Melo Antunes de A a Z

02-03-2008
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Biografia

Melo Antunes de A a Z

Excertos seleccionados do livro «Melo Antunes. O Sonhador Pragmático», uma entrevista póstuma para a História, que continua a ser feita, da Revolução de 25 de Abril Alterar tamanho RUI OCHÔA É posto à venda na próxima semana o livro Melo Antunes. O Sonhador Pragmático. Trata-se de uma longa entrevista, conduzida por Maria Manuela Cruzeiro, com o principal ideólogo do Movimento das Forças Armadas. Um dos responsáveis pela descolonização e ministro de quatro governos provisórios, foi o autor do célebre Documento dos Nove. Falecido aos 65 anos, em Agosto de 1999, foi promovido a coronel a título póstumo. Iniciativa conjunta do Centro de Documentação 25 de Abril e da Editorial Notícias, o livro será lançado no dia 16, na Gulbenkian. A apresentação será feita pelo general Ramalho Eanes, na presença do Presidente da República. Velho amigo e companheiro de Melo Antunes, Jorge Sampaio foi seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do IV Governo A pedido do EXPRESSO, Jorge Sampaio escreveu o artigo «'Tenho dele uma saudade imensa'». É posto à venda na próxima semana o livro. Trata-se de uma longa entrevista, conduzida por Maria Manuela Cruzeiro, com o principal ideólogo do Movimento das Forças Armadas. Um dos responsáveis pela descolonização e ministro de quatro governos provisórios, foi o autor do célebre Documento dos Nove. Falecido aos 65 anos, em Agosto de 1999, foi promovido a coronel a título póstumo. Iniciativa conjunta do Centro de Documentação 25 de Abril e da Editorial Notícias, o livro será lançado no dia 16, na Gulbenkian. A apresentação será feita pelo general Ramalho Eanes, na presença do Presidente da República. Velho amigo e companheiro de Melo Antunes, Jorge Sampaio foi seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do IV Governo A pedido do EXPRESSO, Jorge Sampaio escreveu o artigo «'Tenho dele uma saudade imensa'».

TEXTOS DE JOSÉ PEDRO CASTANHEIRA A

ÁLVARO CUNHAL Enquanto ministro, «havia uma clara dicotomia na actuação do Álvaro Cunhal, como de resto de todos os dirigentes comunistas que tiveram responsabilidades de poder: uma certa moderação, uma certa sensatez até, não só por razões objectivas limitadoras da sua actuação no Governo, mas também como resultado de uma necessidade de criarem uma imagem de credibilidade; e fora do Governo, então, mestres na agitação (...) Eu acho que o próprio Cunhal sentia realmente a presença de um vanguardismo e de um sectarismo muito fortes, por parte, nomeadamente, de responsáveis militares». A partir de certa altura, o PCP e Cunhal ficaram prisioneiros dos seus quadros militares, «muito mais voltados para a acção, muito mais impacientes e radicalizados, justamente por não terem uma formação teórica suficientemente forte». Enquanto ministro, «havia uma clara dicotomia na actuação do Álvaro Cunhal, como de resto de todos os dirigentes comunistas que tiveram responsabilidades de poder: uma certa moderação, uma certa sensatez até, não só por razões objectivas limitadoras da sua actuação no Governo, mas também como resultado de uma necessidade de criarem uma imagem de credibilidade; e fora do Governo, então, mestres na agitação (...) Eu acho que o próprio Cunhal sentia realmente a presença de um vanguardismo e de um sectarismo muito fortes, por parte, nomeadamente, de responsáveis militares». A partir de certa altura, o PCP e Cunhal ficaram prisioneiros dos seus quadros militares, «muito mais voltados para a acção, muito mais impacientes e radicalizados, justamente por não terem uma formação teórica suficientemente forte». ANGOLA Tentou que o MPLA se mantivesse «autónomo dos apoios, das ajudas, das ligações privilegiadas com a União Soviética e com o bloco comunista no seu conjunto, de modo a cumprir a sua função histórica, que era ser o verdadeiro movimento nacionalista. E claro está que esbarrei com a incompreensão do Agostinho Neto e da maior parte dos dirigentes do MPLA - e refiro-me em especial à reunião que tive com eles em Julho desse ano, a qual correu, de facto, pessimamente». Esforçou-se ainda para «obter uma reconciliação entre a UNITA e o MPLA, para, pelo menos, afastar a força que nos parecia mais perigosa para o futuro de Angola, a FNLA. O Savimbi, como de costume, agiu com toda a má-fé e com toda a manha que lhe era habitual, e foi empatando». ATENTADO O MDLP - sigla do Movimento Democrático de Libertação de Portugal -, liderado por Spínola e Alpoim Calvão, organizou um atentado contra Melo Antunes, que terá sido sabotado pela CIA. O coronel não consegue precisar a data. «Sendo eu ministro dos Negócios Estrangeiros, fui procurado, no ministério, pelo embaixador americano, que era o Carlucci, para me transmitir a informação de que o homem deles dentro do MDLP, isto é, o homem da CIA, tinha dois dias antes informado que estava a ser preparado um atentado para me liquidar fisicamente. A informação chegara ao Departamento de Estado e o próprio Kissinger tinha dado instruções ao Carlucci para, mesmo à custa do sacrifício do agente deles, caso fosse necessário, impedir que o atentado se consumasse. E, portanto, estava-me a transmitir que isso era já um facto passado e que, aparentemente, o agente deles conseguira desmontar e desarticular esse atentado». Apesar de haver «mais do que uma leitura possível» para a iniciativa de Carlucci, Melo Antunes admite que terá havido uma trama do género, «até porque havia antecedentes de tentativas de atentado contra mim». O MDLP - sigla do Movimento Democrático de Libertação de Portugal -, liderado por Spínola e Alpoim Calvão, organizou um atentado contra Melo Antunes, que terá sido sabotado pela CIA. O coronel não consegue precisar a data. «Sendo eu ministro dos Negócios Estrangeiros, fui procurado, no ministério, pelo embaixador americano, que era o Carlucci, para me transmitir a informação de que o homem deles dentro do MDLP, isto é, o homem da CIA, tinha dois dias antes informado que estava a ser preparado um atentado para me liquidar fisicamente. A informação chegara ao Departamento de Estado e o próprio Kissinger tinha dado instruções ao Carlucci para, mesmo à custa do sacrifício do agente deles, caso fosse necessário, impedir que o atentado se consumasse. E, portanto, estava-me a transmitir que isso era já um facto passado e que, aparentemente, o agente deles conseguira desmontar e desarticular esse atentado». Apesar de haver «mais do que uma leitura possível» para a iniciativa de Carlucci, Melo Antunes admite que terá havido uma trama do género, «até porque havia antecedentes de tentativas de atentado contra mim». B

BANDEIRA, JURAMENTO DE Logo após o 25 de Novembro de 1975 foi anulado o célebre juramento de bandeira no Ralis. «O que se passou era perfeitamente inaceitável! (...) Não era possível ter um país minimamente estabilizado sem um Exército, sem umas Forças Armadas com o mínimo de disciplina, o mínimo de coesão, o mínimo de obediência a valores de referência fundamentais. Ora o tipo de juramento de bandeira feito no Ralis... bem, era uma loucura, algo de inconcebível! Nem sequer na União Soviética se fizeram coisas dessas! Nem sequer depois da Revolução de Outubro! Aconteceram cá, porque, de facto, isto era uma mistura de ortodoxia comunista com o espírito libertino e anarquista». C

COSTA GOMES Ao general e Presidente da República «se deve, em grande medida, a vitória das forças democráticas e o êxito da transição democrática». Pelo contrário, o seu antecessor, António de Spínola, «foi uma constante ameaça». Costa Gomes «fazia o papel de constante moderador (...) Percebe-se que tivesse tentado a todo o custo evitar que a confrontação chegasse às últimas consequências. A sua principal preocupação, e bem, foi evitar a guerra civil, porque estivemos à beira disso variadíssimas vezes». D

DESCOLONIZAÇÃO Melo Antunes rejeita com vigor a tese de que «a descolonização foi a possível». Uma tese, diz, destinada a branquear e desculpabilizar a acção de alguns responsáveis - uma das muitas referências que faz a Mário Soares e Almeida Santos, entre outros. «As responsabilidades históricas têm de ser assumidas tanto nos seus aspectos positivos como negativos. O que sempre disse, e aqui reafirmo, é que na condução das negociações houve aspectos negativos, houve aspectos que falharam, e eu assumo-os (...) A descolonização, nomeadamente a de Angola e de Moçambique, não foi a possível, isto é, aquela para que fomos arrastados pelos acontecimentos. Não. A descolonização foi a que tinha sido concebida no projecto revolucionário como um dos objectivos fundamentais da transformação deste país, e isso foi atingido (...) E isso é o que a história vai reter». DOCUMENTO DOS NOVE O famoso texto «foi do mais selvagem que há, do mais revolucionário que há (...) Era um acto de subversão, claro!, exactamente porque se vivia uma revolução!» Surgiu numa altura em que «havia uma luta revolucionária pela conquista do poder, não tenhamos medo das palavras». O seu autor reconhece que «o que se passou nada tem a haver com a ética militar». E argumenta: «O que existia era a indisciplina, a anarquia, a grande confusão, que servia justamente os objectivos daqueles que queriam desviar cada vez mais a Revolução para os objectivos de que muitas vezes falámos, uns de extrema-esquerda, outros próximos do modelo soviético. E, portanto, a nossa luta era impedir politicamente que tal acontecesse, e nesse caso os fins justificavam os meios!» E

ELEIÇÕES Nas vésperas das primeiras eleições livres, a 25 de Abril de 1975, surgiu uma campanha em defesa do voto em branco. «O voto em branco teria significado a recusa de uma Constituição civil, isto é, elaborada pelos partidos políticos (...) Por isso combati fortemente a ideia do voto em branco. E não estou nada arrependido.» Tanto mais que as eleições contaram com «uma participação maciça da população. O que provava que o povo compreendia perfeitamente que só assim era possível encontrar-se o estatuto jurídico-político com o qual o país se podia governar». ERROS Angola foi um dos dossiês onde houve mais erros. Um deles foi sobre a possibilidade de o MPLA e de a UNITA juntarem «forças naquilo que era essencial, reservando as diferenças para um debate normal, democrático, no interior do próprio país. Está claro que me enganei redondamente». O mais grave dos erros foi «a marcação de uma data para a independência sem que estivesse preenchida a condição fundamental da formação de um exército único». Finalmente, o «não reconhecimento imediato do novo país» logo após a independência, o que «teve repercussões muito graves nas relações futuras entre Portugal e Angola». Noutro plano, duvida «se se justificava a continuidade do Conselho da Revolução depois da entrada em vigor da Constituição». Erros, também, na nomeação de pessoas. Dois exemplos: Pires Veloso para comandante da Região Militar do Norte e Pinheiro de Azevedo para primeiro-ministro. F

FEDERAÇÃO Inspirado no livro de Spínola, Portugal e o Futuro, «a linha spinolista não defendia uma mudança de regime no sentido da democratização efectiva, quanto muito propunha uma certa liberalização, que pressupunha, de facto, a federalização do espaço português tal como eles o entendiam em termos imperiais. Mas isso não significava uma mudança de regime tão radical como nós, afinal, acabámos por impor». G

GUERRA COLONIAL Participar na guerra colonial foi «o maior trauma da minha vida, que deixou marcas profundíssimas (...) Era uma contradição terrível, era, ao fim e ao cabo, fazer a guerra do lado errado». Se assim foi, porque fez a guerra? «Eu tinha uma tese», segundo a qual a questão política em Portugal «só seria resolvida através das Forças Armadas». Era «uma ideia muito antiga», razão principal por que se manteve no Exército e fez a guerra. «Era preciso esperar melhor oportunidade, a qual afinal só veio a proporcionar-se em 1974». Em termos psicológicos, «toda a tragédia da guerra colonial foi para mim um tabu durante muitos e muitos anos» e que desencadeou «um mecanismo de recalcamento». A ferida «nunca cicatrizou»; «tenho de viver com ela até ao fim da vida». H

HUMBERTO DELGADO Em 1962, na sequência do desvio do paquete «Santa Maria», «surgiu a proposta de ele vir para São Miguel» - onde Melo Antunes estava colocado. «Tínhamos condições para controlar a ilha, uma vez que todas as unidades militares estavam connosco». A partir dali, Humberto Delgado soltaria «o grito do território livre português, onde se constituiria um governo provisório e se lançaria» um apelo à «insurreição popular, de massas, contra o regime. Bem, eu hoje penso que era uma ideia louca, mas está claro que teria sido um fortíssimo abanão ao regime. O que falhou aí, fundamentalmente, foi o general não ter vindo». Em 1962, na sequência do desvio do paquete «Santa Maria», «surgiu a proposta de ele vir para São Miguel» - onde Melo Antunes estava colocado. «Tínhamos condições para controlar a ilha, uma vez que todas as unidades militares estavam connosco». A partir dali, Humberto Delgado soltaria «o grito do território livre português, onde se constituiria um governo provisório e se lançaria» um apelo à «insurreição popular, de massas, contra o regime. Bem, eu hoje penso que era uma ideia louca, mas está claro que teria sido um fortíssimo abanão ao regime. O que falhou aí, fundamentalmente, foi o general não ter vindo». I

IDEÓLOGO Principal ideólogo do MFA. Foi o autor do seu primeiro texto de fundo, O Movimento, as Forças Armadas e a Nação, do Programa do MFA e do famoso Documento dos Nove, que aglutinou os sectores políticos e militares moderados. «Fui eu que o redigi todo». Na sua concepção, o socialismo «deveria ser plural, não deveria submeter-se à hegemonia de um partido». Um socialismo «sinónimo de democracia no sentido em que seria a realização plena dos ideais democráticos de igualdade, de justiça social... Era uma linguagem completamente diferente da dos sociais-democratas». Para a história da Revolução ficaram ainda as suas declarações a seguir ao 25 de Novembro, opondo-se à eliminação do PCP. «Isso seria um gravíssimo entorse à Revolução.» J

JAIME NEVES Em 25 de Novembro de 1975, houve quem defendesse o «eventual bombardeamento» do regimento de pára-quedistas de Tancos, nas mãos da extrema-esquerda. «Foram os comandos, o próprio Jaime Neves, que puseram essa questão em termos na aparência, tipicamente, militares: para levar as coisas até ao fim, isto é, para ficarmos com a certeza de controlar as coisas, era preciso liquidar militarmente os sediciosos (...) Ora é evidente que me opus terminantemente: ‘As operações militares acabaram, não há mais, as questões que existem são políticas e é politicamente que as vamos resolver.’ Bom, devo dizer que aí tive o imediato apoio do Eanes». K

KISSINGER O secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger tinha, de início, «a ideia de que Portugal estava perdido para a democracia». A sua atitude traduzia «a arrogância do intelectual universitário americano típico, mais exacerbado». Bem diferente foi a visão do seu embaixador em Lisboa. «Eu julgo que o Carlucci teve um mérito importante, que foi a humildade intelectual de tentar perceber o país tal como ele era, e de não querer encaixar a realidade portuguesa nos esquemas americanos. E, portanto, é verdade que as análises que o Carlucci fez e que transmitiu ao Departamento de Estado não coincidiam com os esquemas dogmáticos do Kissinger.» O secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger tinha, de início, «a ideia de que Portugal estava perdido para a democracia». A sua atitude traduzia «a arrogância do intelectual universitário americano típico, mais exacerbado». Bem diferente foi a visão do seu embaixador em Lisboa. «Eu julgo que o Carlucci teve um mérito importante, que foi a humildade intelectual de tentar perceber o país tal como ele era, e de não querer encaixar a realidade portuguesa nos esquemas americanos. E, portanto, é verdade que as análises que o Carlucci fez e que transmitiu ao Departamento de Estado não coincidiam com os esquemas dogmáticos do Kissinger.» L

LIBERDADE DE EXPRESSÃO A ocupação do jornal «República» tornou-se «o símbolo da luta conduzida pelo PS, em nome da liberdade e das liberdades, contra a tentativa de controlo total dos meios de comunicação por parte do Partido Comunista». Em torno do caso «República» levantaram-se «realmente questões teóricas e práticas importantes em termos revolucionários». Uma das mais relevantes «era saber até que ponto os trabalhadores tinham ou não o direito de controlar o labor intelectual das redacções e das direcções dos jornais». Outro caso célebre foi o silenciamento da Rádio Renascença, cujas antenas foram destruídas à bomba. «Foi uma decisão isolada» do primeiro-ministro, «numa daquelas explosões de ira que por vezes ele tinha». O Pinheiro de Azevedo, «quando entrava numa dessas situações de perda de controlo, ninguém o conseguia agarrar». M

MÁRIO SOARES Depois de Spínola, é o nome mais vezes referido no livro, num tom sempre muito crítico. O primeiro encontro entre os dois foi logo marcado por um desacordo: Soares convidou-o em 1969 para ser candidato pela CEUD, mas o militar recusou. Pouco depois, a instâncias de Sottomayor Cardia, foi chamado a participar no programa do PS. Novo desacordo: «A minha contribuição para o programa do Partido Socialista acabou por ser, em grande parte, censurada pelo próprio Mário Soares». Com o II Governo Provisório, passaram a partilhar o dossiê da descolonização. «Desde o princípio era nítido que as nossas visões não coincidiam perfeitamente e, portanto, começou logo aí um mal-estar crescente nas minhas relações com Mário Soares.» Divergências também com Almeida Santos. Não perdoa aos dois as «sibilinas acusações» feitas a propósito das negociações com a Frelimo. O Verão Quente não mudou as coisas: o «entendimento estreito com o Mário Soares nunca foi possível». Mostra-se particularmente magoado com as críticas à linguagem do Documento dos Nove, que Soares considerou «intragável, marxizante», a ponto de ter admitido que «não o subscreveria porque não a entendia». Como é possível que dois homens da mesma área tenham permanecido de costas voltadas? «Talvez tivéssemos não só temperamentos diferentes como formas diferenciadas de encarar a vida política em Portugal.» O coronel concretiza: «Ele tem uma visão da história que é muito a das lutas pessoais pelo poder, pelos lugares, pelas amizades, pelas influências, por isto e por aquilo...» Sugere mesmo que a interpretação de Soares do 25 de Novembro e do papel do PS «é uma pura falsificação da história». Depois de Spínola, é o nome mais vezes referido no livro, num tom sempre muito crítico. O primeiro encontro entre os dois foi logo marcado por um desacordo: Soares convidou-o em 1969 para ser candidato pela CEUD, mas o militar recusou. Pouco depois, a instâncias de Sottomayor Cardia, foi chamado a participar no programa do PS. Novo desacordo: «A minha contribuição para o programa do Partido Socialista acabou por ser, em grande parte, censurada pelo próprio Mário Soares». Com o II Governo Provisório, passaram a partilhar o dossiê da descolonização. «Desde o princípio era nítido que as nossas visões não coincidiam perfeitamente e, portanto, começou logo aí um mal-estar crescente nas minhas relações com Mário Soares.» Divergências também com Almeida Santos. Não perdoa aos dois as «sibilinas acusações» feitas a propósito das negociações com a Frelimo. O Verão Quente não mudou as coisas: o «entendimento estreito com o Mário Soares nunca foi possível». Mostra-se particularmente magoado com as críticas à linguagem do Documento dos Nove, que Soares considerou «intragável, marxizante», a ponto de ter admitido que «não o subscreveria porque não a entendia». Como é possível que dois homens da mesma área tenham permanecido de costas voltadas? «Talvez tivéssemos não só temperamentos diferentes como formas diferenciadas de encarar a vida política em Portugal.» O coronel concretiza: «Ele tem uma visão da história que é muito a das lutas pessoais pelo poder, pelos lugares, pelas amizades, pelas influências, por isto e por aquilo...» Sugere mesmo que a interpretação de Soares do 25 de Novembro e do papel do PS «é uma pura falsificação da história». MOÇAMBIQUE A fuga, em massa, da população branca foi um dos efeitos mais negativos da descolonização. «Tenho de dizer com toda a clareza: a principal responsabilidade dessa situação, de tudo daquilo que se passou, é da Frelimo, que se desviou do espírito dos Acordos de Lusaca.» Com efeito, a Frelimo alimentou «a atitude de repúdio, de rejeição e de ataque às posições portuguesas em Moçambique» - o que transpareceu no «discurso do Samora Machel no dia da independência». Prevaleceu a «ideia de que a independência significava o corte, tão radical quanto possível, com a antiga potência colonial e a aproximação com modelos de sociedade (...) do tipo soviético». O resultado foi «um desastre total e completo». «O próprio Samora Machel, que inicialmente embarca neste radicalismo, vem a reconhecer mais tarde os erros que cometeu e começa a fazer marcha-atrás», e enceta uma «aproximação com Portugal. Mas a verdade é que o grande mal já estava feito». N

NACIONALIZAÇÕES Com o 11 de Março, tornou-se claro que «a dinâmica social e política tinha subvertido tudo, queimara todas as etapas». Por essa razão, «não me opus ao programa das nacionalizações que se fizeram naquele momento. Nem eu nem muitos daqueles que trabalharam comigo no plano económico e social», como Silva Lopes, Vítor Constâncio e Rui Vilar. «Nenhum se levantou contra o programa das nacionalizações que imediatamente se seguiu, e que era inevitável. Agora, o que aconteceu é que se fizeram muitas de forma indirecta», incluindo órgãos de comunicação social e outros sectores de menor importância. «Tudo isso poderia ser corrigido e deveria tê-lo sido logo, na altura, só que não foi.» O

OTELO SARAIVA DE CARVALHO No Verão Quente, houve reuniões entre promotores do Documento do Copcon e do Documento dos Nove. A ideia era «juntar essas duas forças que tinham um inimigo comum: a facção representada por Vasco Gonçalves». Otelo era quem aparecia pelo lado do Copcon. «Ele saía de uma reunião, na aparência, convencido, mas na seguinte desdizia-se das posições anteriormente assumidas. Portanto, acho que existia na realidade uma espécie de comissão-sombra do Otelo». Quem é que influenciava tão profundamente o estratego do 25 de Abril? «Era o grupo do Carlos Antunes e da Isabel do Carmo, e talvez alguns do MES e da UDP. Enfim, no fundo, toda a extrema-esquerda estava ali concentrada, investira todo o seu capital no Otelo.» P

PIRES VELOSO Comandante da Região Militar do Norte, «o Pires Veloso, depois de estar no Porto, e penso que por influência de todo um ambiente social e político lá do Norte, rapidamente derivou para posições de direita claríssimas». Vindo de São Tomé, «proclamava constantemente a sua fé democrática, que, de facto, durou poucas semanas. E, como era oportunista e ambicioso, deve ter pensado, ou devem-no ter convencido - lá no Norte -, de que poderia ser, digamos assim, o cabecilha de uma reviravolta muito mais profunda - a que a direita quis fazer depois, em 25 de Novembro». Aclamado por alguns sectores como vice-rei do Norte, era «um louco e também um oportunista da pior espécie». Q

QUINTO GOVERNO Uma das raras críticas que Melo Antunes faz a Costa Gomes é sobre a constituição do Quinto Governo Provisório. «Esse Governo do Vasco Gonçalves não se justifica de forma alguma. Foi mais um factor de perturbação, um atraso grande na tentativa de estabilizar a situação e constituiu um erro político grave.» R

RAMALHO EANES «Nos aspectos essenciais mantivemos uma certa unidade de pensamento e até de acção. Onde divergimos, e isso é mais ou menos conhecido, foi na forma como ele entendeu fazer a ‘normalização’ das Forças Armadas. Acho que fez cedências excessivas aos sectores mais conservadores, as quais estão na base de desvios de direita muito importantes.» Eanes é acusado, em particular, de ter votado «ao ostracismo» os elementos do Grupo dos Nove com legítimas «ambições militares», como Pezarat Correia. «Esse é um caso típico, o mais flagrante. Do meu ponto de vista, é o mais escandaloso, assim como o do Garcia dos Santos, que acabou por ser general, mas foi posto na prateleira.» No que respeita a Vasco Gonçalves, «é evidente que já não tinha lugar nas Forças Armadas Portuguesas, tal como o Carlos Fabião, pois, de alguma maneira, eles eram representativos de uma certa concepção que contribuíra para a desestabilização total do país». ROSA COUTINHO Melo Antunes distancia-se da gestão do almirante em Angola. «Aqui entre nós», confidencia à sua entrevistadora, Rosa Coutinho «favoreceu o mais que pôde o MPLA, mas, no fundo, era o nosso coração a falar». Coutinho foi «o grande inspirador» de uma tese segundo a qual o MFA seria «o movimento de libertação do povo português». «Eu nunca estive de acordo com essa tese (...) sempre achei isso ridículo.» Na mesma linha, Rosa Coutinho terá sido o responsável pela divulgação do modelo aplicado pelo general Alvarado no Peru. «Aquando de uma visita oficial ao Peru, inserido numa delegação do Conselho da Revolução, suponho eu, veio de lá entusiasmadíssimo, disse que ‘aquilo é que interessava a Portugal’, pois encaminharia o país para o verdadeiro socialismo, e não sei que mais.» S

SEXTO GOVERNO Um dos projectos do governo de Pinheiro de Azevedo foi o de se instalar no Porto, deixando Lisboa e o Sul aos seus adversários. A «ideia da fuga para o Norte» era «totalmente disparatada, que só iria, obviamente, dramatizar a situação e que poderia conduzir de facto, sei lá... à tal guerra civil». A inspiração partiu do comandante Gomes Mota, que também gizou a ideia do Governo entrar em greve. «Isso foi mais uma ideia do Gomes Mota!» Tratou-se de «uma infantilidade perfeitamente inacreditável». T

TANCOS A Assembleia do MFA de 5 de Setembro de 1975, em Tancos, foi decisiva. Ela foi o palco de «um choque frontal, talvez pela primeira vez à luz do dia» entre Vasco Gonçalves e Melo Antunes. «Foi, de facto, uma assembleia relativamente agitada, porque os nervos estavam à flor da pele.» Gonçalves «levava um texto preparado, escrito, que leu aí durante um quarto de hora, mais ou menos, um texto ideológico, procurando justificar no plano político as posições que sempre tinha defendido». Antunes falou logo a seguir. «Rebato, ponto por ponto, as posições do general Vasco Gonçalves e faço-o, obviamente, denunciando o que, do meu ponto de vista, seria uma catástrofe para o país, se a assembleia aceitasse as suas propostas. E julgo que foi aí que ocorreu a grande mudança histórica, porque muitos dos elementos do Exército presentes» pareciam divididos e hesitantes. «Foi definitivo, decisivo, para o futuro, essa confrontação. O Vasco Gonçalves percebeu que perdera terreno e acabou por sair intempestivamente no final da minha intervenção.» U

UNIÃO SOVIÉTICA A posição oficial da URSS «era de perfeita neutralidade: os portugueses resolverão os seus problemas como entenderem. Nunca escamotearam o facto de terem relações privilegiadas com o Partido Comunista Português, mas também jamais deram a entender, ou sugeriram, que seria bom para eles que em Portugal se instalasse um regime comunista. Acho até que eles não o quereriam». O ex-ministro dos Estrangeiros não acredita «que os soviéticos corressem o risco de apoiar tão claramente, tão decididamente, a tomada do poder pelos comunistas em Portugal» e a sua transformação numa espécie de Cuba na Europa. «Já tinham a zona de influência suficiente para se baterem, digamos, em pé de igualdade, no plano político-militar, com a outra superpotência, que eram os Estados Unidos. Agora criarem um abcesso no interior da área que, teoricamente, era de influência americana suponho que seria um erro estratégico medonho, que não estariam dispostos a correr.» V

VASCO GONÇALVES Melo Antunes só o conheceu depois do 25 de Abril e pertenceu a três dos seus quatro governos. Até ao final de 1974, o entendimento com o primeiro-ministro, «se não era perfeito, foi, sem dúvida, suficientemente sólido para podermos ambos ter concepções relativamente coincidentes sobre as grandes linhas de rumo que era necessário imprimir ao país». As divergências a sério começaram em Dezembro de 1974, «aquando da elaboração do Plano Económico e Social». A partir do 11 de Março, «foram patentes as dificuldades cada vez maiores de comunicação», até à ruptura final. «Eu acho que houve uma evolução no pensamento do Vasco Gonçalves», para uma linha «cada vez mais próxima das teses do leninismo clássico. Esta é a minha impressão». W

WILLY BRANDT O chanceler da República Federal da Alemanha «teve uma visão relativamente positiva daquilo que se passava em Portugal e, portanto, achava que isto não era uma experiência para abandonar, ao estilo americano». O mesmo aconteceu com o primeiro-ministro sueco, Olof Palme, com quem era possível travar «uma conversa solta, aberta, transparente, e verificar da sua parte uma atitude muito mais compreensiva e muito mais colaborante». O que não sucedeu com o Presidente francês Giscard d’Estaing. Z

ZENHA O combate à lei da unicidade sindical foi liderado pelo socialista Salgado Zenha. A lei foi aprovada pelo Conselho dos 20, por unanimidade. «Eu compreendia que o projecto da unicidade sindical poderia ser um instrumento poderoso nas mãos do Partido Comunista, inclusivamente para servir de correia de transmissão, se quiser, dos seus objectivos políticos, através das lutas de massas, e daí as minhas reservas. Mas, por outro lado, sentia que bloquear a perspectiva daquilo que se chamou unicidade sindical - foi uma terminologia usada pelo Zenha, muito habilmente, numa das suas intervenções públicas - poderia constituir também um sinal de que nos opúnhamos à acção unitária dos trabalhadores». Na dúvida, acabou por votar a lei, «embora com a reserva de que não fosse utilizado como instrumento do Partido Comunista para alimentar as suas ambições políticas».

PRIMEIRA E ÚLTIMA

MDLP quis matar Melo Antunes

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Melo Antunes de A a Z «Tenho dele uma saudade imensa» Auto-retrato póstumo

Biografia

Melo Antunes de A a Z

Excertos seleccionados do livro «Melo Antunes. O Sonhador Pragmático», uma entrevista póstuma para a História, que continua a ser feita, da Revolução de 25 de Abril Alterar tamanho RUI OCHÔA É posto à venda na próxima semana o livro Melo Antunes. O Sonhador Pragmático. Trata-se de uma longa entrevista, conduzida por Maria Manuela Cruzeiro, com o principal ideólogo do Movimento das Forças Armadas. Um dos responsáveis pela descolonização e ministro de quatro governos provisórios, foi o autor do célebre Documento dos Nove. Falecido aos 65 anos, em Agosto de 1999, foi promovido a coronel a título póstumo. Iniciativa conjunta do Centro de Documentação 25 de Abril e da Editorial Notícias, o livro será lançado no dia 16, na Gulbenkian. A apresentação será feita pelo general Ramalho Eanes, na presença do Presidente da República. Velho amigo e companheiro de Melo Antunes, Jorge Sampaio foi seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do IV Governo A pedido do EXPRESSO, Jorge Sampaio escreveu o artigo «'Tenho dele uma saudade imensa'». É posto à venda na próxima semana o livro. Trata-se de uma longa entrevista, conduzida por Maria Manuela Cruzeiro, com o principal ideólogo do Movimento das Forças Armadas. Um dos responsáveis pela descolonização e ministro de quatro governos provisórios, foi o autor do célebre Documento dos Nove. Falecido aos 65 anos, em Agosto de 1999, foi promovido a coronel a título póstumo. Iniciativa conjunta do Centro de Documentação 25 de Abril e da Editorial Notícias, o livro será lançado no dia 16, na Gulbenkian. A apresentação será feita pelo general Ramalho Eanes, na presença do Presidente da República. Velho amigo e companheiro de Melo Antunes, Jorge Sampaio foi seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do IV Governo A pedido do EXPRESSO, Jorge Sampaio escreveu o artigo «'Tenho dele uma saudade imensa'».

TEXTOS DE JOSÉ PEDRO CASTANHEIRA A

ÁLVARO CUNHAL Enquanto ministro, «havia uma clara dicotomia na actuação do Álvaro Cunhal, como de resto de todos os dirigentes comunistas que tiveram responsabilidades de poder: uma certa moderação, uma certa sensatez até, não só por razões objectivas limitadoras da sua actuação no Governo, mas também como resultado de uma necessidade de criarem uma imagem de credibilidade; e fora do Governo, então, mestres na agitação (...) Eu acho que o próprio Cunhal sentia realmente a presença de um vanguardismo e de um sectarismo muito fortes, por parte, nomeadamente, de responsáveis militares». A partir de certa altura, o PCP e Cunhal ficaram prisioneiros dos seus quadros militares, «muito mais voltados para a acção, muito mais impacientes e radicalizados, justamente por não terem uma formação teórica suficientemente forte». Enquanto ministro, «havia uma clara dicotomia na actuação do Álvaro Cunhal, como de resto de todos os dirigentes comunistas que tiveram responsabilidades de poder: uma certa moderação, uma certa sensatez até, não só por razões objectivas limitadoras da sua actuação no Governo, mas também como resultado de uma necessidade de criarem uma imagem de credibilidade; e fora do Governo, então, mestres na agitação (...) Eu acho que o próprio Cunhal sentia realmente a presença de um vanguardismo e de um sectarismo muito fortes, por parte, nomeadamente, de responsáveis militares». A partir de certa altura, o PCP e Cunhal ficaram prisioneiros dos seus quadros militares, «muito mais voltados para a acção, muito mais impacientes e radicalizados, justamente por não terem uma formação teórica suficientemente forte». ANGOLA Tentou que o MPLA se mantivesse «autónomo dos apoios, das ajudas, das ligações privilegiadas com a União Soviética e com o bloco comunista no seu conjunto, de modo a cumprir a sua função histórica, que era ser o verdadeiro movimento nacionalista. E claro está que esbarrei com a incompreensão do Agostinho Neto e da maior parte dos dirigentes do MPLA - e refiro-me em especial à reunião que tive com eles em Julho desse ano, a qual correu, de facto, pessimamente». Esforçou-se ainda para «obter uma reconciliação entre a UNITA e o MPLA, para, pelo menos, afastar a força que nos parecia mais perigosa para o futuro de Angola, a FNLA. O Savimbi, como de costume, agiu com toda a má-fé e com toda a manha que lhe era habitual, e foi empatando». ATENTADO O MDLP - sigla do Movimento Democrático de Libertação de Portugal -, liderado por Spínola e Alpoim Calvão, organizou um atentado contra Melo Antunes, que terá sido sabotado pela CIA. O coronel não consegue precisar a data. «Sendo eu ministro dos Negócios Estrangeiros, fui procurado, no ministério, pelo embaixador americano, que era o Carlucci, para me transmitir a informação de que o homem deles dentro do MDLP, isto é, o homem da CIA, tinha dois dias antes informado que estava a ser preparado um atentado para me liquidar fisicamente. A informação chegara ao Departamento de Estado e o próprio Kissinger tinha dado instruções ao Carlucci para, mesmo à custa do sacrifício do agente deles, caso fosse necessário, impedir que o atentado se consumasse. E, portanto, estava-me a transmitir que isso era já um facto passado e que, aparentemente, o agente deles conseguira desmontar e desarticular esse atentado». Apesar de haver «mais do que uma leitura possível» para a iniciativa de Carlucci, Melo Antunes admite que terá havido uma trama do género, «até porque havia antecedentes de tentativas de atentado contra mim». O MDLP - sigla do Movimento Democrático de Libertação de Portugal -, liderado por Spínola e Alpoim Calvão, organizou um atentado contra Melo Antunes, que terá sido sabotado pela CIA. O coronel não consegue precisar a data. «Sendo eu ministro dos Negócios Estrangeiros, fui procurado, no ministério, pelo embaixador americano, que era o Carlucci, para me transmitir a informação de que o homem deles dentro do MDLP, isto é, o homem da CIA, tinha dois dias antes informado que estava a ser preparado um atentado para me liquidar fisicamente. A informação chegara ao Departamento de Estado e o próprio Kissinger tinha dado instruções ao Carlucci para, mesmo à custa do sacrifício do agente deles, caso fosse necessário, impedir que o atentado se consumasse. E, portanto, estava-me a transmitir que isso era já um facto passado e que, aparentemente, o agente deles conseguira desmontar e desarticular esse atentado». Apesar de haver «mais do que uma leitura possível» para a iniciativa de Carlucci, Melo Antunes admite que terá havido uma trama do género, «até porque havia antecedentes de tentativas de atentado contra mim». B

BANDEIRA, JURAMENTO DE Logo após o 25 de Novembro de 1975 foi anulado o célebre juramento de bandeira no Ralis. «O que se passou era perfeitamente inaceitável! (...) Não era possível ter um país minimamente estabilizado sem um Exército, sem umas Forças Armadas com o mínimo de disciplina, o mínimo de coesão, o mínimo de obediência a valores de referência fundamentais. Ora o tipo de juramento de bandeira feito no Ralis... bem, era uma loucura, algo de inconcebível! Nem sequer na União Soviética se fizeram coisas dessas! Nem sequer depois da Revolução de Outubro! Aconteceram cá, porque, de facto, isto era uma mistura de ortodoxia comunista com o espírito libertino e anarquista». C

COSTA GOMES Ao general e Presidente da República «se deve, em grande medida, a vitória das forças democráticas e o êxito da transição democrática». Pelo contrário, o seu antecessor, António de Spínola, «foi uma constante ameaça». Costa Gomes «fazia o papel de constante moderador (...) Percebe-se que tivesse tentado a todo o custo evitar que a confrontação chegasse às últimas consequências. A sua principal preocupação, e bem, foi evitar a guerra civil, porque estivemos à beira disso variadíssimas vezes». D

DESCOLONIZAÇÃO Melo Antunes rejeita com vigor a tese de que «a descolonização foi a possível». Uma tese, diz, destinada a branquear e desculpabilizar a acção de alguns responsáveis - uma das muitas referências que faz a Mário Soares e Almeida Santos, entre outros. «As responsabilidades históricas têm de ser assumidas tanto nos seus aspectos positivos como negativos. O que sempre disse, e aqui reafirmo, é que na condução das negociações houve aspectos negativos, houve aspectos que falharam, e eu assumo-os (...) A descolonização, nomeadamente a de Angola e de Moçambique, não foi a possível, isto é, aquela para que fomos arrastados pelos acontecimentos. Não. A descolonização foi a que tinha sido concebida no projecto revolucionário como um dos objectivos fundamentais da transformação deste país, e isso foi atingido (...) E isso é o que a história vai reter». DOCUMENTO DOS NOVE O famoso texto «foi do mais selvagem que há, do mais revolucionário que há (...) Era um acto de subversão, claro!, exactamente porque se vivia uma revolução!» Surgiu numa altura em que «havia uma luta revolucionária pela conquista do poder, não tenhamos medo das palavras». O seu autor reconhece que «o que se passou nada tem a haver com a ética militar». E argumenta: «O que existia era a indisciplina, a anarquia, a grande confusão, que servia justamente os objectivos daqueles que queriam desviar cada vez mais a Revolução para os objectivos de que muitas vezes falámos, uns de extrema-esquerda, outros próximos do modelo soviético. E, portanto, a nossa luta era impedir politicamente que tal acontecesse, e nesse caso os fins justificavam os meios!» E

ELEIÇÕES Nas vésperas das primeiras eleições livres, a 25 de Abril de 1975, surgiu uma campanha em defesa do voto em branco. «O voto em branco teria significado a recusa de uma Constituição civil, isto é, elaborada pelos partidos políticos (...) Por isso combati fortemente a ideia do voto em branco. E não estou nada arrependido.» Tanto mais que as eleições contaram com «uma participação maciça da população. O que provava que o povo compreendia perfeitamente que só assim era possível encontrar-se o estatuto jurídico-político com o qual o país se podia governar». ERROS Angola foi um dos dossiês onde houve mais erros. Um deles foi sobre a possibilidade de o MPLA e de a UNITA juntarem «forças naquilo que era essencial, reservando as diferenças para um debate normal, democrático, no interior do próprio país. Está claro que me enganei redondamente». O mais grave dos erros foi «a marcação de uma data para a independência sem que estivesse preenchida a condição fundamental da formação de um exército único». Finalmente, o «não reconhecimento imediato do novo país» logo após a independência, o que «teve repercussões muito graves nas relações futuras entre Portugal e Angola». Noutro plano, duvida «se se justificava a continuidade do Conselho da Revolução depois da entrada em vigor da Constituição». Erros, também, na nomeação de pessoas. Dois exemplos: Pires Veloso para comandante da Região Militar do Norte e Pinheiro de Azevedo para primeiro-ministro. F

FEDERAÇÃO Inspirado no livro de Spínola, Portugal e o Futuro, «a linha spinolista não defendia uma mudança de regime no sentido da democratização efectiva, quanto muito propunha uma certa liberalização, que pressupunha, de facto, a federalização do espaço português tal como eles o entendiam em termos imperiais. Mas isso não significava uma mudança de regime tão radical como nós, afinal, acabámos por impor». G

GUERRA COLONIAL Participar na guerra colonial foi «o maior trauma da minha vida, que deixou marcas profundíssimas (...) Era uma contradição terrível, era, ao fim e ao cabo, fazer a guerra do lado errado». Se assim foi, porque fez a guerra? «Eu tinha uma tese», segundo a qual a questão política em Portugal «só seria resolvida através das Forças Armadas». Era «uma ideia muito antiga», razão principal por que se manteve no Exército e fez a guerra. «Era preciso esperar melhor oportunidade, a qual afinal só veio a proporcionar-se em 1974». Em termos psicológicos, «toda a tragédia da guerra colonial foi para mim um tabu durante muitos e muitos anos» e que desencadeou «um mecanismo de recalcamento». A ferida «nunca cicatrizou»; «tenho de viver com ela até ao fim da vida». H

HUMBERTO DELGADO Em 1962, na sequência do desvio do paquete «Santa Maria», «surgiu a proposta de ele vir para São Miguel» - onde Melo Antunes estava colocado. «Tínhamos condições para controlar a ilha, uma vez que todas as unidades militares estavam connosco». A partir dali, Humberto Delgado soltaria «o grito do território livre português, onde se constituiria um governo provisório e se lançaria» um apelo à «insurreição popular, de massas, contra o regime. Bem, eu hoje penso que era uma ideia louca, mas está claro que teria sido um fortíssimo abanão ao regime. O que falhou aí, fundamentalmente, foi o general não ter vindo». Em 1962, na sequência do desvio do paquete «Santa Maria», «surgiu a proposta de ele vir para São Miguel» - onde Melo Antunes estava colocado. «Tínhamos condições para controlar a ilha, uma vez que todas as unidades militares estavam connosco». A partir dali, Humberto Delgado soltaria «o grito do território livre português, onde se constituiria um governo provisório e se lançaria» um apelo à «insurreição popular, de massas, contra o regime. Bem, eu hoje penso que era uma ideia louca, mas está claro que teria sido um fortíssimo abanão ao regime. O que falhou aí, fundamentalmente, foi o general não ter vindo». I

IDEÓLOGO Principal ideólogo do MFA. Foi o autor do seu primeiro texto de fundo, O Movimento, as Forças Armadas e a Nação, do Programa do MFA e do famoso Documento dos Nove, que aglutinou os sectores políticos e militares moderados. «Fui eu que o redigi todo». Na sua concepção, o socialismo «deveria ser plural, não deveria submeter-se à hegemonia de um partido». Um socialismo «sinónimo de democracia no sentido em que seria a realização plena dos ideais democráticos de igualdade, de justiça social... Era uma linguagem completamente diferente da dos sociais-democratas». Para a história da Revolução ficaram ainda as suas declarações a seguir ao 25 de Novembro, opondo-se à eliminação do PCP. «Isso seria um gravíssimo entorse à Revolução.» J

JAIME NEVES Em 25 de Novembro de 1975, houve quem defendesse o «eventual bombardeamento» do regimento de pára-quedistas de Tancos, nas mãos da extrema-esquerda. «Foram os comandos, o próprio Jaime Neves, que puseram essa questão em termos na aparência, tipicamente, militares: para levar as coisas até ao fim, isto é, para ficarmos com a certeza de controlar as coisas, era preciso liquidar militarmente os sediciosos (...) Ora é evidente que me opus terminantemente: ‘As operações militares acabaram, não há mais, as questões que existem são políticas e é politicamente que as vamos resolver.’ Bom, devo dizer que aí tive o imediato apoio do Eanes». K

KISSINGER O secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger tinha, de início, «a ideia de que Portugal estava perdido para a democracia». A sua atitude traduzia «a arrogância do intelectual universitário americano típico, mais exacerbado». Bem diferente foi a visão do seu embaixador em Lisboa. «Eu julgo que o Carlucci teve um mérito importante, que foi a humildade intelectual de tentar perceber o país tal como ele era, e de não querer encaixar a realidade portuguesa nos esquemas americanos. E, portanto, é verdade que as análises que o Carlucci fez e que transmitiu ao Departamento de Estado não coincidiam com os esquemas dogmáticos do Kissinger.» O secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger tinha, de início, «a ideia de que Portugal estava perdido para a democracia». A sua atitude traduzia «a arrogância do intelectual universitário americano típico, mais exacerbado». Bem diferente foi a visão do seu embaixador em Lisboa. «Eu julgo que o Carlucci teve um mérito importante, que foi a humildade intelectual de tentar perceber o país tal como ele era, e de não querer encaixar a realidade portuguesa nos esquemas americanos. E, portanto, é verdade que as análises que o Carlucci fez e que transmitiu ao Departamento de Estado não coincidiam com os esquemas dogmáticos do Kissinger.» L

LIBERDADE DE EXPRESSÃO A ocupação do jornal «República» tornou-se «o símbolo da luta conduzida pelo PS, em nome da liberdade e das liberdades, contra a tentativa de controlo total dos meios de comunicação por parte do Partido Comunista». Em torno do caso «República» levantaram-se «realmente questões teóricas e práticas importantes em termos revolucionários». Uma das mais relevantes «era saber até que ponto os trabalhadores tinham ou não o direito de controlar o labor intelectual das redacções e das direcções dos jornais». Outro caso célebre foi o silenciamento da Rádio Renascença, cujas antenas foram destruídas à bomba. «Foi uma decisão isolada» do primeiro-ministro, «numa daquelas explosões de ira que por vezes ele tinha». O Pinheiro de Azevedo, «quando entrava numa dessas situações de perda de controlo, ninguém o conseguia agarrar». M

MÁRIO SOARES Depois de Spínola, é o nome mais vezes referido no livro, num tom sempre muito crítico. O primeiro encontro entre os dois foi logo marcado por um desacordo: Soares convidou-o em 1969 para ser candidato pela CEUD, mas o militar recusou. Pouco depois, a instâncias de Sottomayor Cardia, foi chamado a participar no programa do PS. Novo desacordo: «A minha contribuição para o programa do Partido Socialista acabou por ser, em grande parte, censurada pelo próprio Mário Soares». Com o II Governo Provisório, passaram a partilhar o dossiê da descolonização. «Desde o princípio era nítido que as nossas visões não coincidiam perfeitamente e, portanto, começou logo aí um mal-estar crescente nas minhas relações com Mário Soares.» Divergências também com Almeida Santos. Não perdoa aos dois as «sibilinas acusações» feitas a propósito das negociações com a Frelimo. O Verão Quente não mudou as coisas: o «entendimento estreito com o Mário Soares nunca foi possível». Mostra-se particularmente magoado com as críticas à linguagem do Documento dos Nove, que Soares considerou «intragável, marxizante», a ponto de ter admitido que «não o subscreveria porque não a entendia». Como é possível que dois homens da mesma área tenham permanecido de costas voltadas? «Talvez tivéssemos não só temperamentos diferentes como formas diferenciadas de encarar a vida política em Portugal.» O coronel concretiza: «Ele tem uma visão da história que é muito a das lutas pessoais pelo poder, pelos lugares, pelas amizades, pelas influências, por isto e por aquilo...» Sugere mesmo que a interpretação de Soares do 25 de Novembro e do papel do PS «é uma pura falsificação da história». Depois de Spínola, é o nome mais vezes referido no livro, num tom sempre muito crítico. O primeiro encontro entre os dois foi logo marcado por um desacordo: Soares convidou-o em 1969 para ser candidato pela CEUD, mas o militar recusou. Pouco depois, a instâncias de Sottomayor Cardia, foi chamado a participar no programa do PS. Novo desacordo: «A minha contribuição para o programa do Partido Socialista acabou por ser, em grande parte, censurada pelo próprio Mário Soares». Com o II Governo Provisório, passaram a partilhar o dossiê da descolonização. «Desde o princípio era nítido que as nossas visões não coincidiam perfeitamente e, portanto, começou logo aí um mal-estar crescente nas minhas relações com Mário Soares.» Divergências também com Almeida Santos. Não perdoa aos dois as «sibilinas acusações» feitas a propósito das negociações com a Frelimo. O Verão Quente não mudou as coisas: o «entendimento estreito com o Mário Soares nunca foi possível». Mostra-se particularmente magoado com as críticas à linguagem do Documento dos Nove, que Soares considerou «intragável, marxizante», a ponto de ter admitido que «não o subscreveria porque não a entendia». Como é possível que dois homens da mesma área tenham permanecido de costas voltadas? «Talvez tivéssemos não só temperamentos diferentes como formas diferenciadas de encarar a vida política em Portugal.» O coronel concretiza: «Ele tem uma visão da história que é muito a das lutas pessoais pelo poder, pelos lugares, pelas amizades, pelas influências, por isto e por aquilo...» Sugere mesmo que a interpretação de Soares do 25 de Novembro e do papel do PS «é uma pura falsificação da história». MOÇAMBIQUE A fuga, em massa, da população branca foi um dos efeitos mais negativos da descolonização. «Tenho de dizer com toda a clareza: a principal responsabilidade dessa situação, de tudo daquilo que se passou, é da Frelimo, que se desviou do espírito dos Acordos de Lusaca.» Com efeito, a Frelimo alimentou «a atitude de repúdio, de rejeição e de ataque às posições portuguesas em Moçambique» - o que transpareceu no «discurso do Samora Machel no dia da independência». Prevaleceu a «ideia de que a independência significava o corte, tão radical quanto possível, com a antiga potência colonial e a aproximação com modelos de sociedade (...) do tipo soviético». O resultado foi «um desastre total e completo». «O próprio Samora Machel, que inicialmente embarca neste radicalismo, vem a reconhecer mais tarde os erros que cometeu e começa a fazer marcha-atrás», e enceta uma «aproximação com Portugal. Mas a verdade é que o grande mal já estava feito». N

NACIONALIZAÇÕES Com o 11 de Março, tornou-se claro que «a dinâmica social e política tinha subvertido tudo, queimara todas as etapas». Por essa razão, «não me opus ao programa das nacionalizações que se fizeram naquele momento. Nem eu nem muitos daqueles que trabalharam comigo no plano económico e social», como Silva Lopes, Vítor Constâncio e Rui Vilar. «Nenhum se levantou contra o programa das nacionalizações que imediatamente se seguiu, e que era inevitável. Agora, o que aconteceu é que se fizeram muitas de forma indirecta», incluindo órgãos de comunicação social e outros sectores de menor importância. «Tudo isso poderia ser corrigido e deveria tê-lo sido logo, na altura, só que não foi.» O

OTELO SARAIVA DE CARVALHO No Verão Quente, houve reuniões entre promotores do Documento do Copcon e do Documento dos Nove. A ideia era «juntar essas duas forças que tinham um inimigo comum: a facção representada por Vasco Gonçalves». Otelo era quem aparecia pelo lado do Copcon. «Ele saía de uma reunião, na aparência, convencido, mas na seguinte desdizia-se das posições anteriormente assumidas. Portanto, acho que existia na realidade uma espécie de comissão-sombra do Otelo». Quem é que influenciava tão profundamente o estratego do 25 de Abril? «Era o grupo do Carlos Antunes e da Isabel do Carmo, e talvez alguns do MES e da UDP. Enfim, no fundo, toda a extrema-esquerda estava ali concentrada, investira todo o seu capital no Otelo.» P

PIRES VELOSO Comandante da Região Militar do Norte, «o Pires Veloso, depois de estar no Porto, e penso que por influência de todo um ambiente social e político lá do Norte, rapidamente derivou para posições de direita claríssimas». Vindo de São Tomé, «proclamava constantemente a sua fé democrática, que, de facto, durou poucas semanas. E, como era oportunista e ambicioso, deve ter pensado, ou devem-no ter convencido - lá no Norte -, de que poderia ser, digamos assim, o cabecilha de uma reviravolta muito mais profunda - a que a direita quis fazer depois, em 25 de Novembro». Aclamado por alguns sectores como vice-rei do Norte, era «um louco e também um oportunista da pior espécie». Q

QUINTO GOVERNO Uma das raras críticas que Melo Antunes faz a Costa Gomes é sobre a constituição do Quinto Governo Provisório. «Esse Governo do Vasco Gonçalves não se justifica de forma alguma. Foi mais um factor de perturbação, um atraso grande na tentativa de estabilizar a situação e constituiu um erro político grave.» R

RAMALHO EANES «Nos aspectos essenciais mantivemos uma certa unidade de pensamento e até de acção. Onde divergimos, e isso é mais ou menos conhecido, foi na forma como ele entendeu fazer a ‘normalização’ das Forças Armadas. Acho que fez cedências excessivas aos sectores mais conservadores, as quais estão na base de desvios de direita muito importantes.» Eanes é acusado, em particular, de ter votado «ao ostracismo» os elementos do Grupo dos Nove com legítimas «ambições militares», como Pezarat Correia. «Esse é um caso típico, o mais flagrante. Do meu ponto de vista, é o mais escandaloso, assim como o do Garcia dos Santos, que acabou por ser general, mas foi posto na prateleira.» No que respeita a Vasco Gonçalves, «é evidente que já não tinha lugar nas Forças Armadas Portuguesas, tal como o Carlos Fabião, pois, de alguma maneira, eles eram representativos de uma certa concepção que contribuíra para a desestabilização total do país». ROSA COUTINHO Melo Antunes distancia-se da gestão do almirante em Angola. «Aqui entre nós», confidencia à sua entrevistadora, Rosa Coutinho «favoreceu o mais que pôde o MPLA, mas, no fundo, era o nosso coração a falar». Coutinho foi «o grande inspirador» de uma tese segundo a qual o MFA seria «o movimento de libertação do povo português». «Eu nunca estive de acordo com essa tese (...) sempre achei isso ridículo.» Na mesma linha, Rosa Coutinho terá sido o responsável pela divulgação do modelo aplicado pelo general Alvarado no Peru. «Aquando de uma visita oficial ao Peru, inserido numa delegação do Conselho da Revolução, suponho eu, veio de lá entusiasmadíssimo, disse que ‘aquilo é que interessava a Portugal’, pois encaminharia o país para o verdadeiro socialismo, e não sei que mais.» S

SEXTO GOVERNO Um dos projectos do governo de Pinheiro de Azevedo foi o de se instalar no Porto, deixando Lisboa e o Sul aos seus adversários. A «ideia da fuga para o Norte» era «totalmente disparatada, que só iria, obviamente, dramatizar a situação e que poderia conduzir de facto, sei lá... à tal guerra civil». A inspiração partiu do comandante Gomes Mota, que também gizou a ideia do Governo entrar em greve. «Isso foi mais uma ideia do Gomes Mota!» Tratou-se de «uma infantilidade perfeitamente inacreditável». T

TANCOS A Assembleia do MFA de 5 de Setembro de 1975, em Tancos, foi decisiva. Ela foi o palco de «um choque frontal, talvez pela primeira vez à luz do dia» entre Vasco Gonçalves e Melo Antunes. «Foi, de facto, uma assembleia relativamente agitada, porque os nervos estavam à flor da pele.» Gonçalves «levava um texto preparado, escrito, que leu aí durante um quarto de hora, mais ou menos, um texto ideológico, procurando justificar no plano político as posições que sempre tinha defendido». Antunes falou logo a seguir. «Rebato, ponto por ponto, as posições do general Vasco Gonçalves e faço-o, obviamente, denunciando o que, do meu ponto de vista, seria uma catástrofe para o país, se a assembleia aceitasse as suas propostas. E julgo que foi aí que ocorreu a grande mudança histórica, porque muitos dos elementos do Exército presentes» pareciam divididos e hesitantes. «Foi definitivo, decisivo, para o futuro, essa confrontação. O Vasco Gonçalves percebeu que perdera terreno e acabou por sair intempestivamente no final da minha intervenção.» U

UNIÃO SOVIÉTICA A posição oficial da URSS «era de perfeita neutralidade: os portugueses resolverão os seus problemas como entenderem. Nunca escamotearam o facto de terem relações privilegiadas com o Partido Comunista Português, mas também jamais deram a entender, ou sugeriram, que seria bom para eles que em Portugal se instalasse um regime comunista. Acho até que eles não o quereriam». O ex-ministro dos Estrangeiros não acredita «que os soviéticos corressem o risco de apoiar tão claramente, tão decididamente, a tomada do poder pelos comunistas em Portugal» e a sua transformação numa espécie de Cuba na Europa. «Já tinham a zona de influência suficiente para se baterem, digamos, em pé de igualdade, no plano político-militar, com a outra superpotência, que eram os Estados Unidos. Agora criarem um abcesso no interior da área que, teoricamente, era de influência americana suponho que seria um erro estratégico medonho, que não estariam dispostos a correr.» V

VASCO GONÇALVES Melo Antunes só o conheceu depois do 25 de Abril e pertenceu a três dos seus quatro governos. Até ao final de 1974, o entendimento com o primeiro-ministro, «se não era perfeito, foi, sem dúvida, suficientemente sólido para podermos ambos ter concepções relativamente coincidentes sobre as grandes linhas de rumo que era necessário imprimir ao país». As divergências a sério começaram em Dezembro de 1974, «aquando da elaboração do Plano Económico e Social». A partir do 11 de Março, «foram patentes as dificuldades cada vez maiores de comunicação», até à ruptura final. «Eu acho que houve uma evolução no pensamento do Vasco Gonçalves», para uma linha «cada vez mais próxima das teses do leninismo clássico. Esta é a minha impressão». W

WILLY BRANDT O chanceler da República Federal da Alemanha «teve uma visão relativamente positiva daquilo que se passava em Portugal e, portanto, achava que isto não era uma experiência para abandonar, ao estilo americano». O mesmo aconteceu com o primeiro-ministro sueco, Olof Palme, com quem era possível travar «uma conversa solta, aberta, transparente, e verificar da sua parte uma atitude muito mais compreensiva e muito mais colaborante». O que não sucedeu com o Presidente francês Giscard d’Estaing. Z

ZENHA O combate à lei da unicidade sindical foi liderado pelo socialista Salgado Zenha. A lei foi aprovada pelo Conselho dos 20, por unanimidade. «Eu compreendia que o projecto da unicidade sindical poderia ser um instrumento poderoso nas mãos do Partido Comunista, inclusivamente para servir de correia de transmissão, se quiser, dos seus objectivos políticos, através das lutas de massas, e daí as minhas reservas. Mas, por outro lado, sentia que bloquear a perspectiva daquilo que se chamou unicidade sindical - foi uma terminologia usada pelo Zenha, muito habilmente, numa das suas intervenções públicas - poderia constituir também um sinal de que nos opúnhamos à acção unitária dos trabalhadores». Na dúvida, acabou por votar a lei, «embora com a reserva de que não fosse utilizado como instrumento do Partido Comunista para alimentar as suas ambições políticas».

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MDLP quis matar Melo Antunes

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Melo Antunes de A a Z «Tenho dele uma saudade imensa» Auto-retrato póstumo

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