vida é metanóia.Enganou-se quem pensou que o rasgão com a política seria definitivo. Dir-se-ia que a política, sentindo-se traída, o continuou a vigiar e a seduzir constantemente, tudo fazendo para o trazer de novo ao seu regaço. Bem cedo nos demos conta que Acílio Gala não se mostrou suficientemente astucioso para se separar dela. Abandonada a cadeira do poder, tornou-se rapidamente numa espécie de Ulisses ao contrário: libertou-se da Penélope que era a sua nova vida de aposentado, para se entregar outra vez, aparentemente ainda mais enfeitiçado, nos braços da sua antiga Circe política.Foi vê-lo, então, a usar o enorme poder simbólico que dezasseis anos à frente do município inevitavelmente conferem. Umas vezes na imprensa, a demarcar o território, com textos acutilantes e corrosivos sobre a defesa do património municipal e o dever de preservar a memória, como aconteceu com a Cerâmica Rocha/Museu de Olaria e Grés, ou com as cartas abertas ao actual inquilino do município a propósito da demolição da antiga Casa da Câmara e da construção da Alameda; outras vezes marcando presença na primeira fila de alguns actos solenes, condicionando objectivamente o discurso político de Mário João Oliveira, que está longe de ser um mestre da oratória e de galvanizar auditórios. A um Presidente de Câmara não basta ser austero ou honesto, como é certamente o caso. Convém que saiba ouvir, mas sobretudo convencer.O pouco tempo nas andanças da política ainda não permitiu a Mário João Oliveira adquirir algumas competências específicas que Pierre Bourdieu designa por “habitus”, um corpo de saberes, saber-ser e saber-fazer dos quais se destacam o domínio da gramática, da dialéctica e da oratória, instrumentos importantes na concorrência e na competição entre as várias forças políticas em confronto. Em política, passa ainda muito pelo verbo a mobilização de grupos e eleitores. A maior ou menor eficácia comunicacional pode motivar ou desmotivar, reforçar ou fragilizar, legitimar ou deslegitimar o discurso próprio em relação aos discursos alheios. A velha raposa política que é Acílio Gala conhece tudo isso e não enjeitou as oportunidades que se lhe foram deparando, ao longo dos últimos quatro anos, para pôr a nu as evidentes fragilidades que nesta matéria dá mostras o seu principal adversário político. Mas não podemos deixar de perguntar: porque se meteu “nisto”, outra vez? Que faz correr um homem com um currículo profissional e político invejável, mas que já roçou o batente dos oitenta? Avança de novo por amar o concelho de Oliveira do Bairro acima de todas as coisas? Ou porque o exercício do poder ainda o fascina? Como forma de combater a solidão que um merecido repouso do guerreiro sempre provoca? Ou porque não há, no seu partido, quem o substitua com tão fortes probabilidades de êxito eleitoral?A idade não constitui um óbice quando se mantém intocada a lucidez e a vivacidade intelectual. Churchil ou Adenauer aí estão para o demonstrar. Mas é irresistível não comparar o regresso à política de Acílio Gala com o de Mário Soares. A idade vai influenciar a escolha dos candidatos, ou o que vai prevalecer no acto de votar é a experiência adquirida, a herança legada, o prestígio entretanto acumulado? Acílio Gala é um homem de acção e de luta e o seu regresso à política não deixa de ser um acto de coragem. E um pauzinho na engrenagem do calculismo do jogo eleitoral dos seus adversários políticos.O regresso do dinossauro excelentíssimo da nossa política concelhia veio baralhar os dados, abalar algumas certezas, condicionar discursos, ajustar estratégias, tornar tudo mais fluido e instável. No PSD, António Mota está de saída. Num momento destes, ver partir o mais tarimbado e experiente dos três vereadores social-democratas não deixa de ser um rombo na imagem, nas aspirações e na coesão de uma equipa que deseja renovar a confiança do eleitorado. Há quatro anos a vitória do PSD não foi folgada. Desta vez, tudo pode depender do resultado das eleições legislativas. Se o PSD as ganhar, acrescentando nova vitória à que obteve nas europeias, a dinâmica estará criada e o carisma de Acílio Gala não deverá ser suficiente para travar novo sucesso eleitoral do partido laranja.Sejamos claros: a não ser que a campanha eleitoral para as autárquicas mostre o contrário, para o cidadão comum não parece ser muito diferente a visão política, social e económica que os dois principais candidatos exibem para o desenvolvimento do concelho. Será mais uma questão de estilo, uma diferente articulação formal do poder. O problema é que nestas coisas não é possível sentar dois homens na cadeira presidencial ao mesmo tempo. Alguém vai ter que ficar de fora, embora não haja drama nenhum nisso.Se for Mário João Oliveira a sair, espera-o o regresso a tempo inteiro a uma actividade empresarial da qual nunca quis desligar-se enquanto Presidente de Câmara. Sintoma evidente que as musas da política não o seduzem assim tanto, ao ponto de abandonar tudo por elas.Se for Acílio Gala a ficar de fora, será talvez o adeus definitivo à vida política activa. Como sucedeu a Coriolano na tragédia shakespeariana, o vencedor de tantas batalhas, às vezes acusado de arrogância pelos seus adversários políticos, poderá enfrentar a melancolia do homem só, um tanto desiludido por não ver novamente reconhecido o seu valor por uma população que o premiou com quatro maiorias consecutivas.O jogo político concelhio passará então a jogar-se sem ele. Resta saber se vai jogar-se melhor depois dele.


Quando, há quatro anos, Acílio Gala resolveu não se recandidatar ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, o gesto foi visto como atitude sábia de quem sente ser altura de fechar um ciclo. De alguém que sabe retirar-se a tempo e mostra suficiente desprendimento para dar lugar aos novos, por saber que a vida é metanóia.Enganou-se quem pensou que o rasgão com a política seria definitivo. Dir-se-ia que a política, sentindo-se traída, o continuou a vigiar e a seduzir constantemente, tudo fazendo para o trazer de novo ao seu regaço. Bem cedo nos demos conta que Acílio Gala não se mostrou suficientemente astucioso para se separar dela. Abandonada a cadeira do poder, tornou-se rapidamente numa espécie de Ulisses ao contrário: libertou-se da Penélope que era a sua nova vida de aposentado, para se entregar outra vez, aparentemente ainda mais enfeitiçado, nos braços da sua antiga Circe política.Foi vê-lo, então, a usar o enorme poder simbólico que dezasseis anos à frente do município inevitavelmente conferem. Umas vezes na imprensa, a demarcar o território, com textos acutilantes e corrosivos sobre a defesa do património municipal e o dever de preservar a memória, como aconteceu com a Cerâmica Rocha/Museu de Olaria e Grés, ou com as cartas abertas ao actual inquilino do município a propósito da demolição da antiga Casa da Câmara e da construção da Alameda; outras vezes marcando presença na primeira fila de alguns actos solenes, condicionando objectivamente o discurso político de Mário João Oliveira, que está longe de ser um mestre da oratória e de galvanizar auditórios. A um Presidente de Câmara não basta ser austero ou honesto, como é certamente o caso. Convém que saiba ouvir, mas sobretudo convencer.O pouco tempo nas andanças da política ainda não permitiu a Mário João Oliveira adquirir algumas competências específicas que Pierre Bourdieu designa por “habitus”, um corpo de saberes, saber-ser e saber-fazer dos quais se destacam o domínio da gramática, da dialéctica e da oratória, instrumentos importantes na concorrência e na competição entre as várias forças políticas em confronto. Em política, passa ainda muito pelo verbo a mobilização de grupos e eleitores. A maior ou menor eficácia comunicacional pode motivar ou desmotivar, reforçar ou fragilizar, legitimar ou deslegitimar o discurso próprio em relação aos discursos alheios. A velha raposa política que é Acílio Gala conhece tudo isso e não enjeitou as oportunidades que se lhe foram deparando, ao longo dos últimos quatro anos, para pôr a nu as evidentes fragilidades que nesta matéria dá mostras o seu principal adversário político. Mas não podemos deixar de perguntar: porque se meteu “nisto”, outra vez? Que faz correr um homem com um currículo profissional e político invejável, mas que já roçou o batente dos oitenta? Avança de novo por amar o concelho de Oliveira do Bairro acima de todas as coisas? Ou porque o exercício do poder ainda o fascina? Como forma de combater a solidão que um merecido repouso do guerreiro sempre provoca? Ou porque não há, no seu partido, quem o substitua com tão fortes probabilidades de êxito eleitoral?A idade não constitui um óbice quando se mantém intocada a lucidez e a vivacidade intelectual. Churchil ou Adenauer aí estão para o demonstrar. Mas é irresistível não comparar o regresso à política de Acílio Gala com o de Mário Soares. A idade vai influenciar a escolha dos candidatos, ou o que vai prevalecer no acto de votar é a experiência adquirida, a herança legada, o prestígio entretanto acumulado? Acílio Gala é um homem de acção e de luta e o seu regresso à política não deixa de ser um acto de coragem. E um pauzinho na engrenagem do calculismo do jogo eleitoral dos seus adversários políticos.O regresso do dinossauro excelentíssimo da nossa política concelhia veio baralhar os dados, abalar algumas certezas, condicionar discursos, ajustar estratégias, tornar tudo mais fluido e instável. No PSD, António Mota está de saída. Num momento destes, ver partir o mais tarimbado e experiente dos três vereadores social-democratas não deixa de ser um rombo na imagem, nas aspirações e na coesão de uma equipa que deseja renovar a confiança do eleitorado. Há quatro anos a vitória do PSD não foi folgada. Desta vez, tudo pode depender do resultado das eleições legislativas. Se o PSD as ganhar, acrescentando nova vitória à que obteve nas europeias, a dinâmica estará criada e o carisma de Acílio Gala não deverá ser suficiente para travar novo sucesso eleitoral do partido laranja.Sejamos claros: a não ser que a campanha eleitoral para as autárquicas mostre o contrário, para o cidadão comum não parece ser muito diferente a visão política, social e económica que os dois principais candidatos exibem para o desenvolvimento do concelho. Será mais uma questão de estilo, uma diferente articulação formal do poder. O problema é que nestas coisas não é possível sentar dois homens na cadeira presidencial ao mesmo tempo. Alguém vai ter que ficar de fora, embora não haja drama nenhum nisso.Se for Mário João Oliveira a sair, espera-o o regresso a tempo inteiro a uma actividade empresarial da qual nunca quis desligar-se enquanto Presidente de Câmara. Sintoma evidente que as musas da política não o seduzem assim tanto, ao ponto de abandonar tudo por elas.Se for Acílio Gala a ficar de fora, será talvez o adeus definitivo à vida política activa. Como sucedeu a Coriolano na tragédia shakespeariana, o vencedor de tantas batalhas, às vezes acusado de arrogância pelos seus adversários políticos, poderá enfrentar a melancolia do homem só, um tanto desiludido por não ver novamente reconhecido o seu valor por uma população que o premiou com quatro maiorias consecutivas.O jogo político concelhio passará então a jogar-se sem ele. Resta saber se vai jogar-se melhor depois dele.

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