encapuzado extrovertido: Adriano

05-07-2009
marcar artigo


Revolução e desencanto
Para Adriano Correia de Oliveira, a canção era não apenas uma arma, mas uma forma quase confessional de estar na vida. Ele mesmo o afirmava: “Pratico aquilo que digo na canção. É uma condição fundamental. O importante é que na vida haja coerência absoluta. Os cantores têm a obrigação de se comportar de acordo com o que cantam, embora não mais do que o indivíduo que ouve e adere à canção. O objectivo é que a canção pertença a todos. Eu, por exemplo, no meu comportamento pessoal de vez em quando falho. O que não quer dizer que não me reprove quando isso acontece. Onde eu estiver, quero ser eu. A única coisa que eu entendo que devo exigir, seja onde for, é que me deixem fazer aquilo que eu quero”.
Após o 25 de Abril, Adriano entregou-se à revolução emergente com a mesma generosidade com que havia estado na resistência ao fascismo. Ao lado de Manuel Freire, Zeca Afonso, Fausto e muitos outros, percorreu o país de ponta a ponta nos meses que se seguiram à queda do fascismo. Militante do Partido Comunista, esteve disponível sempre que era chamado, muitas vezes para lugares onde a sua mensagem não era acolhida de bom grado. Por mais do que uma vez esteve à beira de situações que envolviam algum perigo, nomeadamente durante o “Verão quente” de 1975 – nos Açores, chegou a ser perseguido, juntamente com Carlos Paredes, por bandos de arruaceiros – mas enfrentou-as com a mesma dignidade e coragem que revelou possuir nos tempos da ditadura.
Mas o “bom gigante” não conseguiu escapar às malhas da intriga e do oportunismo em que se enredaram alguns dos seus pretensos amigos. E é assim que, em 1981, é expulso da cooperativa Cantarabril, de que foi fundador, perante a revolta impotente de alguns (Carlos do Carmo, Manuel Branco, Ary dos Santos, Paredes, Luís Cília e poucos mais) e o silêncio cúmplice de muitos. O próprio PCP (que, na prática, controlava a Cantarabril) foi frequentemente injusto para com ele. Compreende-se: Adriano era amigo dos seus amigos e não ligava nenhuma às acusações de “esquerdismo” que o seu partido então fazia a cantores como José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho ou José Mário Branco. De igual modo, não hesitou em mostrar-se solidário com o jornalista Júlio Pinto, quando este foi despedido de “O Diário” e expulso do PCP, ou com os activistas do PRP Carlos Antunes e Isabel do Carmo, em greve de fome na prisão.
Tudo isto o tornou incómodo para a ortodoxia do aparelho comunista, mas nem assim alguma vez criticou publicamente o seu partido. Apenas aos amigos mais chegados desabafava: “Se quiserem tirar-me o cartão [do partido], que tirem. Antes do 25 de Abril também não o tinha e não era menos comunista por causa disso”. Mas serão estas pequenas coisas, juntamente com a “normalização” social e política que se seguiu ao 25 de Novembro, que farão crescer nele um imenso desencanto, que tentava contrariar com um excessivo consumo de álcool e sucessivos projectos musicais e discográficos. No entanto, apenas conseguiu concretizar um deles, Cantigas Portuguesas, em 1980, com arranjos e produção de Fausto – que também já colaborara no único outro LP que Adriano gravou depois do 25 de Abril, Que Nunca Mais, de 1975, com poemas de Manuel da Fonseca.
Os últimos tempos passou-os na casa dos pais, em Avintes, o tal “sítio mais bonito do mundo”. Teve tempo ainda para reencontrar velhos amigos, como Manuel Alegre, a quem ofereceu o seu último disco com uma dedicatória esclarecedora: “Em nome do que aprendi contigo aqui fica a certeza de que ninguém nos vai separar e que vamos fazer mais e melhor.” Já não teve tempo para tal. Padecia de cirrose e morreu a meio da tarde de 16 de Outubro de 1982, nos braços da mãe.
Viriato Teles
Texto publicado no semanário “GrandAmadora”, 6-4-2000


Revolução e desencanto
Para Adriano Correia de Oliveira, a canção era não apenas uma arma, mas uma forma quase confessional de estar na vida. Ele mesmo o afirmava: “Pratico aquilo que digo na canção. É uma condição fundamental. O importante é que na vida haja coerência absoluta. Os cantores têm a obrigação de se comportar de acordo com o que cantam, embora não mais do que o indivíduo que ouve e adere à canção. O objectivo é que a canção pertença a todos. Eu, por exemplo, no meu comportamento pessoal de vez em quando falho. O que não quer dizer que não me reprove quando isso acontece. Onde eu estiver, quero ser eu. A única coisa que eu entendo que devo exigir, seja onde for, é que me deixem fazer aquilo que eu quero”.
Após o 25 de Abril, Adriano entregou-se à revolução emergente com a mesma generosidade com que havia estado na resistência ao fascismo. Ao lado de Manuel Freire, Zeca Afonso, Fausto e muitos outros, percorreu o país de ponta a ponta nos meses que se seguiram à queda do fascismo. Militante do Partido Comunista, esteve disponível sempre que era chamado, muitas vezes para lugares onde a sua mensagem não era acolhida de bom grado. Por mais do que uma vez esteve à beira de situações que envolviam algum perigo, nomeadamente durante o “Verão quente” de 1975 – nos Açores, chegou a ser perseguido, juntamente com Carlos Paredes, por bandos de arruaceiros – mas enfrentou-as com a mesma dignidade e coragem que revelou possuir nos tempos da ditadura.
Mas o “bom gigante” não conseguiu escapar às malhas da intriga e do oportunismo em que se enredaram alguns dos seus pretensos amigos. E é assim que, em 1981, é expulso da cooperativa Cantarabril, de que foi fundador, perante a revolta impotente de alguns (Carlos do Carmo, Manuel Branco, Ary dos Santos, Paredes, Luís Cília e poucos mais) e o silêncio cúmplice de muitos. O próprio PCP (que, na prática, controlava a Cantarabril) foi frequentemente injusto para com ele. Compreende-se: Adriano era amigo dos seus amigos e não ligava nenhuma às acusações de “esquerdismo” que o seu partido então fazia a cantores como José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho ou José Mário Branco. De igual modo, não hesitou em mostrar-se solidário com o jornalista Júlio Pinto, quando este foi despedido de “O Diário” e expulso do PCP, ou com os activistas do PRP Carlos Antunes e Isabel do Carmo, em greve de fome na prisão.
Tudo isto o tornou incómodo para a ortodoxia do aparelho comunista, mas nem assim alguma vez criticou publicamente o seu partido. Apenas aos amigos mais chegados desabafava: “Se quiserem tirar-me o cartão [do partido], que tirem. Antes do 25 de Abril também não o tinha e não era menos comunista por causa disso”. Mas serão estas pequenas coisas, juntamente com a “normalização” social e política que se seguiu ao 25 de Novembro, que farão crescer nele um imenso desencanto, que tentava contrariar com um excessivo consumo de álcool e sucessivos projectos musicais e discográficos. No entanto, apenas conseguiu concretizar um deles, Cantigas Portuguesas, em 1980, com arranjos e produção de Fausto – que também já colaborara no único outro LP que Adriano gravou depois do 25 de Abril, Que Nunca Mais, de 1975, com poemas de Manuel da Fonseca.
Os últimos tempos passou-os na casa dos pais, em Avintes, o tal “sítio mais bonito do mundo”. Teve tempo ainda para reencontrar velhos amigos, como Manuel Alegre, a quem ofereceu o seu último disco com uma dedicatória esclarecedora: “Em nome do que aprendi contigo aqui fica a certeza de que ninguém nos vai separar e que vamos fazer mais e melhor.” Já não teve tempo para tal. Padecia de cirrose e morreu a meio da tarde de 16 de Outubro de 1982, nos braços da mãe.
Viriato Teles
Texto publicado no semanário “GrandAmadora”, 6-4-2000

marcar artigo