Macroscopio: A morte de um mito vivo: algumas notas sobre Álvaro Cunhal

20-07-2005
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Eis os verdadeiros "democratas" do séc. XIX-XX... Diz-me com quem andas - dir-te-ei o que pensas e o que és... Este aqui, o Gorby, é que mau, ou seja, o verdadeiro ditador. E, como tal, foi punido. Os de cima, que eram "bonzinhos" safaram-se. Até a história é uma grandessísima meretriz, sempre bêbeda que não merece o oxigénio que respira. Isto se pensarmos que há uma concepção da história que diz que ela deveria ser justa e libertadora, e não medíocre e castradora. É óbvio que aqui os termos da relação estrão propositadamente invertidos para ampliar esse efeito de constraste entre os "mauzinhos" e os bonzinhos. E é óbvio que o grande Gorby - um dia terá de ser verdadeiramente julgado pela história. E quando o for merecerá a grande Cruz da Liberdade. Para o senhor Yeltsin - que anda sempre alccoólico - recomendamos uma caixa de Vodka da Sibéria com muito petróleo à mistura.. Umas Notas sobre Álvaro Cunhal.Cunhal tem, de facto, muitas facetas, muitos heterónimos. Se calhar era um amante de Fernando Pessoa sem nunca o ter reconhecido. Deixamos aqui apenas umas notas soltas sobre o seu legado na 2ª metade do séc. XX. Foi um Revolucionário, um Político, um Intelectual, um Escritor, um Artista Plástico que procurou o melhor que pode e soube - dentro dos seus valores e coerência - libertar o homem da exploração do homem, do jugo do capitalismo. Foi também um "Pai" para muita gente, um feroz e persistente militante comunista. Um crente que olhava para o comunismo como uma religião, um ópio que seguia à risca e fiel seguidor das directrizes politico-ideológicas emanadas de Moscovo, de quem não tinha muita autonomia, especialmente até 1991. Um homem de causas e de convicções muito firmes, muitas delas forjadas na cadeia - onde esteve cerca de 12 anos. Via-o como um homem inteligente mas sem grande flexibilidade de pensamento. Extremamente repetitivo e rígido nas suas posições e falando sempre para uma classe social: os operários e os trabalhadores mais desprotegidos e iletradaos. Era um homem radical. Para o fim da sua vida docemente radical. Mas sempre coerente sem, contudo, deixar de ser um aristocrata de comportamento e um rebelde. Da sua vida íntima pouco se sabe. Operava como um agente do KGP. Era essa, aliás, a sua estrutura mental. As entrevistas que deu a Judite de Sousa comprovam-no até à exaustão. Sentia-se o gato e o rato nesses jogos de linguagem. De certo modo, essas entrevistas lembram-me outras: as de Pinto da Costa, esse malabarista do verbo que fala, fala, fala e nunca diz nada. Austero e seguindo sempre o hábito do segredo típico das "democracias" do leste europeu. As famosas democracias populares cujos dirigentes mandavam matar pessoas como quem muda de camisa. Cunhal nunca, mas nunca se distanciou desses regimes execráveis que violavam o direito à Vida, à liberdade - onde ele ia beber toda a sua ideologia, todo o seu pensamento, toda a sua praxis política. E, hoje, um tal sr. Bernardino Soares - que parece que é presidente da bancada do grupo parlamentar do PcP - ou já foi - aperece sempre balofo dizendo asneiras atrás de asneiras: a mais sabuja é aquela que atribui à Coreia do Norte o epíteto de verdadeira democracia... Pessoas destas ainda estão hoje no parlamento em Portugal... E eu morro de espanto...Ora é precisamente nestes casos que o velhinho e raquítico PcP deveria fazer purgas, expulsões ou, para mostrar que não come criancinhas au petit dejene... - poderia pedir aos amigos da UGT e da CGTP que fizesse mais uns cursos de Formação Profissional cujos milhões de euros aí gastos - ainda hoje - não apareceram... Também aqui a interpretação destas coisas - que envolvem capitais não é difícil fazer. E depois chamam nomes aos grandes capitalistas - quando - na verdade - alguns dos seus comportamentos intestinos ainda aguardam decisão de algum tribunal ou, o que é mais grave, já foram arquivados esses processos - simplesmente porque o esquema de corrupção montado não foi interferido pelo poder limitado da investigação judicial e da lei. E assim ficam os portugueses - lendo livros com páginas brancas - todas assinadas com uma caligrafia invisível que já nem os agentes corruptores percebem. Ísto é Portugal no seu melhor... Voltando a Cunhal: a sua potencialidade aflora como resistente ao fascismo, um feroz anti-salarazista e um enérgico anticolonialista. Aos olhos internacionais será, porventura, visto como o último dos estalinistas, fieis interpretes de uma doutrina que demorou 80 anos a cair, fazendo desgraças humanas em catadupa, empobrecendo sociedades, matando gente inocente em nome duma ideologia sem correspondência com a realidade, apesar do seu valor utópico e prometeico. Eis a natureza do comunismo soviético exportado para o mundo, como hoje a América de Bill Gates faz em relação ao software windows que faz funcionar os sistemas informáticos do Ocidente. Cunhal era isso tudo e muito mais: era uma Assembleia de heterónimos, como Fernando Pessoa. Apesar de não ter a mestria deste. Nem de perto nem de longe. Amável e gentil nas ruas, transformava-se depois num furacão quando subia à tribuna para incendiar as massas de operários comunistas que povoam a cintura industrial de Lisboa e que ele considerava serem uns escravos do grande Kapital.. Mas sempre com a tal "cassete" que os homens da minha idade, mais ou menos esclarecidos, se habituaram a ver e ouvir. E depois já nem queríamos nem ver nem ouvir. Pura e simplesmente mudávamos de canal, porque aquilo era enjoativo. E depois de ser enjoativo passava a ser execrável. Tornava-se mesmo num ataque à razão, num esbulho à imaginação. Tal fora a estagnação ideológica em que caíra. E eu ainda tinha a esperança que ele - o dr. Cunhal - fizesse jus ao tal qualificativo que um dia o prof. Marcello Caetano fez dele: um homem inteligente e flexível, apesar de estar aos erviço duma ideologia rígida que não permitiria evoluções. Ora foi isso que nunca vi nos seus discursos, ao contrário do que hoje toda a gente diz por aí, à boca cheia. Já agora, Marcelo disse de Soares que era um aluno assim assim, mediano, que nunca iria longe; e de Freitas do Amaral, previsivelmente, disse que era uma inteligência monolítica mas sem grande flexibilidade intelectual e argumentativa. Para os mais curioso poderão encontrar toda esta pallha num livro de Joel Serrão, antes de Marcelo falecer. Hoje, a história revela que nem Marcelo tinha razão: e o mais flexível de todos - so far - foi Freitas. Mas tudo isto é relativo e, por isso, muito subjectivo. Contudo, Cunhal caiu bem, porque se tornou num mito vivo. Agora já é um mito morto. Com interesses pulverizados pela literatura, que deixou de produzir por causa do problema dos olhos, ié, da vista que a dada altura falha. Camilo - que era um grande escritor - padeceu do mesmo mal. Pudemos ser coxos, marrecos, manetas, pernetas, ter hérnias discais e ser prendado com cancros avançados, mas não ter visão é como apagar a luz do dia e ficar às escuras para todo o sempre. Depois já nem o discurso da cassete que consegue reproduzir. Enfim, o homem deu o melhor que soube e pode. Com responsabilidade, coragem, decência e coerência nos princípios e na acção. Projectando-se no palco público; resguardando-se na esfera da sua intimidade, cuja vida a maior parte desconhecia. A queda do Muro de Berlim desmantelou-o, roubou-lhe a verdadeira razão de existir, tirou-lhe o substracto, puxou-lhe o tapete. Por isso, em 1991 abandona a liderança do PCP invocando motivos de saúde. E morreu hoje aos 91 anos de idade de pois de estar mais de 3 décadas à frente do PCP. Foi um combatente. Teve de burilar planos de evasão para se safar da cadeia de Peniche, fazendo lembrar cenas do Paipillon, interpretado pelo pequeno grande actor - Dustin Hoffman.. Mas nunca percebi se, na realidade, Cunhal sabia nadar, ou se se safou boiando nalguma carcaça flutuante que alguém lhe deixou. Quem sabe uma jangada de pedra do seu amigo Saramago, que só até há pouco tempo deixou de adorar Fidel Castro, esse grande ditador que ainda se permite mandar matar pessoas por delito de opinião. É aqui Cunhal se "suicida" intelectualmente. Como tem um quadro mental muito rígido não se consegue evadir da "estória" do comunismo mundial (que foi uma tragédia) para se distanciar e fazer a revisão do que esteve mal. E perdeu, perdeu muito do seu prestígio político e intelectual porque foi colado a esses actos vis, cobardes e anti-humanos que povoam a história da ideologia comunista. Uma história ditatorial, totalitária, concentracionária que fez o filme do séc. XX findo em toda a Europa de Leste - satelitizada e escravizada pela gerontocracia moscovita que, em parte, e com outras idiosincrasias marcaram o ambiente do Partido Comunista Português, o mais rígido e retrógrado da Europa. A dada altura poderíam até ter copiado o Eurocomunismo italiano, mas nada. A ortodoxia, as purgas e expulsões lusitanas pensadas e executadas por Cunhal - e pelo Comité Central da sua confiança - não deram espaço a essa abertura político-ideológica. Resultado: o partido definha sociológicamente, e arrisca-se a ser um agrupamento de agricultores velhos e operários iletrados que - sem dentes e de boina-capacete às três pancadas - aparecem nos écrans das televisões a falar mal o português, sinal de pobreza e vergonha para todos nós. Foi, pois, a queda do Muro de Berlim que desvitaminou Cunhal. Desmineralizou o PCP. Afastou-o das pessoas, ficando só com um grupo de reformados operários da Lisnave e da Setnave que ainda pensam que o grande Kapital é que amarfanha os operários. E de certo modo - isso é verdade - mas já não pelos motivos e razões invocados pelos velhos ortodoxos que perderam o sentido da história, confundindo o verdadeiro Comunista (que foi Jesus Cristo) com as religiões degeneradas de colectivização forçada, de planificação centralizada que mata cerce qualquer iniciativa pessoal. Lembre-mo-nos de Cuba que o prémio Nobel tanto apreciava.. até ao assassinato duns quantos que queriam fugir do ditador Fidel, que cai mas não parte. Ora, é este conjunto de contradições que o sedutor Cunhal nos deixa. Uma imagem de libertação mas também uma imagem de operessão ideológica, de purgas, de expulsões perante aqueles que pensaram diferente e pagaram caro esse desvio ideológico. Cunhal, era, sempre e até puder, o tal cimento congregador que fazia as transfusões de crenças para os eleitorados alienados que todos os anos se reuniam na grandiosa Festa do Avante - que mais parecia as festas do regime alí na Praça do Império nos anos 40 do séc. XX. Sempre com grande carisma, com tremendo magnetismo. Com o pensamento colocado na utopia e no sonho de um amanhã que canta. Mas depois as pessoas choravam e tudo parecia o filme do J. de Melo Gente Feliz com Lágrimas... Cunhal foi, contudo, um homem sério. Viveu como pensou até morrer. E isso, só por si, é digno de nota, porque revela o carácter vertical de um homem. Um homem importante que marcou um tempo, moldou a história com a ânsia revolucionária de destruir o Estado e de o converter numa ditadura do proletariado. Ainda acreditaram nisto. Coisa que já nem o Louçã do BE hoje perfilha. Senhor duma cultura invulgar, explicador de Mário Soares (tal como foi Agostinho da Silva), de boa preparação intelectual e histórica - projectava o seu olhar penetrante - com olhos de águia sobre as pessoas, num misto de sedução, coacção e intimidação. Com ele jamais houve lugar para o síndrome de Hamlet - ser ou não ser. Com Cunhal era sempre, mesmo que contra os ventos da história e sempre do lado dos derrotados da história. Lutava por causa e por princípios, e isso, de per se, é de louvar. Muito mais se poderia dizer, mas anoto uma história que me foi contada por um amigo do meu Pai, narrada por um tal Mestre J. do V. Monteiro - um artista, um pintor que hoje terá cerca de 88 anos, se ainda for vivo. Esse homem, com quem conversava muito na década de 80, contou-me que um dia - em tempos idos - Álvaro Cunhal se deslocou ao liceu Rainha Dona Leonor em Lisboa. E verificou que a sua incursão escola adentro teve um poderoso impacto nos olhares das miúdas bem como no conjunto da comunidade de estudantes e de professores que ali o aguardavam. Confesso - a avaliar pela discrição - que essa sedução não raiou a histeria colectiva que os Beattles tinham junto das populações, mas que as meninas ficavam com a feromonas alteradas - lá isso ficaram... Este pequeno episódio é, antes demais, um traço revelador da imagem de sedução e de forte atracção que Cunhal exercia junto das camadas femininas da população. Com tanta sedução nem sei como houve lugar para tanta rigidez, para tanta ortodoxia, para tanta incompreensão por aquilo que acabou por ser os ventos da história. Tanta inteligência, tanto talento para terminar numa política de avestruz... Hoje, quando penso em Cunhal, lembro-me só de duas ou três coisas: aquela cabeleira branca - que nunca sabia onde terminava e começava as sobranceilhas; lembro-me também daquele discurso monocórdio e enfadolho do ataque aos grandes grupos capitalistas do "Shampoo Limão" (leia-se - A. Champallimaud); da ameaça de greves e de que a luta continua, de punho em riste sempre vociferando no vazio. Ah, lembro-me também dos métodos praticados para com aqueles que dentro do PCP pretendiam reformar o funcionamento do partido: a expulsão e o mais. Carlos Brito, Judas, Zita Jones Seabra, Edgar Correia (já falecido) e tantos outros... Os homens da geração de 60, 70 e muito menos de 80 já não o entendiam. Cunhal era um homem do passado. Carvalhas ainda conseguiu aumentar esse fosso por razões outras que são já de todos conhecidas. Hoje interrogo-me como poderia ele - o grande mito vivo e morto - concentrar-se na política de Portugal, com todas aquelas raparigas ali de pé, olhando para ele a partir das janelas do liceu Rainha D. Leonor. Concentrar-se na política da Rússia, da Europa de leste e do mais que hoje já não existe... No fundo, em política as coisas e as ideologias são (mais ou menos) verdadeiras ou falsas. E as pessoas, tal como as ideologias, esvaem-se em sague e morrem. No fundo, nem Marx nem Jesus...onde é que eu já vi este filme... pela pena de Revel.. Seja como for, Cunhal fez parte do nosso imaginário. A Coca-Cola também, apesar daquilo evitável. Quando nasci ele já cá andava. Quando me tornei adulto já estava farto de o ver aos beijos ao Mário Soares na chegada a Stª Apolónia, porque parece que lhe deu umas aulitas de cultura geral - a mando do pai João Soares - que queria o filho (que era um lambão) bem preparado para os futuros da política.. Mas foram beijos motivados por um inimigo comum: o fascismo salazarento e imperial que hoje ainda não fez a descolonização. Especialmente, daqueles que ainda estão alapados aos órgãos de ensino superior - nomeados pelo bloco central dos interesses - ajudando a destruir o resto que falta da Academia para tornar Portugal um país genuinamente atrasado. Desse modo, tornamo-nos comparáveis aos países do Continente africano e ficamos (sempre) por cima.. Mário Soares, Veiga Simão, Adriano Múreia, Almeida Santos e mais um outro gato pingado gerontocrático - que andam por aí, fazendo e desfazendo a estória (contada por eles) - o que dirá deles a História quando um dia a verdadeira HISTÓRIA (com "H" grande) se fizer, com isenção, distanciamento e justiça? Que pronunciamento se fará?? Temo bem que, a dada altura, o balanço não seja muito diferente daquele balanço (contraditório e em alguns casos mesmo problemático) que fazemos hoje de Cunhal. É positivo mas também é negativo. E medir isso no prato da balança é altamente complexo e problemático. Pergunto-me: como estaria hoje Portugal sem Cunhal??? O homem detestava a Europa, nós entrámos; detestava a América do Tio Sam - somos aliados e com vantagens; Detestava a NATO - somos membros fundadores e também com inúmeras vantagens... No fundo, tudo aquilo que representou progresso, modernização e desenvolvimento em todos os índices humanos - em rigor - passou à margem da ideias, das políticas e dos homens do PCP. É triste hoje constatar isto, mas é a realidade. Fico sempre arrepiado quando me falam em Liberdade e depois matam e mandam matar em seu nome. Se se conseguir meditar desapaixonadamente nestas palavras veremos que o Continente africano pode ser uma boa bateria de respostas para meter na linha alguns restolhos que andam por aí revelando a sua boa vontade e esprit de humanistas quando, na prática, assinaram documentos cujo único objectivo era só um: matar. E isto, meus caros senhores e restolhos do Restelo (da academia e fora dela, novos e velhos), tanto se fez com ditaduras de esquerda nas Primaveras de Praga, como se praticou nas ditaduras de direita do Amigo António Oliveira (o "botas" para os amigos) - com a bíblia numa das mãos e com a espada na outra. No que diz respeito ao dr. Cunhal - julgo que ainda é prematuro poder fazer-se um balanço definitivo, mesmo com a ajuda dos livros do Pacheco Pereira que julga ser capaz de meter toda a história dentro das páginas dos seus livros. É outro alienado - que por ter bebido dessa ideologia e agora estar noutra - se julga um historiador isento e imparcial. Ora não é!! Basta vê-lo 3 minutos na quadratura do círculo a discutir política com o grande iluminado que é Jorge Coelho - para perceber a sua formação intelectual maoista, marxista-leninista e, hoje, anti-tudo-isso. Um pouco como o seu colega e amigo Durão Barroso, que nunca pensou coisa nenhuma na vida - é um especialista em fugas políticas e hoje parece que está na Europa a presidir a um banco falido e penhorado com milhares de credores à porta. Um desastre nunca vem só... Por último, a revolução de Cunhal tem coisas positivas e coisas negativas. É uma espécie de vértice de uma aresta que separa a história de uma sociedade num antes e num depois - muito diferentes. Em todo o caso, a existência de Cunhal em Portugal, especialmente desde a fase da clandestinidade, que era onde hoje todos os restolhos salazarengos deveriam estar (mas que fizeram a transição para a democracia e aí comem na manjedoura do Estado (como diria Francisco Sousa Tavares) - marca o verdadeiro sentido e esprit da REVOLUÇÃO. Ou seja, um momento histórico cuja temporalidade vai muito para além do momento que lhe deu origem imediata. As transformações que a revolução gera repercutem-se no futuro, de uma forma por vezes imprevisível, e geralmente mais profunda do que se poderia pensar. Cunhal foi apenas mais um elo numa grande engrenagem que implica uma grande soma de transformações sociais e mentais que marcaram uma ruptura com a ditadura de Salazar e de Caetano e com as colónias africanas. O problema não está aí, ou seja, no passado. O problema, quando se equaciona Cunhal - está no futuro, ié, a ideia e a vontade de reconstrução de um mundo social mais justo resultou numa ficção angustiante. Mas isso já não é só da responsabilidade de Cunhal que já só queria escrever umas linhas e pintar uns quadros e distinguir os conceitos de belo e feio no plano da história da estética e da filosofia. Contudo, sublinho que o maior aliado de Cunhal foi Salazar. E o mesmo se aplica - por extensão - a Soares. São o que são hoje não por uma ideia de futuro que gizaram em prol da nação, mas porque foram eles (e não outros) corporizaram os anticorpos que poderiam abater o inimigo visceral de várias décadas de ditadura chamado Salazar e depois Caetano. Ora, tudo isto implica pensar um bocadinho para além dos homens, e combinar a necessidade com a liberdade, porque, de facto, são estes os dois valores supremos que fazem a Guerra e a Paz entre as nações na história da Humanidade. Nesta medida, teremos, porventura, de perceber mais uma coisa comezinha: não obstante a importância do papel dos grandes homens na história, há, contudo, que integrar o tecido conjuntivo de que é feito o filme da própria história. E esse puzzle é, antes demais, não o resultado da acção do Sr. Álvaro Cunhal - que era um fiel interprete em Portugal da ditadura moscovita do sr. Bresnieve e quejandos (que adoptavam a doutrina da soberania limitada feita com bombas e sangue, e o mesmo se diga da América do lado do seu backyard sul-americano) - mas um movimento da História como sendo a resultante da combinação dos efeitos e dos actos livres de cada um dos homens anónimos que compõem o género humano. Na prática, e agradeço do dr. Cunhal obrigar-me a pensar nisso agora, cada decisão conta pouco em si própria, o que conta é o efeito final dessas inumeráveis acções disparadas em todas as direcções. É daí que decorre o movimento histórico do conjunto. Por isso, é que vejo com alguma dificuldade aquelas pessoas que tendem a endeusar certas pessoas, só porque em dada altura das suas vidas conversaram 2 minutos com elas, apanharam um autógrafo num livrinho de que só leram o índice, ou arranjaram emprego no partido e o mais. De facto, o essencial é que a livre decisão de cada homem conta muito pouco, por estar condicionada pelas circunstâncias vigentes num dado momento e, também, para os mais crentes, uma vez que o comunismo é uma religião de que Cunhal foi um fiel sacerdote, pela divina providência que garante a certos homens a sorte de poderem ter usufruído a liberdade de decisão de que hoje se reclamam. Por isso, diria o seguinte: o legado de Cunhal é indiscutível; o seu carisma e sedução também; o seu biógrafo - como Franco Nogueira o foi de Salazar - até pode ser um historiador alienado - que julga ser dono de todas as explicações "estóricas" não percebendo, contudo, o mais comezinho: a história - dr. Pacheco - não pode imputar-se à vontade de nenhum homem, nem à vontade do dr. Cunhal cuja teoria e praxis durante anos seguiu. Mas é ao prestar esta singela homenagem ao dr. Cunhal - por uma questão de dignidade - que aqui também damos uma ajudinha ao "estoriador" de serviço e ao biógrafo de Cunhal. Referimo-nos, naturalmente, ao grande Pacheco Pereira que parece desconhecer esta coisa basilar que se aprende nos romances de cavalaria dos séculos idos. É que a acção histórica resulta sempre de uma combinação de liberdade e de necessidade, de modo que esta não consegue dominar fatalmente a direcção dos acontecimentos. O problema no comunismo português, que nunca teve a coragem nem o mérito de se apartar do índice de pensamento retrógrado moscovita - e quando um reformador como Luís Sá estava preparado para reformar o partido - a viva ceifou-o injustamente; depois temos de gramar estes estoriadores da tanga, mas que são respeitáveis porque são os únicos de serviço que tratam o tema - (de tão interessante que é). Toda a ideia de Ocidente - e de dinâmica histórica remete para a acção do homem livre. E um homem livre jamais poderá ser um instrumento do Poder (ideológico emanado de Moscovo). Mas nada disto já me espanta. Pois há por aí muito bom social-democrata, ex-maoista e ex-marxista-leninista que passou a ser liberal e conservador desde o momento em que lhes roubaram os livros ou perceberam que o grande objectivo da vida é mesmo atingir o poder - não importa com que meios - e uma vez lá - no topo vital desse poder - urge arranjar amigos poderosos. Muito poderosos, bilionários de preferência. Assim, quando caírem da política sempre poderão receber um convite para administrar uma empresa do grupo financeiro de cujo líder são íntimos; ou, em alternativa, arranjar uns subsídios para biografar a vida do maior comunista português que hoje faleceu aos 91 anos. De seu nome Álvaro Cunhal. Paz à sua alma e que descanse em paz. Os dois grandes biógrafos dos regimes. Um em caldo de cultura não democrático; o outro em ambiente democrático. Eis um belo exemplo que poderá ser seguido pela comunidade académica... Fazer biografias sobre todos os democratas e não democratas com mais de 70 anos: vivos e mortos. Mários Soares, Adriano Múreia, Álvaro Cunhal, Veiga Beirão, Almeida Santos e toda uma linhagem de gerontocratas que agora estão a caminhar para os 80 anos.. Seria um excelente estímulo para a historiografia lusitana e, assim, engrandecer a nossa memória colectiva. Não podemos andar sempre a falar dos Descobrimentos, nem na Expo 98, nem ainda das vitórias de futebol que não conseguimos... Nem na Nossa Senhora de Fátima - como fazia o Paulinho das Feiras quando a poluição do Prestige - por acção das forças e das marés - não manchou a nossa costa.. Nem na pedofilia do Bibi nem no arrastão de Carcavelos que já se globalizou.. Mas no fundo, se virmos bem, é desta massa podre que tem sido feito o Portugal dos últimos anos. E isto é de lamentar. Até ámanhã camara...


Eis os verdadeiros "democratas" do séc. XIX-XX... Diz-me com quem andas - dir-te-ei o que pensas e o que és... Este aqui, o Gorby, é que mau, ou seja, o verdadeiro ditador. E, como tal, foi punido. Os de cima, que eram "bonzinhos" safaram-se. Até a história é uma grandessísima meretriz, sempre bêbeda que não merece o oxigénio que respira. Isto se pensarmos que há uma concepção da história que diz que ela deveria ser justa e libertadora, e não medíocre e castradora. É óbvio que aqui os termos da relação estrão propositadamente invertidos para ampliar esse efeito de constraste entre os "mauzinhos" e os bonzinhos. E é óbvio que o grande Gorby - um dia terá de ser verdadeiramente julgado pela história. E quando o for merecerá a grande Cruz da Liberdade. Para o senhor Yeltsin - que anda sempre alccoólico - recomendamos uma caixa de Vodka da Sibéria com muito petróleo à mistura.. Umas Notas sobre Álvaro Cunhal.Cunhal tem, de facto, muitas facetas, muitos heterónimos. Se calhar era um amante de Fernando Pessoa sem nunca o ter reconhecido. Deixamos aqui apenas umas notas soltas sobre o seu legado na 2ª metade do séc. XX. Foi um Revolucionário, um Político, um Intelectual, um Escritor, um Artista Plástico que procurou o melhor que pode e soube - dentro dos seus valores e coerência - libertar o homem da exploração do homem, do jugo do capitalismo. Foi também um "Pai" para muita gente, um feroz e persistente militante comunista. Um crente que olhava para o comunismo como uma religião, um ópio que seguia à risca e fiel seguidor das directrizes politico-ideológicas emanadas de Moscovo, de quem não tinha muita autonomia, especialmente até 1991. Um homem de causas e de convicções muito firmes, muitas delas forjadas na cadeia - onde esteve cerca de 12 anos. Via-o como um homem inteligente mas sem grande flexibilidade de pensamento. Extremamente repetitivo e rígido nas suas posições e falando sempre para uma classe social: os operários e os trabalhadores mais desprotegidos e iletradaos. Era um homem radical. Para o fim da sua vida docemente radical. Mas sempre coerente sem, contudo, deixar de ser um aristocrata de comportamento e um rebelde. Da sua vida íntima pouco se sabe. Operava como um agente do KGP. Era essa, aliás, a sua estrutura mental. As entrevistas que deu a Judite de Sousa comprovam-no até à exaustão. Sentia-se o gato e o rato nesses jogos de linguagem. De certo modo, essas entrevistas lembram-me outras: as de Pinto da Costa, esse malabarista do verbo que fala, fala, fala e nunca diz nada. Austero e seguindo sempre o hábito do segredo típico das "democracias" do leste europeu. As famosas democracias populares cujos dirigentes mandavam matar pessoas como quem muda de camisa. Cunhal nunca, mas nunca se distanciou desses regimes execráveis que violavam o direito à Vida, à liberdade - onde ele ia beber toda a sua ideologia, todo o seu pensamento, toda a sua praxis política. E, hoje, um tal sr. Bernardino Soares - que parece que é presidente da bancada do grupo parlamentar do PcP - ou já foi - aperece sempre balofo dizendo asneiras atrás de asneiras: a mais sabuja é aquela que atribui à Coreia do Norte o epíteto de verdadeira democracia... Pessoas destas ainda estão hoje no parlamento em Portugal... E eu morro de espanto...Ora é precisamente nestes casos que o velhinho e raquítico PcP deveria fazer purgas, expulsões ou, para mostrar que não come criancinhas au petit dejene... - poderia pedir aos amigos da UGT e da CGTP que fizesse mais uns cursos de Formação Profissional cujos milhões de euros aí gastos - ainda hoje - não apareceram... Também aqui a interpretação destas coisas - que envolvem capitais não é difícil fazer. E depois chamam nomes aos grandes capitalistas - quando - na verdade - alguns dos seus comportamentos intestinos ainda aguardam decisão de algum tribunal ou, o que é mais grave, já foram arquivados esses processos - simplesmente porque o esquema de corrupção montado não foi interferido pelo poder limitado da investigação judicial e da lei. E assim ficam os portugueses - lendo livros com páginas brancas - todas assinadas com uma caligrafia invisível que já nem os agentes corruptores percebem. Ísto é Portugal no seu melhor... Voltando a Cunhal: a sua potencialidade aflora como resistente ao fascismo, um feroz anti-salarazista e um enérgico anticolonialista. Aos olhos internacionais será, porventura, visto como o último dos estalinistas, fieis interpretes de uma doutrina que demorou 80 anos a cair, fazendo desgraças humanas em catadupa, empobrecendo sociedades, matando gente inocente em nome duma ideologia sem correspondência com a realidade, apesar do seu valor utópico e prometeico. Eis a natureza do comunismo soviético exportado para o mundo, como hoje a América de Bill Gates faz em relação ao software windows que faz funcionar os sistemas informáticos do Ocidente. Cunhal era isso tudo e muito mais: era uma Assembleia de heterónimos, como Fernando Pessoa. Apesar de não ter a mestria deste. Nem de perto nem de longe. Amável e gentil nas ruas, transformava-se depois num furacão quando subia à tribuna para incendiar as massas de operários comunistas que povoam a cintura industrial de Lisboa e que ele considerava serem uns escravos do grande Kapital.. Mas sempre com a tal "cassete" que os homens da minha idade, mais ou menos esclarecidos, se habituaram a ver e ouvir. E depois já nem queríamos nem ver nem ouvir. Pura e simplesmente mudávamos de canal, porque aquilo era enjoativo. E depois de ser enjoativo passava a ser execrável. Tornava-se mesmo num ataque à razão, num esbulho à imaginação. Tal fora a estagnação ideológica em que caíra. E eu ainda tinha a esperança que ele - o dr. Cunhal - fizesse jus ao tal qualificativo que um dia o prof. Marcello Caetano fez dele: um homem inteligente e flexível, apesar de estar aos erviço duma ideologia rígida que não permitiria evoluções. Ora foi isso que nunca vi nos seus discursos, ao contrário do que hoje toda a gente diz por aí, à boca cheia. Já agora, Marcelo disse de Soares que era um aluno assim assim, mediano, que nunca iria longe; e de Freitas do Amaral, previsivelmente, disse que era uma inteligência monolítica mas sem grande flexibilidade intelectual e argumentativa. Para os mais curioso poderão encontrar toda esta pallha num livro de Joel Serrão, antes de Marcelo falecer. Hoje, a história revela que nem Marcelo tinha razão: e o mais flexível de todos - so far - foi Freitas. Mas tudo isto é relativo e, por isso, muito subjectivo. Contudo, Cunhal caiu bem, porque se tornou num mito vivo. Agora já é um mito morto. Com interesses pulverizados pela literatura, que deixou de produzir por causa do problema dos olhos, ié, da vista que a dada altura falha. Camilo - que era um grande escritor - padeceu do mesmo mal. Pudemos ser coxos, marrecos, manetas, pernetas, ter hérnias discais e ser prendado com cancros avançados, mas não ter visão é como apagar a luz do dia e ficar às escuras para todo o sempre. Depois já nem o discurso da cassete que consegue reproduzir. Enfim, o homem deu o melhor que soube e pode. Com responsabilidade, coragem, decência e coerência nos princípios e na acção. Projectando-se no palco público; resguardando-se na esfera da sua intimidade, cuja vida a maior parte desconhecia. A queda do Muro de Berlim desmantelou-o, roubou-lhe a verdadeira razão de existir, tirou-lhe o substracto, puxou-lhe o tapete. Por isso, em 1991 abandona a liderança do PCP invocando motivos de saúde. E morreu hoje aos 91 anos de idade de pois de estar mais de 3 décadas à frente do PCP. Foi um combatente. Teve de burilar planos de evasão para se safar da cadeia de Peniche, fazendo lembrar cenas do Paipillon, interpretado pelo pequeno grande actor - Dustin Hoffman.. Mas nunca percebi se, na realidade, Cunhal sabia nadar, ou se se safou boiando nalguma carcaça flutuante que alguém lhe deixou. Quem sabe uma jangada de pedra do seu amigo Saramago, que só até há pouco tempo deixou de adorar Fidel Castro, esse grande ditador que ainda se permite mandar matar pessoas por delito de opinião. É aqui Cunhal se "suicida" intelectualmente. Como tem um quadro mental muito rígido não se consegue evadir da "estória" do comunismo mundial (que foi uma tragédia) para se distanciar e fazer a revisão do que esteve mal. E perdeu, perdeu muito do seu prestígio político e intelectual porque foi colado a esses actos vis, cobardes e anti-humanos que povoam a história da ideologia comunista. Uma história ditatorial, totalitária, concentracionária que fez o filme do séc. XX findo em toda a Europa de Leste - satelitizada e escravizada pela gerontocracia moscovita que, em parte, e com outras idiosincrasias marcaram o ambiente do Partido Comunista Português, o mais rígido e retrógrado da Europa. A dada altura poderíam até ter copiado o Eurocomunismo italiano, mas nada. A ortodoxia, as purgas e expulsões lusitanas pensadas e executadas por Cunhal - e pelo Comité Central da sua confiança - não deram espaço a essa abertura político-ideológica. Resultado: o partido definha sociológicamente, e arrisca-se a ser um agrupamento de agricultores velhos e operários iletrados que - sem dentes e de boina-capacete às três pancadas - aparecem nos écrans das televisões a falar mal o português, sinal de pobreza e vergonha para todos nós. Foi, pois, a queda do Muro de Berlim que desvitaminou Cunhal. Desmineralizou o PCP. Afastou-o das pessoas, ficando só com um grupo de reformados operários da Lisnave e da Setnave que ainda pensam que o grande Kapital é que amarfanha os operários. E de certo modo - isso é verdade - mas já não pelos motivos e razões invocados pelos velhos ortodoxos que perderam o sentido da história, confundindo o verdadeiro Comunista (que foi Jesus Cristo) com as religiões degeneradas de colectivização forçada, de planificação centralizada que mata cerce qualquer iniciativa pessoal. Lembre-mo-nos de Cuba que o prémio Nobel tanto apreciava.. até ao assassinato duns quantos que queriam fugir do ditador Fidel, que cai mas não parte. Ora, é este conjunto de contradições que o sedutor Cunhal nos deixa. Uma imagem de libertação mas também uma imagem de operessão ideológica, de purgas, de expulsões perante aqueles que pensaram diferente e pagaram caro esse desvio ideológico. Cunhal, era, sempre e até puder, o tal cimento congregador que fazia as transfusões de crenças para os eleitorados alienados que todos os anos se reuniam na grandiosa Festa do Avante - que mais parecia as festas do regime alí na Praça do Império nos anos 40 do séc. XX. Sempre com grande carisma, com tremendo magnetismo. Com o pensamento colocado na utopia e no sonho de um amanhã que canta. Mas depois as pessoas choravam e tudo parecia o filme do J. de Melo Gente Feliz com Lágrimas... Cunhal foi, contudo, um homem sério. Viveu como pensou até morrer. E isso, só por si, é digno de nota, porque revela o carácter vertical de um homem. Um homem importante que marcou um tempo, moldou a história com a ânsia revolucionária de destruir o Estado e de o converter numa ditadura do proletariado. Ainda acreditaram nisto. Coisa que já nem o Louçã do BE hoje perfilha. Senhor duma cultura invulgar, explicador de Mário Soares (tal como foi Agostinho da Silva), de boa preparação intelectual e histórica - projectava o seu olhar penetrante - com olhos de águia sobre as pessoas, num misto de sedução, coacção e intimidação. Com ele jamais houve lugar para o síndrome de Hamlet - ser ou não ser. Com Cunhal era sempre, mesmo que contra os ventos da história e sempre do lado dos derrotados da história. Lutava por causa e por princípios, e isso, de per se, é de louvar. Muito mais se poderia dizer, mas anoto uma história que me foi contada por um amigo do meu Pai, narrada por um tal Mestre J. do V. Monteiro - um artista, um pintor que hoje terá cerca de 88 anos, se ainda for vivo. Esse homem, com quem conversava muito na década de 80, contou-me que um dia - em tempos idos - Álvaro Cunhal se deslocou ao liceu Rainha Dona Leonor em Lisboa. E verificou que a sua incursão escola adentro teve um poderoso impacto nos olhares das miúdas bem como no conjunto da comunidade de estudantes e de professores que ali o aguardavam. Confesso - a avaliar pela discrição - que essa sedução não raiou a histeria colectiva que os Beattles tinham junto das populações, mas que as meninas ficavam com a feromonas alteradas - lá isso ficaram... Este pequeno episódio é, antes demais, um traço revelador da imagem de sedução e de forte atracção que Cunhal exercia junto das camadas femininas da população. Com tanta sedução nem sei como houve lugar para tanta rigidez, para tanta ortodoxia, para tanta incompreensão por aquilo que acabou por ser os ventos da história. Tanta inteligência, tanto talento para terminar numa política de avestruz... Hoje, quando penso em Cunhal, lembro-me só de duas ou três coisas: aquela cabeleira branca - que nunca sabia onde terminava e começava as sobranceilhas; lembro-me também daquele discurso monocórdio e enfadolho do ataque aos grandes grupos capitalistas do "Shampoo Limão" (leia-se - A. Champallimaud); da ameaça de greves e de que a luta continua, de punho em riste sempre vociferando no vazio. Ah, lembro-me também dos métodos praticados para com aqueles que dentro do PCP pretendiam reformar o funcionamento do partido: a expulsão e o mais. Carlos Brito, Judas, Zita Jones Seabra, Edgar Correia (já falecido) e tantos outros... Os homens da geração de 60, 70 e muito menos de 80 já não o entendiam. Cunhal era um homem do passado. Carvalhas ainda conseguiu aumentar esse fosso por razões outras que são já de todos conhecidas. Hoje interrogo-me como poderia ele - o grande mito vivo e morto - concentrar-se na política de Portugal, com todas aquelas raparigas ali de pé, olhando para ele a partir das janelas do liceu Rainha D. Leonor. Concentrar-se na política da Rússia, da Europa de leste e do mais que hoje já não existe... No fundo, em política as coisas e as ideologias são (mais ou menos) verdadeiras ou falsas. E as pessoas, tal como as ideologias, esvaem-se em sague e morrem. No fundo, nem Marx nem Jesus...onde é que eu já vi este filme... pela pena de Revel.. Seja como for, Cunhal fez parte do nosso imaginário. A Coca-Cola também, apesar daquilo evitável. Quando nasci ele já cá andava. Quando me tornei adulto já estava farto de o ver aos beijos ao Mário Soares na chegada a Stª Apolónia, porque parece que lhe deu umas aulitas de cultura geral - a mando do pai João Soares - que queria o filho (que era um lambão) bem preparado para os futuros da política.. Mas foram beijos motivados por um inimigo comum: o fascismo salazarento e imperial que hoje ainda não fez a descolonização. Especialmente, daqueles que ainda estão alapados aos órgãos de ensino superior - nomeados pelo bloco central dos interesses - ajudando a destruir o resto que falta da Academia para tornar Portugal um país genuinamente atrasado. Desse modo, tornamo-nos comparáveis aos países do Continente africano e ficamos (sempre) por cima.. Mário Soares, Veiga Simão, Adriano Múreia, Almeida Santos e mais um outro gato pingado gerontocrático - que andam por aí, fazendo e desfazendo a estória (contada por eles) - o que dirá deles a História quando um dia a verdadeira HISTÓRIA (com "H" grande) se fizer, com isenção, distanciamento e justiça? Que pronunciamento se fará?? Temo bem que, a dada altura, o balanço não seja muito diferente daquele balanço (contraditório e em alguns casos mesmo problemático) que fazemos hoje de Cunhal. É positivo mas também é negativo. E medir isso no prato da balança é altamente complexo e problemático. Pergunto-me: como estaria hoje Portugal sem Cunhal??? O homem detestava a Europa, nós entrámos; detestava a América do Tio Sam - somos aliados e com vantagens; Detestava a NATO - somos membros fundadores e também com inúmeras vantagens... No fundo, tudo aquilo que representou progresso, modernização e desenvolvimento em todos os índices humanos - em rigor - passou à margem da ideias, das políticas e dos homens do PCP. É triste hoje constatar isto, mas é a realidade. Fico sempre arrepiado quando me falam em Liberdade e depois matam e mandam matar em seu nome. Se se conseguir meditar desapaixonadamente nestas palavras veremos que o Continente africano pode ser uma boa bateria de respostas para meter na linha alguns restolhos que andam por aí revelando a sua boa vontade e esprit de humanistas quando, na prática, assinaram documentos cujo único objectivo era só um: matar. E isto, meus caros senhores e restolhos do Restelo (da academia e fora dela, novos e velhos), tanto se fez com ditaduras de esquerda nas Primaveras de Praga, como se praticou nas ditaduras de direita do Amigo António Oliveira (o "botas" para os amigos) - com a bíblia numa das mãos e com a espada na outra. No que diz respeito ao dr. Cunhal - julgo que ainda é prematuro poder fazer-se um balanço definitivo, mesmo com a ajuda dos livros do Pacheco Pereira que julga ser capaz de meter toda a história dentro das páginas dos seus livros. É outro alienado - que por ter bebido dessa ideologia e agora estar noutra - se julga um historiador isento e imparcial. Ora não é!! Basta vê-lo 3 minutos na quadratura do círculo a discutir política com o grande iluminado que é Jorge Coelho - para perceber a sua formação intelectual maoista, marxista-leninista e, hoje, anti-tudo-isso. Um pouco como o seu colega e amigo Durão Barroso, que nunca pensou coisa nenhuma na vida - é um especialista em fugas políticas e hoje parece que está na Europa a presidir a um banco falido e penhorado com milhares de credores à porta. Um desastre nunca vem só... Por último, a revolução de Cunhal tem coisas positivas e coisas negativas. É uma espécie de vértice de uma aresta que separa a história de uma sociedade num antes e num depois - muito diferentes. Em todo o caso, a existência de Cunhal em Portugal, especialmente desde a fase da clandestinidade, que era onde hoje todos os restolhos salazarengos deveriam estar (mas que fizeram a transição para a democracia e aí comem na manjedoura do Estado (como diria Francisco Sousa Tavares) - marca o verdadeiro sentido e esprit da REVOLUÇÃO. Ou seja, um momento histórico cuja temporalidade vai muito para além do momento que lhe deu origem imediata. As transformações que a revolução gera repercutem-se no futuro, de uma forma por vezes imprevisível, e geralmente mais profunda do que se poderia pensar. Cunhal foi apenas mais um elo numa grande engrenagem que implica uma grande soma de transformações sociais e mentais que marcaram uma ruptura com a ditadura de Salazar e de Caetano e com as colónias africanas. O problema não está aí, ou seja, no passado. O problema, quando se equaciona Cunhal - está no futuro, ié, a ideia e a vontade de reconstrução de um mundo social mais justo resultou numa ficção angustiante. Mas isso já não é só da responsabilidade de Cunhal que já só queria escrever umas linhas e pintar uns quadros e distinguir os conceitos de belo e feio no plano da história da estética e da filosofia. Contudo, sublinho que o maior aliado de Cunhal foi Salazar. E o mesmo se aplica - por extensão - a Soares. São o que são hoje não por uma ideia de futuro que gizaram em prol da nação, mas porque foram eles (e não outros) corporizaram os anticorpos que poderiam abater o inimigo visceral de várias décadas de ditadura chamado Salazar e depois Caetano. Ora, tudo isto implica pensar um bocadinho para além dos homens, e combinar a necessidade com a liberdade, porque, de facto, são estes os dois valores supremos que fazem a Guerra e a Paz entre as nações na história da Humanidade. Nesta medida, teremos, porventura, de perceber mais uma coisa comezinha: não obstante a importância do papel dos grandes homens na história, há, contudo, que integrar o tecido conjuntivo de que é feito o filme da própria história. E esse puzzle é, antes demais, não o resultado da acção do Sr. Álvaro Cunhal - que era um fiel interprete em Portugal da ditadura moscovita do sr. Bresnieve e quejandos (que adoptavam a doutrina da soberania limitada feita com bombas e sangue, e o mesmo se diga da América do lado do seu backyard sul-americano) - mas um movimento da História como sendo a resultante da combinação dos efeitos e dos actos livres de cada um dos homens anónimos que compõem o género humano. Na prática, e agradeço do dr. Cunhal obrigar-me a pensar nisso agora, cada decisão conta pouco em si própria, o que conta é o efeito final dessas inumeráveis acções disparadas em todas as direcções. É daí que decorre o movimento histórico do conjunto. Por isso, é que vejo com alguma dificuldade aquelas pessoas que tendem a endeusar certas pessoas, só porque em dada altura das suas vidas conversaram 2 minutos com elas, apanharam um autógrafo num livrinho de que só leram o índice, ou arranjaram emprego no partido e o mais. De facto, o essencial é que a livre decisão de cada homem conta muito pouco, por estar condicionada pelas circunstâncias vigentes num dado momento e, também, para os mais crentes, uma vez que o comunismo é uma religião de que Cunhal foi um fiel sacerdote, pela divina providência que garante a certos homens a sorte de poderem ter usufruído a liberdade de decisão de que hoje se reclamam. Por isso, diria o seguinte: o legado de Cunhal é indiscutível; o seu carisma e sedução também; o seu biógrafo - como Franco Nogueira o foi de Salazar - até pode ser um historiador alienado - que julga ser dono de todas as explicações "estóricas" não percebendo, contudo, o mais comezinho: a história - dr. Pacheco - não pode imputar-se à vontade de nenhum homem, nem à vontade do dr. Cunhal cuja teoria e praxis durante anos seguiu. Mas é ao prestar esta singela homenagem ao dr. Cunhal - por uma questão de dignidade - que aqui também damos uma ajudinha ao "estoriador" de serviço e ao biógrafo de Cunhal. Referimo-nos, naturalmente, ao grande Pacheco Pereira que parece desconhecer esta coisa basilar que se aprende nos romances de cavalaria dos séculos idos. É que a acção histórica resulta sempre de uma combinação de liberdade e de necessidade, de modo que esta não consegue dominar fatalmente a direcção dos acontecimentos. O problema no comunismo português, que nunca teve a coragem nem o mérito de se apartar do índice de pensamento retrógrado moscovita - e quando um reformador como Luís Sá estava preparado para reformar o partido - a viva ceifou-o injustamente; depois temos de gramar estes estoriadores da tanga, mas que são respeitáveis porque são os únicos de serviço que tratam o tema - (de tão interessante que é). Toda a ideia de Ocidente - e de dinâmica histórica remete para a acção do homem livre. E um homem livre jamais poderá ser um instrumento do Poder (ideológico emanado de Moscovo). Mas nada disto já me espanta. Pois há por aí muito bom social-democrata, ex-maoista e ex-marxista-leninista que passou a ser liberal e conservador desde o momento em que lhes roubaram os livros ou perceberam que o grande objectivo da vida é mesmo atingir o poder - não importa com que meios - e uma vez lá - no topo vital desse poder - urge arranjar amigos poderosos. Muito poderosos, bilionários de preferência. Assim, quando caírem da política sempre poderão receber um convite para administrar uma empresa do grupo financeiro de cujo líder são íntimos; ou, em alternativa, arranjar uns subsídios para biografar a vida do maior comunista português que hoje faleceu aos 91 anos. De seu nome Álvaro Cunhal. Paz à sua alma e que descanse em paz. Os dois grandes biógrafos dos regimes. Um em caldo de cultura não democrático; o outro em ambiente democrático. Eis um belo exemplo que poderá ser seguido pela comunidade académica... Fazer biografias sobre todos os democratas e não democratas com mais de 70 anos: vivos e mortos. Mários Soares, Adriano Múreia, Álvaro Cunhal, Veiga Beirão, Almeida Santos e toda uma linhagem de gerontocratas que agora estão a caminhar para os 80 anos.. Seria um excelente estímulo para a historiografia lusitana e, assim, engrandecer a nossa memória colectiva. Não podemos andar sempre a falar dos Descobrimentos, nem na Expo 98, nem ainda das vitórias de futebol que não conseguimos... Nem na Nossa Senhora de Fátima - como fazia o Paulinho das Feiras quando a poluição do Prestige - por acção das forças e das marés - não manchou a nossa costa.. Nem na pedofilia do Bibi nem no arrastão de Carcavelos que já se globalizou.. Mas no fundo, se virmos bem, é desta massa podre que tem sido feito o Portugal dos últimos anos. E isto é de lamentar. Até ámanhã camara...

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