O parlamento ao morto

28-10-2008
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O parlamento ao morto

Os dois principais partidos, PS e PSD, engrossados por legiões anónimas que não chegam a abrir a boca durante o mandato excepto para gritar Apoiado, Apoiado, têm a bancada da frente e o chefe do grupo parlamentar para fazer face às despesas do debate A estes burocratas aborrecidos, a disciplina de voto dispensa-os de pensar Alterar tamanho Não costumo ver o Canal Parlamento e não sigo os debates parlamentares. Por vezes, desvendam os telejornais uns interstícios desse templo da retórica e da oratória políticas, onde invariavelmente surgem deputados sonolentos que bocejam, rabiscam e só saem do torpor para aplaudir a mãos cheias uma intervenção da bancada. Intervenção que parecem não ter ouvido, de entretidos que estavam a ensimesmar, bocejar e rabiscar. O máximo de actividade cerebral parlamentar produzida pertence aos pequenos partidos da direita e da esquerda, o PP e o BE, seguidos pelo PCP. Os dois principais partidos, PS e PSD, engrossados por legiões anónimas que não chegam a abrir a boca durante o mandato excepto para gritar Apoiado, Apoiado, têm a bancada da frente e o chefe do grupo parlamentar para fazer face às despesas do debate. Muita gente fala no telemóvel, suponho que para diluir o tédio das sessões, e muita gente nem sequer lá põe os pés, contribuindo para aqueles grandes planos do hemiciclo deserto. Com a sua voz cadenciada e martelada, o maçadíssimo Jaime Gama vai presidindo a esta modorra, com muita actividade regulamentar para compensar a ausência de actividade. Não costumo ver o Canal Parlamento e não sigo os debates parlamentares. Por vezes, desvendam os telejornais uns interstícios desse templo da retórica e da oratória políticas, onde invariavelmente surgem deputados sonolentos que bocejam, rabiscam e só saem do torpor para aplaudir a mãos cheias uma intervenção da bancada. Intervenção que parecem não ter ouvido, de entretidos que estavam a ensimesmar, bocejar e rabiscar. O máximo de actividade cerebral parlamentar produzida pertence aos pequenos partidos da direita e da esquerda, o PP e o BE, seguidos pelo PCP. Os dois principais partidos, PS e PSD, engrossados por legiões anónimas que não chegam a abrir a boca durante o mandato excepto para gritar Apoiado, Apoiado, têm a bancada da frente e o chefe do grupo parlamentar para fazer face às despesas do debate. Muita gente fala no telemóvel, suponho que para diluir o tédio das sessões, e muita gente nem sequer lá põe os pés, contribuindo para aqueles grandes planos do hemiciclo deserto. Com a sua voz cadenciada e martelada, o maçadíssimo Jaime Gama vai presidindo a esta modorra, com muita actividade regulamentar para compensar a ausência de actividade. Em tempo de crise, e com o primeiro-ministro e o ministro das Finanças a irem ao Parlamento «explicar a crise» e as medidas do Governo, lá me sentei a ver os directos, à espera do debate político e ideológico ao vivo. Debate político não houve, e ideológico muito menos. O Governo ia preparado, com uns papéis e um discurso rápido que José Sócrates se habituou a entregar em rajadas verbais, umas medidas atrás das outras. Acção, muita acção, já que o pensamento escasseia. O PSD iniciou o debate. Paulo Rangel não é destituído de talento parlamentar e argumenta com sobriedade, sem histeria e sem brejeirices, o que é um alívio. Contrapôs às medidas de Sócrates a ineficácia concreta dessas medidas, mas, aqui chegado, daqui não saiu. E o debate não largou a mercearia. IRC para aqui, IRC para ali, pagamentos por conta e umas miudezas. Sobre política, e a diferença de políticas entre os dois partidos, nem uma linha. Sobre a crise internacional, a quebra de confiança, o comportamento dos bancos e dos mercados, e as consequências da crise para a economia real, nada. Acolitado por dois deputados que gritavam Apoiado e brandiam folhas, está aqui, está aqui, já tínhamos feito essa proposta!, Paulo Rangel foi despedido por Sócrates sem esforço. Pensei que os outros ainda iriam dar um certo sal à coisa. Se um partido da direita pode sentir-se entalado com os pressupostos do liberalismo económico e financeiro, duvida-se que um conservador assista quieto ao avanço do Estado como único garante e motor da economia. E a verdade é que o PP tem nas suas fileiras um dos raros deputados que pensa e dá combate, Paulo Portas. Paulo Portas não esteve mal, a sua inteligência reluz por cima dos bocejantes rabiscadores, mas, sobre este tema em particular, não tinha muito a dizer, e criticou também no concreto, recolhendo o desafio ideológico no saco vazio de ideias. ILUSTRAÇÃO CARLOS QUITÉRIO/ RE-SEARCHER O PCP lá tinha o seu Jerónimo de Sousa acompanhado pelo delfim Bernardino Soares (o homem que encontra virtude democrática na Coreia do Norte), e o velho comunista, com um brilhozinho nos olhos, agitou a cartilha das nacionalizações, da GALP, da EDP, dos bancos, de tudo e de todos, como no PREC, perante o acenar de cabeça grave e compungido do delfim, como quem diz, nós bem avisámos. Aqui chegados, o Governo trazia o trabalho de casa feito e leu, com sarcasmo, as declarações do Congresso do PCP em que os comunistas apontam os exemplos do Laos e da dita Coreia do Norte como faróis na noite antidemocrática em que vivemos. Risos na plateia. Nem o PCP conseguiu articular meia dúzia de frases sobre as consequências para o eleitorado mais pobre, a sua base, sobre a «crise do capitalismo», nem o primeiro-ministro precisou de se esforçar mais do que o necessário para manter a coisa no nível da chalaça. O Laos, meus senhores, o Laos. E o Amado Líder. O PCP lá tinha o seu Jerónimo de Sousa acompanhado pelo delfim Bernardino Soares (o homem que encontra virtude democrática na Coreia do Norte), e o velho comunista, com um brilhozinho nos olhos, agitou a cartilha das nacionalizações, da GALP, da EDP, dos bancos, de tudo e de todos, como no PREC, perante o acenar de cabeça grave e compungido do delfim, como quem diz, nós bem avisámos. Aqui chegados, o Governo trazia o trabalho de casa feito e leu, com sarcasmo, as declarações do Congresso do PCP em que os comunistas apontam os exemplos do Laos e da dita Coreia do Norte como faróis na noite antidemocrática em que vivemos. Risos na plateia. Nem o PCP conseguiu articular meia dúzia de frases sobre as consequências para o eleitorado mais pobre, a sua base, sobre a «crise do capitalismo», nem o primeiro-ministro precisou de se esforçar mais do que o necessário para manter a coisa no nível da chalaça. O Laos, meus senhores, o Laos. E o Amado Líder. Restava o Bloco. E dada a combatividade de Francisco Louçã, mais a preparação académica e o facto de ser, com Paulo Portas, o mais inteligente por entre a massa amorfa, e o mais perigoso, capaz de pregar rasteiras e de pensar como um político, achei que o debate ia aquecer. Desilusão. Louçã remeteu-se a um discurso sobre um call-center do Governo instalado em Castelo Branco, e 200 trabalhadores. Sócrates caiu-lhe em cima com factos contrários, eles têm segurança social, etc., e ambos discutiram animadamente, no dia em que os mercados e os índices se afundavam e muitos portugueses não sabiam se tinham as poupanças garantidas, as pensões a salvo e o emprego e a casa garantidos, a situação em Castelo Branco. Foi a regionalização do debate, o contraponto da província ao Laos cosmopolita do PCP. Sem oposição que se visse, coube a Alberto Martins, chefe do grupo parlamentar do PS, atar o ramalhete de piropos disfarçados. Não admira que estes burocratas aborrecidos aceitem a disciplina de voto como um rebanho obediente, disfarçando a mediocridade com a seriedade enfática. A insurreição aterroriza-os. E a disciplina de voto dispensa-os de pensar. E nós, já que não podemos mudar de Parlamento, mudamos de canal.

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O parlamento ao morto

Os dois principais partidos, PS e PSD, engrossados por legiões anónimas que não chegam a abrir a boca durante o mandato excepto para gritar Apoiado, Apoiado, têm a bancada da frente e o chefe do grupo parlamentar para fazer face às despesas do debate A estes burocratas aborrecidos, a disciplina de voto dispensa-os de pensar Alterar tamanho Não costumo ver o Canal Parlamento e não sigo os debates parlamentares. Por vezes, desvendam os telejornais uns interstícios desse templo da retórica e da oratória políticas, onde invariavelmente surgem deputados sonolentos que bocejam, rabiscam e só saem do torpor para aplaudir a mãos cheias uma intervenção da bancada. Intervenção que parecem não ter ouvido, de entretidos que estavam a ensimesmar, bocejar e rabiscar. O máximo de actividade cerebral parlamentar produzida pertence aos pequenos partidos da direita e da esquerda, o PP e o BE, seguidos pelo PCP. Os dois principais partidos, PS e PSD, engrossados por legiões anónimas que não chegam a abrir a boca durante o mandato excepto para gritar Apoiado, Apoiado, têm a bancada da frente e o chefe do grupo parlamentar para fazer face às despesas do debate. Muita gente fala no telemóvel, suponho que para diluir o tédio das sessões, e muita gente nem sequer lá põe os pés, contribuindo para aqueles grandes planos do hemiciclo deserto. Com a sua voz cadenciada e martelada, o maçadíssimo Jaime Gama vai presidindo a esta modorra, com muita actividade regulamentar para compensar a ausência de actividade. Não costumo ver o Canal Parlamento e não sigo os debates parlamentares. Por vezes, desvendam os telejornais uns interstícios desse templo da retórica e da oratória políticas, onde invariavelmente surgem deputados sonolentos que bocejam, rabiscam e só saem do torpor para aplaudir a mãos cheias uma intervenção da bancada. Intervenção que parecem não ter ouvido, de entretidos que estavam a ensimesmar, bocejar e rabiscar. O máximo de actividade cerebral parlamentar produzida pertence aos pequenos partidos da direita e da esquerda, o PP e o BE, seguidos pelo PCP. Os dois principais partidos, PS e PSD, engrossados por legiões anónimas que não chegam a abrir a boca durante o mandato excepto para gritar Apoiado, Apoiado, têm a bancada da frente e o chefe do grupo parlamentar para fazer face às despesas do debate. Muita gente fala no telemóvel, suponho que para diluir o tédio das sessões, e muita gente nem sequer lá põe os pés, contribuindo para aqueles grandes planos do hemiciclo deserto. Com a sua voz cadenciada e martelada, o maçadíssimo Jaime Gama vai presidindo a esta modorra, com muita actividade regulamentar para compensar a ausência de actividade. Em tempo de crise, e com o primeiro-ministro e o ministro das Finanças a irem ao Parlamento «explicar a crise» e as medidas do Governo, lá me sentei a ver os directos, à espera do debate político e ideológico ao vivo. Debate político não houve, e ideológico muito menos. O Governo ia preparado, com uns papéis e um discurso rápido que José Sócrates se habituou a entregar em rajadas verbais, umas medidas atrás das outras. Acção, muita acção, já que o pensamento escasseia. O PSD iniciou o debate. Paulo Rangel não é destituído de talento parlamentar e argumenta com sobriedade, sem histeria e sem brejeirices, o que é um alívio. Contrapôs às medidas de Sócrates a ineficácia concreta dessas medidas, mas, aqui chegado, daqui não saiu. E o debate não largou a mercearia. IRC para aqui, IRC para ali, pagamentos por conta e umas miudezas. Sobre política, e a diferença de políticas entre os dois partidos, nem uma linha. Sobre a crise internacional, a quebra de confiança, o comportamento dos bancos e dos mercados, e as consequências da crise para a economia real, nada. Acolitado por dois deputados que gritavam Apoiado e brandiam folhas, está aqui, está aqui, já tínhamos feito essa proposta!, Paulo Rangel foi despedido por Sócrates sem esforço. Pensei que os outros ainda iriam dar um certo sal à coisa. Se um partido da direita pode sentir-se entalado com os pressupostos do liberalismo económico e financeiro, duvida-se que um conservador assista quieto ao avanço do Estado como único garante e motor da economia. E a verdade é que o PP tem nas suas fileiras um dos raros deputados que pensa e dá combate, Paulo Portas. Paulo Portas não esteve mal, a sua inteligência reluz por cima dos bocejantes rabiscadores, mas, sobre este tema em particular, não tinha muito a dizer, e criticou também no concreto, recolhendo o desafio ideológico no saco vazio de ideias. ILUSTRAÇÃO CARLOS QUITÉRIO/ RE-SEARCHER O PCP lá tinha o seu Jerónimo de Sousa acompanhado pelo delfim Bernardino Soares (o homem que encontra virtude democrática na Coreia do Norte), e o velho comunista, com um brilhozinho nos olhos, agitou a cartilha das nacionalizações, da GALP, da EDP, dos bancos, de tudo e de todos, como no PREC, perante o acenar de cabeça grave e compungido do delfim, como quem diz, nós bem avisámos. Aqui chegados, o Governo trazia o trabalho de casa feito e leu, com sarcasmo, as declarações do Congresso do PCP em que os comunistas apontam os exemplos do Laos e da dita Coreia do Norte como faróis na noite antidemocrática em que vivemos. Risos na plateia. Nem o PCP conseguiu articular meia dúzia de frases sobre as consequências para o eleitorado mais pobre, a sua base, sobre a «crise do capitalismo», nem o primeiro-ministro precisou de se esforçar mais do que o necessário para manter a coisa no nível da chalaça. O Laos, meus senhores, o Laos. E o Amado Líder. O PCP lá tinha o seu Jerónimo de Sousa acompanhado pelo delfim Bernardino Soares (o homem que encontra virtude democrática na Coreia do Norte), e o velho comunista, com um brilhozinho nos olhos, agitou a cartilha das nacionalizações, da GALP, da EDP, dos bancos, de tudo e de todos, como no PREC, perante o acenar de cabeça grave e compungido do delfim, como quem diz, nós bem avisámos. Aqui chegados, o Governo trazia o trabalho de casa feito e leu, com sarcasmo, as declarações do Congresso do PCP em que os comunistas apontam os exemplos do Laos e da dita Coreia do Norte como faróis na noite antidemocrática em que vivemos. Risos na plateia. Nem o PCP conseguiu articular meia dúzia de frases sobre as consequências para o eleitorado mais pobre, a sua base, sobre a «crise do capitalismo», nem o primeiro-ministro precisou de se esforçar mais do que o necessário para manter a coisa no nível da chalaça. O Laos, meus senhores, o Laos. E o Amado Líder. Restava o Bloco. E dada a combatividade de Francisco Louçã, mais a preparação académica e o facto de ser, com Paulo Portas, o mais inteligente por entre a massa amorfa, e o mais perigoso, capaz de pregar rasteiras e de pensar como um político, achei que o debate ia aquecer. Desilusão. Louçã remeteu-se a um discurso sobre um call-center do Governo instalado em Castelo Branco, e 200 trabalhadores. Sócrates caiu-lhe em cima com factos contrários, eles têm segurança social, etc., e ambos discutiram animadamente, no dia em que os mercados e os índices se afundavam e muitos portugueses não sabiam se tinham as poupanças garantidas, as pensões a salvo e o emprego e a casa garantidos, a situação em Castelo Branco. Foi a regionalização do debate, o contraponto da província ao Laos cosmopolita do PCP. Sem oposição que se visse, coube a Alberto Martins, chefe do grupo parlamentar do PS, atar o ramalhete de piropos disfarçados. Não admira que estes burocratas aborrecidos aceitem a disciplina de voto como um rebanho obediente, disfarçando a mediocridade com a seriedade enfática. A insurreição aterroriza-os. E a disciplina de voto dispensa-os de pensar. E nós, já que não podemos mudar de Parlamento, mudamos de canal.

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