Crédulos com os benefícios do iodo, da sardinha, do bronzeado, do "descanso" e das braçadas em água salgada, muitos veraneantes rebolam, aos magotes, em direcção ao Sul - o fast-food tem este lado generoso e poupadinho, dispensa gastos excessivos em combustível -.Agora que estou de férias, resolvi, a propósito desta migração, fazer um estudo em prol do ambiente. Peguei nas minhas canas de pesca e nos molinetes (enferrujados pelo desuso) e rumei a sudoeste, para esperar um grupo alvo junto à linha de água.Na esperança de encontrar um peixe que se entusiasmasse com a isca - cada vez é mais difícil encontrar um peixe na costa - lancei o anzol eminhocado e sentei-me numa das rochas à beira mar. Nas rochas, à volta delas e entre elas, viviam, há uma dezena de anos: lapas, camarinhas (pequenos camarões), bruxas (uma espécie aparentada ao lagostim), caranguejos, búzios, tiagem e mexilhão. Era um fervilhar de vida que se estendia ao areal, rico em bivalves - alguns bem deliciosos como as conquilhas, por exemplo -; hoje dão-se alvissaras a quem encontrar uma lapa nas rochas, ou uma conquilha na areia. Entretanto, enquanto com umas voltas de molinete ajustava o lugar exacto para o poiso da isca no fundo, surgiu uma família tipicamente candidata a beneficiária do "íooodo". Aproximei-me.O rapaz, que trazia geladeira, pousou-a no areal e, antes de a colocar no resguardo do chapéu-de Sol, levantou a tampa para confirmar sorridente a existência de umas latas de coca-cola, um melão do Ribatejo, meia melancia - embora não muito vermelha, bem mais vermelha que Jerónimo de Sousa ou Bernardino Soares - e mais uns acepipes que, por se encontrarem lá bem no fundo, não consegui vislumbrar.O homem, livrou-se das toalhas e do "Record" e espetou a vara do "chapéu", com a força que a saudade do gás do vinho verde gelado imprime. A mulher, na casa dos 40, sentou no areal o filho mais pequeno e arrumou as tralhas - a dos baldes e de outros vasos de plástico, a farmacêutica e a de cosmética -, sob o chapéu, com a minúcia que a ocasião supostamente exige.Pareceu-me, cá de longe, que a ponteira da cana dava sinal de um peixe e, prevendo uma baila de tamanho generoso, fui até lá. Nada que justificasse fazer o trajecto; provavelmente um saco de plástico, empurrado pela corrente da vazante, terá batido com força suficiente na linha, a ponto de parecer o estrebuchar de um peixe.Quando voltei ao grupo, já o rapaz tinha escavado um buraco profundo. O homem, visivelmente untado, debatia-se com o vento nas folhas do jornal, revelando desconhecimento de como aproveitar o vento para evitar o esforço de folhear. Ela, a mãe, tentava calar o berreiro do mais pequeno com um "Danoninho", enfiando-lhe o fluído goela abaixo, a bom ritmo.O Sol começou a dar sinal de querer torrar os mais distraídos e eu, ali a trabalhar de borla, enrolei o estojo e rumei até casa. Pelo caminho parei num dos retiros onde os lobos do mar se hidratam.- Um café, se faz favor... N.! Qué das bailas?- Onde foste?- Olhos d'Água! Na tal pedra...- Oh Diacho! Aquilo está cheio de merda!- Hum?!!- Rompeu-se para lá um tubo das máquinas de moer...- Da ETAR?- Diz que foi rato que roeu uns tubos...!- Um rato?!!! E havia gente na praia?!- Aquilo... o pior já passou... os peixes é que não ligam nada às bandeiras. Olha as bailas... matreiras como elas são... mudavam a bandeira e elas vinham a correr com a melancia às costas. Eh! Eh! Eh!Vim até casa a pensar num novo título para o putativo estudo... Mas nada me ocorreu que pudesse competir com o original: "Os benefícios do iodo." Talvez... "Ratos comprometem benefícios do iodo", mas... caramba, parece um título do "24Horas". Malditos ratos!
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Crédulos com os benefícios do iodo, da sardinha, do bronzeado, do "descanso" e das braçadas em água salgada, muitos veraneantes rebolam, aos magotes, em direcção ao Sul - o fast-food tem este lado generoso e poupadinho, dispensa gastos excessivos em combustível -.Agora que estou de férias, resolvi, a propósito desta migração, fazer um estudo em prol do ambiente. Peguei nas minhas canas de pesca e nos molinetes (enferrujados pelo desuso) e rumei a sudoeste, para esperar um grupo alvo junto à linha de água.Na esperança de encontrar um peixe que se entusiasmasse com a isca - cada vez é mais difícil encontrar um peixe na costa - lancei o anzol eminhocado e sentei-me numa das rochas à beira mar. Nas rochas, à volta delas e entre elas, viviam, há uma dezena de anos: lapas, camarinhas (pequenos camarões), bruxas (uma espécie aparentada ao lagostim), caranguejos, búzios, tiagem e mexilhão. Era um fervilhar de vida que se estendia ao areal, rico em bivalves - alguns bem deliciosos como as conquilhas, por exemplo -; hoje dão-se alvissaras a quem encontrar uma lapa nas rochas, ou uma conquilha na areia. Entretanto, enquanto com umas voltas de molinete ajustava o lugar exacto para o poiso da isca no fundo, surgiu uma família tipicamente candidata a beneficiária do "íooodo". Aproximei-me.O rapaz, que trazia geladeira, pousou-a no areal e, antes de a colocar no resguardo do chapéu-de Sol, levantou a tampa para confirmar sorridente a existência de umas latas de coca-cola, um melão do Ribatejo, meia melancia - embora não muito vermelha, bem mais vermelha que Jerónimo de Sousa ou Bernardino Soares - e mais uns acepipes que, por se encontrarem lá bem no fundo, não consegui vislumbrar.O homem, livrou-se das toalhas e do "Record" e espetou a vara do "chapéu", com a força que a saudade do gás do vinho verde gelado imprime. A mulher, na casa dos 40, sentou no areal o filho mais pequeno e arrumou as tralhas - a dos baldes e de outros vasos de plástico, a farmacêutica e a de cosmética -, sob o chapéu, com a minúcia que a ocasião supostamente exige.Pareceu-me, cá de longe, que a ponteira da cana dava sinal de um peixe e, prevendo uma baila de tamanho generoso, fui até lá. Nada que justificasse fazer o trajecto; provavelmente um saco de plástico, empurrado pela corrente da vazante, terá batido com força suficiente na linha, a ponto de parecer o estrebuchar de um peixe.Quando voltei ao grupo, já o rapaz tinha escavado um buraco profundo. O homem, visivelmente untado, debatia-se com o vento nas folhas do jornal, revelando desconhecimento de como aproveitar o vento para evitar o esforço de folhear. Ela, a mãe, tentava calar o berreiro do mais pequeno com um "Danoninho", enfiando-lhe o fluído goela abaixo, a bom ritmo.O Sol começou a dar sinal de querer torrar os mais distraídos e eu, ali a trabalhar de borla, enrolei o estojo e rumei até casa. Pelo caminho parei num dos retiros onde os lobos do mar se hidratam.- Um café, se faz favor... N.! Qué das bailas?- Onde foste?- Olhos d'Água! Na tal pedra...- Oh Diacho! Aquilo está cheio de merda!- Hum?!!- Rompeu-se para lá um tubo das máquinas de moer...- Da ETAR?- Diz que foi rato que roeu uns tubos...!- Um rato?!!! E havia gente na praia?!- Aquilo... o pior já passou... os peixes é que não ligam nada às bandeiras. Olha as bailas... matreiras como elas são... mudavam a bandeira e elas vinham a correr com a melancia às costas. Eh! Eh! Eh!Vim até casa a pensar num novo título para o putativo estudo... Mas nada me ocorreu que pudesse competir com o original: "Os benefícios do iodo." Talvez... "Ratos comprometem benefícios do iodo", mas... caramba, parece um título do "24Horas". Malditos ratos!