FASCISMO EM REDE

20-07-2005
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Há alguns anos, uma editorial brasileira decidiu juntar no mesmo volume de ensaios os estudos de grandes mestres do pensamento político para deslindarem de vez a nebulosa questão do progressismo e do conservantismo. A urgência da clarificação doutrinal justificava-se na altura para acudir à desorientação que lavrava no seio do próprio Catolicismo, batido pelos falsificadores doutrinais do Concílio Vaticano II e pela acção corrosiva dos marxistas instalados nos grandes meios de comunicação.A esquerda teve sempre a preocupação maléfica de envenenar o discurso, de corromper as palavras, de confundir os conceitos para depois nessa paisagem alastrada de ruínas erguer o seu verbo prostituído.A breve trecho, o público de boa fé já abundava na excomunhão do conservantismo, tomado como expressão de uma direita retrógrada, fascista, opressora, inimiga do progresso humano, aliada do capitalismo selvagem e da conspiração contra as conquistas sociais.Convém assinalar que a esquerda, professando o programa de que a mentira muito repetida se transforma em verdade, começa por ser ela própria a vítima da repetição. Alguns dos brilhantes ornamentos da Esquerda já mentem tão despudoradamente às plateias que abrem margem a tal suspeita de corrupção da vontade e da mente. Aliás, a história do comunismo anda cheia dessas proezas do ridículo, desses novos cavaleiros da triste figura. Ainda me lembro quando Cunhal garantiu a Letria, na TV, que o seu vencimento mensal orçava pelos 7.500$00! Joaquim Letria terá as convicções que tiver, mas, além de jornalista brilhante, possui a noção do ridículo e refuga de si a condição de receptáculo destes disparates. E fez o que lhe cumpria: deixou Cunhal a gaguejar.Mas não seria caso único. O embaixador soviético, no tempo em que já se amanhava politicamente este rectângulo europeu como uma republiqueta popular democrática, tudo de parceria com o MFA, subiu à tribuna televisiva e garantiu aos portugueses que a U.R.S.S. fora surpreendida com uma iniciativa dos trabalhadores, em massa, exigindo do governo soviético a subida do preço dos combustíveis!Perante o olhar atónito dos entrevistadores de serviço, o diplomata tentou justificar o embuste alegando que a consciência proletária possuía dessas virtudes heróicas da devoção ao partido e ao povo, esquecendo-se naturalmente de mencionar que o povo passava necessidades extremas e que as filas para a obtenção de rações de primeira necessidade — a necessidade da mera subsistência — povoavam aquelas imensidões de desgraça.A mentira, quando se volve em sistema, traz consigo estes estranhos efeitos de opacidade mental.E as sociedades insularizadas pela opressão e vigilância policial, perdem o sentido do equilíbrio e o segredo da concordância nas palavras e nos actos.Voltemos então à questão inicial, a isso do conservantismo e progressismo. Tenho de cor a essência desses estudos, de Chesterton, de Carlos Lage, de Gustavo Corção e outros filósofos contemporâneos. Ali se desmascara a mentira esquerdista e se demonstra com clareza meridiana esta coisa surpreendente: só os conservadores são capazes de progresso porque os progressistas constituem, por intrínseca deformação e invencível pendor, os artistas da anarquia e do imobilismo.Toda essa conclusão flui das seguintes premissas:O motor da evolução social (não confundir com evolucionismo que é parente chegado da mentira progressista) assenta na ideia de reforma. Reforma postula a base inalterável do que está correcto para sobre ela se edificar a necessária inovação. O ilogismo chamado progressista provém dessa contradição: partir às cegas! O progressista, como lucidamente criticava o pensador inglês, exemplifica a irracionalidade do sistema: arranca do nada para o desconhecido; destrói tudo em nome da aventura das palavras.Ora quando nestas colunas se fala em Salazar não é para lhe ressuscitar o governo nem para matar uma saudade irremediável. Salazar, se fosse vivo, ele próprio tomaria as opções políticas da hora que passa — mudando certamente sem se contradizer, reformando sem perder o fito histórico e a sua luminosa consciência de sábio.Mas felizmente para todos (e abeiramo-nos do tempo das grandes conversões) Salazar, sem querer, deixou a única obra de filosofia política digna desse nome à escala mundial. Como refere Ploncard d`Assac, é obra de um filósofo que teve a poderosa intuição da perenidade do pensamento. Até de pequenas circunstâncias históricas (e o governante português tinha como ninguém o sentido da grandeza do Estado e a noção das proporções) Salazar deixou sempre o traslado das frases que não envelhecem e o segredo das soluções que desafiam o tempo.O seu conceito de democracia orgânica abisma no vazio e na inutilidade prática esta partidocracia que se perde em discussões estéreis, em erros condenados pela História, e em guerras que consomem inutilmente as energias da nação.Decerto que o corporativismo não era perfeito e não resultou em toda a linha nem pôde ser aplicado na totalidade da lógica do seu sistema. O Portugal que foi entregue a Salazar para o arrancar à descrença, ao conformismo e desordem mortal, era um mosaico de traições à História, uma satânica renegação do seu destino. Não dispondo de outro apoio senão o do seu génio de governante e o da sua integridade e autoridade moral, Salazar teve de parar algumas vezes no trajecto histórico diante dos abencerragens dos erros passados. Com razão se diz que a sua tarefa espantosa de manter Portugal neutro durante a Guerra foi mais difícil em relação aos seus inimigos de dentro do que relativamente aos beligerantes. Nomeadamente, o embaixador em Londres, conspirando junto do Govemo britânico, deu mais trabalho e dores de cabeça a Salazar do que as vicissitudes do conflito e as flutuações da sorte da guerra.Ora os discursos do político português oferecem hoje a mais fecunda e admirável lição. E também a mais actual. Neles se reflecte a essência do pensamento das encíclicas para a questão social, a construção de uma cidade em que os homens hão-de conviver na paz e no equilíbrio, o valor imprescindível da autoridade para garantia da liberdade, as constantes do nosso destino eterno como inspiração das instituições basilares da sociedade.A tudo isto, que nos surge vasado em trechos de antologia, juntou Salazar a previsão dos acontecimentos, de modo que se pode sustentar que foi, em vida e em sentido vulgar, o único profeta dos estranhos caminhos do Homem neste século e nos mais próximos vindouros.Último grande europeu, no sentido civilizacional, combateu até ao último sopro de vida as ideologias que precipitaram a Europa no negativismo mais torpe e no mais cruel despotismo de que há memória. Os acontecimentos viriam a dar-lhe, contra a expectativa dos seus adversários e a generalidade dos contemporâneos enlouquecidos por ideologias condenadas e mitos passageiros, aquilo que imortaliza um ser humano: a plena razão dos seus juizos sobre o futuro.A Direita reivindica em exclusivo essa honra de ter razão. E de ser o caminho da restituição do sentido divino da História. Salazar deixou-lhe a mais lídima e fecunda das heranças — a de um progresso verdadeiro, baseado na ideia de reforma que só os verdadeiros conservadores possuem.(In O Dia, 14.05.1994)

Há alguns anos, uma editorial brasileira decidiu juntar no mesmo volume de ensaios os estudos de grandes mestres do pensamento político para deslindarem de vez a nebulosa questão do progressismo e do conservantismo. A urgência da clarificação doutrinal justificava-se na altura para acudir à desorientação que lavrava no seio do próprio Catolicismo, batido pelos falsificadores doutrinais do Concílio Vaticano II e pela acção corrosiva dos marxistas instalados nos grandes meios de comunicação.A esquerda teve sempre a preocupação maléfica de envenenar o discurso, de corromper as palavras, de confundir os conceitos para depois nessa paisagem alastrada de ruínas erguer o seu verbo prostituído.A breve trecho, o público de boa fé já abundava na excomunhão do conservantismo, tomado como expressão de uma direita retrógrada, fascista, opressora, inimiga do progresso humano, aliada do capitalismo selvagem e da conspiração contra as conquistas sociais.Convém assinalar que a esquerda, professando o programa de que a mentira muito repetida se transforma em verdade, começa por ser ela própria a vítima da repetição. Alguns dos brilhantes ornamentos da Esquerda já mentem tão despudoradamente às plateias que abrem margem a tal suspeita de corrupção da vontade e da mente. Aliás, a história do comunismo anda cheia dessas proezas do ridículo, desses novos cavaleiros da triste figura. Ainda me lembro quando Cunhal garantiu a Letria, na TV, que o seu vencimento mensal orçava pelos 7.500$00! Joaquim Letria terá as convicções que tiver, mas, além de jornalista brilhante, possui a noção do ridículo e refuga de si a condição de receptáculo destes disparates. E fez o que lhe cumpria: deixou Cunhal a gaguejar.Mas não seria caso único. O embaixador soviético, no tempo em que já se amanhava politicamente este rectângulo europeu como uma republiqueta popular democrática, tudo de parceria com o MFA, subiu à tribuna televisiva e garantiu aos portugueses que a U.R.S.S. fora surpreendida com uma iniciativa dos trabalhadores, em massa, exigindo do governo soviético a subida do preço dos combustíveis!Perante o olhar atónito dos entrevistadores de serviço, o diplomata tentou justificar o embuste alegando que a consciência proletária possuía dessas virtudes heróicas da devoção ao partido e ao povo, esquecendo-se naturalmente de mencionar que o povo passava necessidades extremas e que as filas para a obtenção de rações de primeira necessidade — a necessidade da mera subsistência — povoavam aquelas imensidões de desgraça.A mentira, quando se volve em sistema, traz consigo estes estranhos efeitos de opacidade mental.E as sociedades insularizadas pela opressão e vigilância policial, perdem o sentido do equilíbrio e o segredo da concordância nas palavras e nos actos.Voltemos então à questão inicial, a isso do conservantismo e progressismo. Tenho de cor a essência desses estudos, de Chesterton, de Carlos Lage, de Gustavo Corção e outros filósofos contemporâneos. Ali se desmascara a mentira esquerdista e se demonstra com clareza meridiana esta coisa surpreendente: só os conservadores são capazes de progresso porque os progressistas constituem, por intrínseca deformação e invencível pendor, os artistas da anarquia e do imobilismo.Toda essa conclusão flui das seguintes premissas:O motor da evolução social (não confundir com evolucionismo que é parente chegado da mentira progressista) assenta na ideia de reforma. Reforma postula a base inalterável do que está correcto para sobre ela se edificar a necessária inovação. O ilogismo chamado progressista provém dessa contradição: partir às cegas! O progressista, como lucidamente criticava o pensador inglês, exemplifica a irracionalidade do sistema: arranca do nada para o desconhecido; destrói tudo em nome da aventura das palavras.Ora quando nestas colunas se fala em Salazar não é para lhe ressuscitar o governo nem para matar uma saudade irremediável. Salazar, se fosse vivo, ele próprio tomaria as opções políticas da hora que passa — mudando certamente sem se contradizer, reformando sem perder o fito histórico e a sua luminosa consciência de sábio.Mas felizmente para todos (e abeiramo-nos do tempo das grandes conversões) Salazar, sem querer, deixou a única obra de filosofia política digna desse nome à escala mundial. Como refere Ploncard d`Assac, é obra de um filósofo que teve a poderosa intuição da perenidade do pensamento. Até de pequenas circunstâncias históricas (e o governante português tinha como ninguém o sentido da grandeza do Estado e a noção das proporções) Salazar deixou sempre o traslado das frases que não envelhecem e o segredo das soluções que desafiam o tempo.O seu conceito de democracia orgânica abisma no vazio e na inutilidade prática esta partidocracia que se perde em discussões estéreis, em erros condenados pela História, e em guerras que consomem inutilmente as energias da nação.Decerto que o corporativismo não era perfeito e não resultou em toda a linha nem pôde ser aplicado na totalidade da lógica do seu sistema. O Portugal que foi entregue a Salazar para o arrancar à descrença, ao conformismo e desordem mortal, era um mosaico de traições à História, uma satânica renegação do seu destino. Não dispondo de outro apoio senão o do seu génio de governante e o da sua integridade e autoridade moral, Salazar teve de parar algumas vezes no trajecto histórico diante dos abencerragens dos erros passados. Com razão se diz que a sua tarefa espantosa de manter Portugal neutro durante a Guerra foi mais difícil em relação aos seus inimigos de dentro do que relativamente aos beligerantes. Nomeadamente, o embaixador em Londres, conspirando junto do Govemo britânico, deu mais trabalho e dores de cabeça a Salazar do que as vicissitudes do conflito e as flutuações da sorte da guerra.Ora os discursos do político português oferecem hoje a mais fecunda e admirável lição. E também a mais actual. Neles se reflecte a essência do pensamento das encíclicas para a questão social, a construção de uma cidade em que os homens hão-de conviver na paz e no equilíbrio, o valor imprescindível da autoridade para garantia da liberdade, as constantes do nosso destino eterno como inspiração das instituições basilares da sociedade.A tudo isto, que nos surge vasado em trechos de antologia, juntou Salazar a previsão dos acontecimentos, de modo que se pode sustentar que foi, em vida e em sentido vulgar, o único profeta dos estranhos caminhos do Homem neste século e nos mais próximos vindouros.Último grande europeu, no sentido civilizacional, combateu até ao último sopro de vida as ideologias que precipitaram a Europa no negativismo mais torpe e no mais cruel despotismo de que há memória. Os acontecimentos viriam a dar-lhe, contra a expectativa dos seus adversários e a generalidade dos contemporâneos enlouquecidos por ideologias condenadas e mitos passageiros, aquilo que imortaliza um ser humano: a plena razão dos seus juizos sobre o futuro.A Direita reivindica em exclusivo essa honra de ter razão. E de ser o caminho da restituição do sentido divino da História. Salazar deixou-lhe a mais lídima e fecunda das heranças — a de um progresso verdadeiro, baseado na ideia de reforma que só os verdadeiros conservadores possuem.(In O Dia, 14.05.1994)

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