Ágora: Acerca de Política

03-10-2009
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Hoje, 1 de Maio-dia do trabalhador, o espaço entrevista, aqui no Ágora, mostra que nem todos os jovens estão de costas voltadas para as questões politicas.Passei a bola à Ana e ao Filipe, autores do blog Margem Esquerda, que me falaram acerca de politica.As convicções políticas foram sempre rotuladas como de esquerda ou de direita. Por vezes, em muitos países, levadas ao extremo. Muitos dizem que o governo de Sócrates governa na sombra duma esquerda moderna. Outros dizem que o governo governa à direita. Faz sentido, em Portugal, falarmos de direita ou esquerda quando no poder se encontra um governo como o actual?Ana Rita Ferreira: Acho que sim, que ainda faz sentido falar de direita e esquerda. Aquilo que está a acontecer não é tanto o esvaziamento desses conceitos, é mais a sua transformação. Direita e esquerda não são conceitos estáticos, mudam a par com as mudanças sociais, vão esquecendo alguns ideais e ganhando outros novos.Hoje, em Portugal, assistimos a uma transformação ideológica do PS (semelhante à que já ocorreu no New Labour, com Blair) - partido que vai perdendo em social-democracia o que vai ganhando em liberalismo social -, fazendo-nos identificar este processo o fim da esquerda. Esquecemos, no entanto, que a esquerda não se resume a um partido. Esquecemos também que não sabemos como irá terminar este processo de refundação do centro-esquerda. Esquecemos ainda que, desde o século XIX, já se deu a esquerda por moribunda várias vezes (no processo de revisionismo dos anos 50, ouviam-se as mesmas observações que nos nossos dias). Tudo isto é igualmente válido para a direita. E tudo isto faz com que esquerda e direita oscilem (muito, ultimamente), sofram alterações, mas sejam conceitos perenes no tempo.Filipe Gomes: Rotular pessoas é mais difícil do que rotular medidas ou governos. As pessoas são mais complexas e autênticas na sua maneira de pensar, pelo que, para elas, é quase sempre inevitável uma espécie de aproveitamento de contributos de várias correntes, que apenas se centralizam quando chamadas a intervir em casos concretos, nomeadamente através do voto. Os governos, contudo, guardam a direcção dos esforços em torno de valores que se podem considerar mais à esquerda ou mais à direita. Na minha opinião, pela ausência de resposta política relativamente aos problemas que inevitavelmente enfrentamos na nossa sociedade, relacionados com as enormes divergências nas posições de partida dos vários indivíduos na corrida da vida, assim como, pela centralização da actividade do governo em torno de questões relacionadas com a ordem, o procedimento, a celeridade e o desembaraço, parece-me que estamos num país governado à direita. Isto é, temos um governo perfeitamente passivo perante injustiças sociais cuja origem não se relaciona com transacções azaradas em liberdade, mas sim, à coerção de que foram vítimas algumas gerações passadas, sendo estas correcções que deveriam estar a ser efectuadas através de mecanismos fiscais, por exemplo.José Sócrates é alérgico a manifestações. Num país democrático como o nosso parece não haver espaço para anedotas referentes a Sócrates e ao seu governo. Atinge hoje, a palavra democracia, o seu real valor neste nosso Portugal?Ana Rita Ferreira: É um facto que este governo tem tiques autoritários. Porém, mais do que os “casos” (Charrua, centro de saúde de Viana, PSP nos sindicatos…) – que, embora importantes, são provavelmente originados pelas chefias intermédias, pelos pequenos poderes, que querem brilhar perante o superior hierárquico e que têm, à boa maneira portuguesa, espírito pidesco – assusta-me a forma arrogante e prepotente como o primeiro-ministro trata a oposição no Parlamento, como a ministra da Educação trata os professores, como Augusto Santos Silva nos trata a todos com as suas tiradas bombásticas…No entanto, não acredito que a democracia esteja, ou venha a estar, posta em causa. Nem a democracia formal (o voto), nem a democracia que se realiza todos os dias na livre troca de opiniões e que é a base e a condição da primeira. Há hoje, no espaço público (nomeadamente na Internet), constantes manifestações de opinião sobre qualquer tema e segundo todos os pontos de vista. Os blogs são a prova disso mesmo. Mesmo que o desejasse, seria impossível a qualquer governo controlar, como antigamente, a liberdade de expressão.A Sócrates muitos se rendem, dizem ser um homem de pulso firme. Apesar disso, a revolta nas ruas fez cair Correia de Campos. Não foi este um recuo do governo?Ana Rita Ferreira: Não vejo como um recuo. Tal como agora não acho que tenha havido recuos da parte da ministra da Educação nas negociações com os sindicatos dos professores. No final da legislatura, tudo o que estava pensado, em termos de políticas para esses sectores, estará feito (rede de urgências, avaliação de professores, etc.). Com a vantagem, para Sócrates, de ter ficado muito melhor na “fotografia”, graças à mudança de ministro, num caso, ou à concertação social, no outro. Sócrates tem efectivamente o pulso firme e essa é, provavelmente, a sua maior qualidade e o seu maior defeito. Eu preferia que ele tivesse pulso firme, mas não maioria absoluta.Filipe Gomes: O efeito da revolta nas ruas não pode ser linear, nem pode ter efeitos imediatos. Qualquer governo não duraria muito se reparasse na revolta das pessoas, até porque muitas se juntariam ao descontentamento geral a partir do momento em que sentissem que os seus protestos faziam eco no interior do governo. De qualquer forma, os efeitos a prazo das pequenas lutas de hoje não deverão ser subestimados, podendo no limite interferir com as escolhas, como parece que foi o caso... De resto, Pinto de Sousa é um teimoso, apenas isso. Ter pulso firme seria aguentar a pressão de alguns grupos privilegiados neste país e obrigá-los a descer ao nível dos comuns...Vivemos num país onde se fecham unidades hospitalares, onde são prioritários mega-projectos como a nova ponte sobre o Tejo ou o novo aeroporto, já para não falar no TGV. É este um desenvolvimento saudável para o país? Filipe Gomes: O nosso país pensa em grande. De forma algo semelhante aos países mais subdesenvolvidos deste mundo adora acreditar na sua superioridade. O projecto de Sines ou de Alqueva foram alguns dos fiascos mais interessantes... mas pelos vistos não queremos ficar por aqui...Ana Rita Ferreira: Confesso que não sou a maior detractora dos grandes projectos de obras públicas... Com tudo o que poderão ter de negativo, acho sempre, simultaneamente, que podem vir servir os cidadãos nas suas vidas quotidianas, podem criar emprego, podem alavancar o turismo ou as trocas comerciais… Mantenho-me keynesiana, pronto!A esse nível de “obras como caminho para o desenvolvimento”, chocam-me, por exemplo, os PINs, que permitem que a destruição das nossas reservas naturais possa passar à margem da lei, apenas para que alguns grupos económicos possam vir a adquirir lucro.A oposição ao governo socialista que se diz de esquerda, parece ser uma direita constipada, com problemas internos por resolver. António Capucho, uma das vozes de insatisfação dos laranjas, chegou mesmo a acusar Santana Lopes de «patrocinar uma duplicidade» na liderança no PSD. O PSD parecia ter dois líderes, um ocupado em Gaia, e outro que não deixou muita saudade enquanto primeiro-ministro. Que futuro previa para Portugal caso esta dupla ganhasse as próximas eleições?Filipe Gomes: No PPD estão apenas a emergir os problemas que têm sido criados pela sua própria maneira de viver a política. Um partido sem estrutura orgânica militante estará sempre à mercê dos tais "barões" que se venham a digladiar por ele, ou melhor, pelo poder. Em Portugal, aquilo que deveria constituir razão de alarme, como sendo esfrangalhar o segundo maior partido e começar nele uma nova doutrina perto de um ano carregado de eleições, vai ser perfeitamente pacífico. Podem mudar de laranja para amarelo ou azul que o boletim de voto será a preto e branco e nada mudará...Esta dupla não lhe fez recordar outra, não mais feliz, de Santana Lopes e Paulo Portas?Filipe Gomes: Era uma dupla? Não fiz essa leitura desse governo... Pareceu-me que cada um estava a tentar obter para si uma vantagem que dependia do outro. Um não tinha a maioria absoluta, o outro não tinha, e ainda não tem, princípios políticos. Sabemos que basta um punhado de votos para que algum tipo de homens ascendam ao poder, no caso, quer seja aliando-se ao PS ou ao PSD. Para o CDS é tudo igual desde que se consigam negociar lugares. Nem sequer precisamos de saber o nome desses lugares; eu quero lá saber se sou ministro do mar ou da terra... tanto faz. Se O BE ou o PCP ganhassem em maioria relativa o CDS iria logo lembrar-se que votou a favor do 1º artigo da constituição de 1976 e que portanto ainda estão muito empenhados na construção de uma sociedade sem classes.Menezes aponta as responsabilidades da sua saída para a oposição interna do partido que diz ter apontado críticas "durante seis meses, sem tréguas". Será esta uma justificação plausível de um fracasso notório para que Menezes tenha atirado a toalha ao chão? Ana Rita Ferreira: Primeiro, ainda bem que atirou a toalha ao chão, que toda a sua situação era já demasiado confrangedora. Segundo, é claro que a oposição interna acelerou o desgaste de Menezes, mas, no fundo, apenas realçou a sua manifesta incompetência para o cargo. As críticas cairiam no vazio se não espelhassem a verdade e se não houvesse uma audiência tão vasta a concordar com elas. Terceiro, Menezes, depois da campanha constante e persistente que manteve contra Marques Mendes, é a última pessoa a poder queixa-se de quem não lhe dá tréguas.Muitos afirmam que Manuela Ferreira Leite seria a solução para controlar o barco da oposição. Que comentário tece a esta hipótese?Ana Rita Ferreira : Para o PSD - e para a direita, em geral - seria a melhor coisa que lhes poderia acontecer. É a única personalidade que ainda congrega algumas qualidades básicas: não é populista nem demagógica, não entra em provincianismos nem em operações de cosmética…Por outro lado, tem aquela fantástica qualidade que a direita portuguesa adora: ninguém sabe quais as suas ideias (sobre temas para lá das finanças), os seus valores, ninguém sabe em que campo ideológico se situa. É verdade que não conseguiu conter o défice, ao contrário de Sócrates, e que isso poderia uma grande fragilidade… Mas ninguém acredita que qualquer outra personalidade do PSD o conseguisse fazer, por isso, este pequeno “handicap” nem conta! É claro que estou a ser irónica, mas não deixa de ser verdade.Filipe Gomes: Se existe uma réstia de clarividência nesta sociedade, está na oposição e não no governo... Mas a oposição não é um barco, são vários. A M. F. Leite pode ir ao leme de um deles, se o seu partido achar conveniente. De resto, estamos a falar de alguém que não teve capacidade de realizar uma política fiscal contra-cíclica em termos económicos, tendo apenas acentuado os efeitos da crise. Depois tentou colmatar o défice através da venda de património público ao desbarato...Para terminar, o povo português olha com descrença para os dirigentes políticos. A abstenção na hora de exercer o voto traduz essa incerteza. Não passa pelas universidades o brotar de novas referências políticas?Filipe Gomes: Penso que o caminho não deve ser esse. Da universidade devem brotar académicos, nunca representantes do cidadão comum. Essa mistura tem tido consequências desastrosas. Nem a universidade procura a verdade, pois os escolásticos tomam partido nos partidos e obrigam os alunos a ir atrás, nem os partidos permitem a integração ou representação das pessoas, dado não possuírem actividade política própria... até porque os seus principais membros estão na academia a estudar...Temos a tendência de querer pessoas inteligentes, fortes ou carismáticas nos governos, mas na realidade devíamos querer o contrário: os mais comuns. Perante iluminados que nos apareçam como sendo os "salvadores", esquecemo-nos de olhar para a forma de como limitar a sua intervenção na nossa esfera privada, de enfatizar os limites do seu governo. Uma pessoa inteligente precisa naturalmente de "espaço" para trabalhar, meios para realizar o seu inteligente desenho para a sociedade. Como é sábio, sabe até o que precisamos, o que devemos ou não fazer, gostar e por aí em diante. Pense num qualquer tirano, desses que viveu no século passado, e terá em cada um deles um exemplo claro do que estou a dizer.Os democratas, pelo contrário, nunca conseguiram impor a sua concepção de vida e de bem na sociedade. Quer dizer, saber que somos governos por homens comuns faz-nos questionar sobre a forma como o poder tem de ser controlado, logo, limitado. Nunca deixaremos pessoas comuns interferir com a nossa vida, nem fazer escolhas ou opções, sem nos consultar... Por isso, devemos escolher representantes, no significado literal desta palavra. Nunca académicos, visionários inteligentes... A História tem demonstrado o que estes senhores iluminados pela razão são capazes de fazer...Ana Rita Ferreira: As universidades formam pessoas do ponto de vista académico. Aos partidos nem sempre interessam pessoas com forte formação académica. É mais fácil lutar por lugares e limitar-se a distribuí-los, do que discutir ideias e projectos. As pessoas vindas das carreiras académicas têm pouca paciência para a “politiquice” e as pessoas de dentro dos aparelhos partidários têm pouca paciência para aquilo que designam até com algum desprezo como “intelectuais”. É difícil conciliar aquilo que, na prática, parecem ser mundos opostos…


Hoje, 1 de Maio-dia do trabalhador, o espaço entrevista, aqui no Ágora, mostra que nem todos os jovens estão de costas voltadas para as questões politicas.Passei a bola à Ana e ao Filipe, autores do blog Margem Esquerda, que me falaram acerca de politica.As convicções políticas foram sempre rotuladas como de esquerda ou de direita. Por vezes, em muitos países, levadas ao extremo. Muitos dizem que o governo de Sócrates governa na sombra duma esquerda moderna. Outros dizem que o governo governa à direita. Faz sentido, em Portugal, falarmos de direita ou esquerda quando no poder se encontra um governo como o actual?Ana Rita Ferreira: Acho que sim, que ainda faz sentido falar de direita e esquerda. Aquilo que está a acontecer não é tanto o esvaziamento desses conceitos, é mais a sua transformação. Direita e esquerda não são conceitos estáticos, mudam a par com as mudanças sociais, vão esquecendo alguns ideais e ganhando outros novos.Hoje, em Portugal, assistimos a uma transformação ideológica do PS (semelhante à que já ocorreu no New Labour, com Blair) - partido que vai perdendo em social-democracia o que vai ganhando em liberalismo social -, fazendo-nos identificar este processo o fim da esquerda. Esquecemos, no entanto, que a esquerda não se resume a um partido. Esquecemos também que não sabemos como irá terminar este processo de refundação do centro-esquerda. Esquecemos ainda que, desde o século XIX, já se deu a esquerda por moribunda várias vezes (no processo de revisionismo dos anos 50, ouviam-se as mesmas observações que nos nossos dias). Tudo isto é igualmente válido para a direita. E tudo isto faz com que esquerda e direita oscilem (muito, ultimamente), sofram alterações, mas sejam conceitos perenes no tempo.Filipe Gomes: Rotular pessoas é mais difícil do que rotular medidas ou governos. As pessoas são mais complexas e autênticas na sua maneira de pensar, pelo que, para elas, é quase sempre inevitável uma espécie de aproveitamento de contributos de várias correntes, que apenas se centralizam quando chamadas a intervir em casos concretos, nomeadamente através do voto. Os governos, contudo, guardam a direcção dos esforços em torno de valores que se podem considerar mais à esquerda ou mais à direita. Na minha opinião, pela ausência de resposta política relativamente aos problemas que inevitavelmente enfrentamos na nossa sociedade, relacionados com as enormes divergências nas posições de partida dos vários indivíduos na corrida da vida, assim como, pela centralização da actividade do governo em torno de questões relacionadas com a ordem, o procedimento, a celeridade e o desembaraço, parece-me que estamos num país governado à direita. Isto é, temos um governo perfeitamente passivo perante injustiças sociais cuja origem não se relaciona com transacções azaradas em liberdade, mas sim, à coerção de que foram vítimas algumas gerações passadas, sendo estas correcções que deveriam estar a ser efectuadas através de mecanismos fiscais, por exemplo.José Sócrates é alérgico a manifestações. Num país democrático como o nosso parece não haver espaço para anedotas referentes a Sócrates e ao seu governo. Atinge hoje, a palavra democracia, o seu real valor neste nosso Portugal?Ana Rita Ferreira: É um facto que este governo tem tiques autoritários. Porém, mais do que os “casos” (Charrua, centro de saúde de Viana, PSP nos sindicatos…) – que, embora importantes, são provavelmente originados pelas chefias intermédias, pelos pequenos poderes, que querem brilhar perante o superior hierárquico e que têm, à boa maneira portuguesa, espírito pidesco – assusta-me a forma arrogante e prepotente como o primeiro-ministro trata a oposição no Parlamento, como a ministra da Educação trata os professores, como Augusto Santos Silva nos trata a todos com as suas tiradas bombásticas…No entanto, não acredito que a democracia esteja, ou venha a estar, posta em causa. Nem a democracia formal (o voto), nem a democracia que se realiza todos os dias na livre troca de opiniões e que é a base e a condição da primeira. Há hoje, no espaço público (nomeadamente na Internet), constantes manifestações de opinião sobre qualquer tema e segundo todos os pontos de vista. Os blogs são a prova disso mesmo. Mesmo que o desejasse, seria impossível a qualquer governo controlar, como antigamente, a liberdade de expressão.A Sócrates muitos se rendem, dizem ser um homem de pulso firme. Apesar disso, a revolta nas ruas fez cair Correia de Campos. Não foi este um recuo do governo?Ana Rita Ferreira: Não vejo como um recuo. Tal como agora não acho que tenha havido recuos da parte da ministra da Educação nas negociações com os sindicatos dos professores. No final da legislatura, tudo o que estava pensado, em termos de políticas para esses sectores, estará feito (rede de urgências, avaliação de professores, etc.). Com a vantagem, para Sócrates, de ter ficado muito melhor na “fotografia”, graças à mudança de ministro, num caso, ou à concertação social, no outro. Sócrates tem efectivamente o pulso firme e essa é, provavelmente, a sua maior qualidade e o seu maior defeito. Eu preferia que ele tivesse pulso firme, mas não maioria absoluta.Filipe Gomes: O efeito da revolta nas ruas não pode ser linear, nem pode ter efeitos imediatos. Qualquer governo não duraria muito se reparasse na revolta das pessoas, até porque muitas se juntariam ao descontentamento geral a partir do momento em que sentissem que os seus protestos faziam eco no interior do governo. De qualquer forma, os efeitos a prazo das pequenas lutas de hoje não deverão ser subestimados, podendo no limite interferir com as escolhas, como parece que foi o caso... De resto, Pinto de Sousa é um teimoso, apenas isso. Ter pulso firme seria aguentar a pressão de alguns grupos privilegiados neste país e obrigá-los a descer ao nível dos comuns...Vivemos num país onde se fecham unidades hospitalares, onde são prioritários mega-projectos como a nova ponte sobre o Tejo ou o novo aeroporto, já para não falar no TGV. É este um desenvolvimento saudável para o país? Filipe Gomes: O nosso país pensa em grande. De forma algo semelhante aos países mais subdesenvolvidos deste mundo adora acreditar na sua superioridade. O projecto de Sines ou de Alqueva foram alguns dos fiascos mais interessantes... mas pelos vistos não queremos ficar por aqui...Ana Rita Ferreira: Confesso que não sou a maior detractora dos grandes projectos de obras públicas... Com tudo o que poderão ter de negativo, acho sempre, simultaneamente, que podem vir servir os cidadãos nas suas vidas quotidianas, podem criar emprego, podem alavancar o turismo ou as trocas comerciais… Mantenho-me keynesiana, pronto!A esse nível de “obras como caminho para o desenvolvimento”, chocam-me, por exemplo, os PINs, que permitem que a destruição das nossas reservas naturais possa passar à margem da lei, apenas para que alguns grupos económicos possam vir a adquirir lucro.A oposição ao governo socialista que se diz de esquerda, parece ser uma direita constipada, com problemas internos por resolver. António Capucho, uma das vozes de insatisfação dos laranjas, chegou mesmo a acusar Santana Lopes de «patrocinar uma duplicidade» na liderança no PSD. O PSD parecia ter dois líderes, um ocupado em Gaia, e outro que não deixou muita saudade enquanto primeiro-ministro. Que futuro previa para Portugal caso esta dupla ganhasse as próximas eleições?Filipe Gomes: No PPD estão apenas a emergir os problemas que têm sido criados pela sua própria maneira de viver a política. Um partido sem estrutura orgânica militante estará sempre à mercê dos tais "barões" que se venham a digladiar por ele, ou melhor, pelo poder. Em Portugal, aquilo que deveria constituir razão de alarme, como sendo esfrangalhar o segundo maior partido e começar nele uma nova doutrina perto de um ano carregado de eleições, vai ser perfeitamente pacífico. Podem mudar de laranja para amarelo ou azul que o boletim de voto será a preto e branco e nada mudará...Esta dupla não lhe fez recordar outra, não mais feliz, de Santana Lopes e Paulo Portas?Filipe Gomes: Era uma dupla? Não fiz essa leitura desse governo... Pareceu-me que cada um estava a tentar obter para si uma vantagem que dependia do outro. Um não tinha a maioria absoluta, o outro não tinha, e ainda não tem, princípios políticos. Sabemos que basta um punhado de votos para que algum tipo de homens ascendam ao poder, no caso, quer seja aliando-se ao PS ou ao PSD. Para o CDS é tudo igual desde que se consigam negociar lugares. Nem sequer precisamos de saber o nome desses lugares; eu quero lá saber se sou ministro do mar ou da terra... tanto faz. Se O BE ou o PCP ganhassem em maioria relativa o CDS iria logo lembrar-se que votou a favor do 1º artigo da constituição de 1976 e que portanto ainda estão muito empenhados na construção de uma sociedade sem classes.Menezes aponta as responsabilidades da sua saída para a oposição interna do partido que diz ter apontado críticas "durante seis meses, sem tréguas". Será esta uma justificação plausível de um fracasso notório para que Menezes tenha atirado a toalha ao chão? Ana Rita Ferreira: Primeiro, ainda bem que atirou a toalha ao chão, que toda a sua situação era já demasiado confrangedora. Segundo, é claro que a oposição interna acelerou o desgaste de Menezes, mas, no fundo, apenas realçou a sua manifesta incompetência para o cargo. As críticas cairiam no vazio se não espelhassem a verdade e se não houvesse uma audiência tão vasta a concordar com elas. Terceiro, Menezes, depois da campanha constante e persistente que manteve contra Marques Mendes, é a última pessoa a poder queixa-se de quem não lhe dá tréguas.Muitos afirmam que Manuela Ferreira Leite seria a solução para controlar o barco da oposição. Que comentário tece a esta hipótese?Ana Rita Ferreira : Para o PSD - e para a direita, em geral - seria a melhor coisa que lhes poderia acontecer. É a única personalidade que ainda congrega algumas qualidades básicas: não é populista nem demagógica, não entra em provincianismos nem em operações de cosmética…Por outro lado, tem aquela fantástica qualidade que a direita portuguesa adora: ninguém sabe quais as suas ideias (sobre temas para lá das finanças), os seus valores, ninguém sabe em que campo ideológico se situa. É verdade que não conseguiu conter o défice, ao contrário de Sócrates, e que isso poderia uma grande fragilidade… Mas ninguém acredita que qualquer outra personalidade do PSD o conseguisse fazer, por isso, este pequeno “handicap” nem conta! É claro que estou a ser irónica, mas não deixa de ser verdade.Filipe Gomes: Se existe uma réstia de clarividência nesta sociedade, está na oposição e não no governo... Mas a oposição não é um barco, são vários. A M. F. Leite pode ir ao leme de um deles, se o seu partido achar conveniente. De resto, estamos a falar de alguém que não teve capacidade de realizar uma política fiscal contra-cíclica em termos económicos, tendo apenas acentuado os efeitos da crise. Depois tentou colmatar o défice através da venda de património público ao desbarato...Para terminar, o povo português olha com descrença para os dirigentes políticos. A abstenção na hora de exercer o voto traduz essa incerteza. Não passa pelas universidades o brotar de novas referências políticas?Filipe Gomes: Penso que o caminho não deve ser esse. Da universidade devem brotar académicos, nunca representantes do cidadão comum. Essa mistura tem tido consequências desastrosas. Nem a universidade procura a verdade, pois os escolásticos tomam partido nos partidos e obrigam os alunos a ir atrás, nem os partidos permitem a integração ou representação das pessoas, dado não possuírem actividade política própria... até porque os seus principais membros estão na academia a estudar...Temos a tendência de querer pessoas inteligentes, fortes ou carismáticas nos governos, mas na realidade devíamos querer o contrário: os mais comuns. Perante iluminados que nos apareçam como sendo os "salvadores", esquecemo-nos de olhar para a forma de como limitar a sua intervenção na nossa esfera privada, de enfatizar os limites do seu governo. Uma pessoa inteligente precisa naturalmente de "espaço" para trabalhar, meios para realizar o seu inteligente desenho para a sociedade. Como é sábio, sabe até o que precisamos, o que devemos ou não fazer, gostar e por aí em diante. Pense num qualquer tirano, desses que viveu no século passado, e terá em cada um deles um exemplo claro do que estou a dizer.Os democratas, pelo contrário, nunca conseguiram impor a sua concepção de vida e de bem na sociedade. Quer dizer, saber que somos governos por homens comuns faz-nos questionar sobre a forma como o poder tem de ser controlado, logo, limitado. Nunca deixaremos pessoas comuns interferir com a nossa vida, nem fazer escolhas ou opções, sem nos consultar... Por isso, devemos escolher representantes, no significado literal desta palavra. Nunca académicos, visionários inteligentes... A História tem demonstrado o que estes senhores iluminados pela razão são capazes de fazer...Ana Rita Ferreira: As universidades formam pessoas do ponto de vista académico. Aos partidos nem sempre interessam pessoas com forte formação académica. É mais fácil lutar por lugares e limitar-se a distribuí-los, do que discutir ideias e projectos. As pessoas vindas das carreiras académicas têm pouca paciência para a “politiquice” e as pessoas de dentro dos aparelhos partidários têm pouca paciência para aquilo que designam até com algum desprezo como “intelectuais”. É difícil conciliar aquilo que, na prática, parecem ser mundos opostos…

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