POBREZA NA IMPRENSA: Avisos ignorados e soluções adiadas

03-10-2009
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Alexandra Figueira, in Jornal de NotíciasEra uma questão de tempo. Durante décadas, a protecção política dada à economia portuguesa permitiu ao Norte liderar o país, ao especializar-se numa indústria fortemente exportadora, mas apostando em baixos salários para oferecer aos países ricos produtos semi-manufacturados, sem etiqueta, ao preço da chuva. A abertura de fronteiras e a globalização aliaram-se ao marasmo de empresários, trabalhadores e políticos para criar uma crise interminável.As campainhas de alarme começaram a soar nos anos 80, quando a palavra concorrência tomou corpo com a abertura de fronteiras à Europa e, pela primeira vez, se fez ouvir a expressão "mudar o paradigma de desenvolvimento económico", para mais valor acrescentado e inovação. Soaram, mas aparentemente demasiado baixo, já que duas décadas e muitos milhares de milhões de euros de subsídios comunitários depois, a região está a perder riqueza e a afastar-se, implacavelmente, da Europa.Já no início desta década, a entrada em força da China e outros países do Extremo Oriente no comércio mundial deitou por terra qualquer possibilidade de sobrevivência em grande escala da velha indústria nortenha. Não de toda, claro, já que até entre o tradicional têxtil e calçado há bons exemplos de empresas e empresários. Não estão, infelizmente, em maioria, entre a imensa massa de pequenas e médias empresas que têm fechado as portas a um ritmo superior ao do resto do país. Eram estas as empresas que juntavam os seus grãos para enviar para o estrangeiro metade das exportações do país e que, apesar do desemprego bem acima da média, ainda empregam um terço dos trabalhadores do país.Todos estes golpes à economia da região, resume António Marques, presidente da Associação Industrial do Minho, tiveram uma consequência "a base produtiva do Norte capitulou".Norte arrasta paísTêm sido várias as pessoas, como os deputados europeus Elisa Ferreira ou Silva Peneda, a avisar para a urgência de inverter a crise no Norte que, pelo peso que ainda tem na economia nacional, arrastou no ano passado o país para o pior desempenho de toda a União.Uma das causas da crise, dizem, é a lentidão com que o Norte - empresários e trabalhadores, representantes políticos e sociedade civil - está a acordar para a inevitabilidade de aderir ao tal novo paradigma de desenvolvimento. Tanto que o modelo económico tradicional sempre tinha funcionado bem. O difícil, disse Alberto Castro, director da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica do Porto, era actualizá-lo em tempo útil. O professor não foi surpreendido pela crise, e afirma até que só não aconteceu antes porque houve inúmeros incentivos que funcionaram como amortecedores. Tal como o que Carlos Lage, presidente da Comissão de Coordenação do Norte, chama de "polivalência das gentes" do Norte "As pessoas trabalhavam na indústria, mas também na agricultura e no comércio", o que ajudava as famílias a esticar o rendimento até ao final do mês. A crise social que hoje corre a céu aberto manteve-se, por isso, escondida durante mais alguns anos.Esta almofada desviou as atenções do que realmente se passava no Mundo mercados abertos e concorrência feroz. E surgiram imensos países que fazem hoje a Portugal o que Portugal fazia à Suécia, por exemplo: mantêm salários baixos para inundar os mercados mais ricos com os seus produtos baratos, à custa das indústrias locais.Enquanto isso, o Norte recebia a maior fatia dos milhões de Bruxelas para modernizar a indústria e formar os trabalhadores, mas tornava-se um bom cliente da Ferrari; era avisada repetidas vezes para a inevitabilidade de produzir outro tipo de bens e, ainda assim, tardava em perceber a importância de uma marca própria ou da inovação.Lisboa alheada do paísEnquanto a descentralização do poder continuar a ser uma promessa eleitoral feita a cada quatro anos, o país, Norte incluído, não tem alternativa senão sensibilizar o Governo para o facto de Portugal não terminar nas fronteiras de Lisboa, dizem os especialistas ouvidos pelo JN. Até ver, o Orçamento de Estado continua a privilegiar a capital, os centros de competência reforçam o centralismo e não só os mais qualificados serviços do Estado e sedes das maiores empresas (algumas públicas) se mantêm em Lisboa, como o resto do país tem vindo a ser depauperado. Já no tempo das privatizações poucas foram as empresas colocadas junto de investidores do Norte e a tendência de esvaziar o resto do país de centros de competência continua. Vejam-se os novos organismos sediados em Lisboa, como a Agência para a Segurança Marítima ou a que fiscalizará o Ensino Superior. Ou o esvaziamento de outros, como a Agência para o Investimento (API) e o Instituto Nacional de Estatística, ambos, até há poucos anos, vibrantes no Porto. Todos estes factores, diz Elisa Ferreira, contribuem para que Lisboa tenha, de longe, o emprego mais qualificado e os trabalhadores melhor pagos.Alberto Castro acredita que cabem, assim, ao Governo sinais "duplamente errados políticas que permitiram a subsistência de modelos de especialização desadequados e decisões que levaram à concentração de centros de decisão em Lisboa". A dupla responsabilidade lisboeta e o alheamento do Norte são evidências, mas o importante agora é procurar saídas. Tanto que, mais díficil do que apontar culpados, é encontrar inocentes.


Alexandra Figueira, in Jornal de NotíciasEra uma questão de tempo. Durante décadas, a protecção política dada à economia portuguesa permitiu ao Norte liderar o país, ao especializar-se numa indústria fortemente exportadora, mas apostando em baixos salários para oferecer aos países ricos produtos semi-manufacturados, sem etiqueta, ao preço da chuva. A abertura de fronteiras e a globalização aliaram-se ao marasmo de empresários, trabalhadores e políticos para criar uma crise interminável.As campainhas de alarme começaram a soar nos anos 80, quando a palavra concorrência tomou corpo com a abertura de fronteiras à Europa e, pela primeira vez, se fez ouvir a expressão "mudar o paradigma de desenvolvimento económico", para mais valor acrescentado e inovação. Soaram, mas aparentemente demasiado baixo, já que duas décadas e muitos milhares de milhões de euros de subsídios comunitários depois, a região está a perder riqueza e a afastar-se, implacavelmente, da Europa.Já no início desta década, a entrada em força da China e outros países do Extremo Oriente no comércio mundial deitou por terra qualquer possibilidade de sobrevivência em grande escala da velha indústria nortenha. Não de toda, claro, já que até entre o tradicional têxtil e calçado há bons exemplos de empresas e empresários. Não estão, infelizmente, em maioria, entre a imensa massa de pequenas e médias empresas que têm fechado as portas a um ritmo superior ao do resto do país. Eram estas as empresas que juntavam os seus grãos para enviar para o estrangeiro metade das exportações do país e que, apesar do desemprego bem acima da média, ainda empregam um terço dos trabalhadores do país.Todos estes golpes à economia da região, resume António Marques, presidente da Associação Industrial do Minho, tiveram uma consequência "a base produtiva do Norte capitulou".Norte arrasta paísTêm sido várias as pessoas, como os deputados europeus Elisa Ferreira ou Silva Peneda, a avisar para a urgência de inverter a crise no Norte que, pelo peso que ainda tem na economia nacional, arrastou no ano passado o país para o pior desempenho de toda a União.Uma das causas da crise, dizem, é a lentidão com que o Norte - empresários e trabalhadores, representantes políticos e sociedade civil - está a acordar para a inevitabilidade de aderir ao tal novo paradigma de desenvolvimento. Tanto que o modelo económico tradicional sempre tinha funcionado bem. O difícil, disse Alberto Castro, director da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica do Porto, era actualizá-lo em tempo útil. O professor não foi surpreendido pela crise, e afirma até que só não aconteceu antes porque houve inúmeros incentivos que funcionaram como amortecedores. Tal como o que Carlos Lage, presidente da Comissão de Coordenação do Norte, chama de "polivalência das gentes" do Norte "As pessoas trabalhavam na indústria, mas também na agricultura e no comércio", o que ajudava as famílias a esticar o rendimento até ao final do mês. A crise social que hoje corre a céu aberto manteve-se, por isso, escondida durante mais alguns anos.Esta almofada desviou as atenções do que realmente se passava no Mundo mercados abertos e concorrência feroz. E surgiram imensos países que fazem hoje a Portugal o que Portugal fazia à Suécia, por exemplo: mantêm salários baixos para inundar os mercados mais ricos com os seus produtos baratos, à custa das indústrias locais.Enquanto isso, o Norte recebia a maior fatia dos milhões de Bruxelas para modernizar a indústria e formar os trabalhadores, mas tornava-se um bom cliente da Ferrari; era avisada repetidas vezes para a inevitabilidade de produzir outro tipo de bens e, ainda assim, tardava em perceber a importância de uma marca própria ou da inovação.Lisboa alheada do paísEnquanto a descentralização do poder continuar a ser uma promessa eleitoral feita a cada quatro anos, o país, Norte incluído, não tem alternativa senão sensibilizar o Governo para o facto de Portugal não terminar nas fronteiras de Lisboa, dizem os especialistas ouvidos pelo JN. Até ver, o Orçamento de Estado continua a privilegiar a capital, os centros de competência reforçam o centralismo e não só os mais qualificados serviços do Estado e sedes das maiores empresas (algumas públicas) se mantêm em Lisboa, como o resto do país tem vindo a ser depauperado. Já no tempo das privatizações poucas foram as empresas colocadas junto de investidores do Norte e a tendência de esvaziar o resto do país de centros de competência continua. Vejam-se os novos organismos sediados em Lisboa, como a Agência para a Segurança Marítima ou a que fiscalizará o Ensino Superior. Ou o esvaziamento de outros, como a Agência para o Investimento (API) e o Instituto Nacional de Estatística, ambos, até há poucos anos, vibrantes no Porto. Todos estes factores, diz Elisa Ferreira, contribuem para que Lisboa tenha, de longe, o emprego mais qualificado e os trabalhadores melhor pagos.Alberto Castro acredita que cabem, assim, ao Governo sinais "duplamente errados políticas que permitiram a subsistência de modelos de especialização desadequados e decisões que levaram à concentração de centros de decisão em Lisboa". A dupla responsabilidade lisboeta e o alheamento do Norte são evidências, mas o importante agora é procurar saídas. Tanto que, mais díficil do que apontar culpados, é encontrar inocentes.

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