O CACIMBO: MEMÓRIAS ÚTEIS NOS TEMPOS QUE CORREM

08-07-2009
marcar artigo


A falta de energia pode provocar relâmpagos Ao chegarmos ao Luma-Cassai, uma das primeiras decepções que tivemos foi a de constatarmos a inexistência de energia eléctrica no estacionamento. O que me levou, é claro, a enviar a primeira requisição ao Agrupamento de Engenharia de Angola, solicitando o reforço imediato de candeeiros petromax, e o fornecimento urgente de um gerador de energia eléctrica, respectivo quadro de distribuição, cabos de ligação, interruptores, tomadas de corrente, lâmpadas, enfim todo o material necessário para “darmos à luz”... Confesso que os candeeiros de pressão a petróleo (vulgus petromax), com meia dúzia de bicos ejectores e “camisas” iluminantes de reserva, não tardaram muito a aparecer, no bojo do sempre desejado e bem vindo Mike Vítor Lima. Este importante colaborador das tropas em campanha, afectuosamente tratado pelo “petit nom” MVL era a coluna periódica de reabastecimento designada por Movimento de Viaturas Logísticas. Cada vez que cruzava o cavalo de frisa, vindo da picada de Dala, o amigo Mike Vítor Lima era recebido em alvoroço, acarinhado, revistado dos pés à cabeça e interrogado sobre as novidades do mundo civilizado... tão perto mas cada vez mais distante de nós, à medida que o tempo ia passando. Mas se não houve dificuldade de maior em obtermos alguns candeeiros, de qualquer forma insuficientes, já com o gerador e respectiva palamenta a coisa fiou mais fino. Passadas algumas semanas, recebi uma airosa nota do Agrupamento de Engenharia, sediado em Luanda, daquelas bonitinhas, em papel timbrado e ainda com um leve cheirinho a ar condicionado. Nela me pediam, “para se efectuarem os necessários cálculos técnicos, indispensáveis à satisfação do vosso pedido”, o seguinte: uma planta geral da área, na escala 1/100, e plantas pormenorizadas do “interior do quartel” na escala 1/10 (sic)! Claro que, após alguns impropérios contra “os meninos burocratas da ZMAC” (Zona Militar do Ar Condicionado), lhes enviei um esboço do nosso acampamento, explicando que o único “quartel” que tínhamos era aquele. E, passados uns quatro meses, não é que o sempre amigo Mike Vítor Lima nos entrega, em mão, um reluzente gerador Perkins, novinho em folha? E mais: a acompanhá-lo, vinham 2-sacos de cimento-2, e 4-grampos com amortecedores-4, (OLÉ!) para a respectiva fixação ao solo. Maravilha das maravilhas: restava-nos esperar que os sapadores abrissem os alicerces, construíssem rapidamente a placa de cimento armado, e nela instalassem, a preceito, o Perkins, assente nos luxuosos amortecedores - não fosse alguma vibração indevida provocar-lhe rupturas de ligamentos nas válvulas, fracturas de meniscos nas bielas ou, pior ainda, brechas irreparáveis no bloco. Mas, dessa vez, os sapadores não tiveram necessidade de provar a sua competência. É que, o imponente Perkins, vinha sozinho! E, sem quadro de distribuição, fios, lâmpadas, etc., não servia para nada. Acresce que, ao conferirmos a respectiva guia de entrega, verificou-se que o número do motor estava errado. - Aqui há gato! - alertou o primeiro sargento. E havia mesmo. A resposta que recebemos à mensagem que dava conta do erro e da falta de palamenta, rezava assim: “De: Agrupamento de Engenharia de Angola Para: Companhia de Cavalaria 2720 Assunto: gerador de energia Texto: em resposta à sua mensagem, informa-se que o gerador Perkins enviado a essa Companhia, se destinava a substituir outro, de uma Companhia de Caçadores, sediada em Cabinda, que se encontra avariado. Como as trocas e destrocas entre o Leste de Angola e o enclave de Cabinda são susceptíveis de extravio, aumente à carga da sua Companhia, o gerador que recebeu.. Oportunamente será fornecido o restante material requisitado.” Esperançado em ver o erro corrigido a breve trecho, limitei-me a responder, laconicamente, que cumpriria a ordem, e a pedir que não demorassem o prometido envio do restante material. Mas qual material em falta qual carapuça! O tempo foi passando e o Mike Vítor Lima chegando, mas sempre de mãos a abanar. Por seu lado, os desgastados petromax, que não chegavam para as encomendas, foram avariando sem hipótese de reparação. E, à medida que os candeeiros iam ficando incapazes, lá seguia o angustiado pedido de substituição. Até à noite em que, à luz do último candeeiro ainda a funcionar, se redigiu e transmitiu a seguinte mensagem rádio: “Grau de prioridade: RELÂMPAGO De: Companhia de Cavalaria 2720 Para: Agrupamento de Engenharia de Angola C/conhecimento a: Comando da ZML; Comando da RMA; Comando-Chefe de Angola Texto: solicito satisfação imediata das minhas requisições números tais e tais, de tantos de tal, enviadas a esse Agrupamento de Engenharia sem qualquer resultado”. É claro que, a enumeração de todas as requisições por satisfazer, tornava a mensagem suficientemente extensa para provocar uma transmissão demorada. Imagine-se a bronca! Durante o tempo necessário para ir transmitindo, em cadeia, a nossa mensagem emitida do Luma-Cassai, até à Fortaleza de S. Miguel, onde se encontrava instalado o Comando-Chefe, em Luanda, a cerca de 2 mil quilómetros, todas as redes rádio militares ficaram por nossa conta. O grau RELÂMPAGO obriga a interromper todas as comunicações em curso, até a mensagem com essa prioridade ser transmitida. E, o certo é que, uma escassa semana depois do “RELÂMPAGO” provocado pela falta de luz, aterrou na nossa improvisada pista de aviação uma avioneta DO-27 que transportava unicamente.... uma remessa de petromax! Quanto ao garboso mas inútil Perkins, lá continuou sorumbaticamente coberto por um pano de tenda. Às escuras.


A falta de energia pode provocar relâmpagos Ao chegarmos ao Luma-Cassai, uma das primeiras decepções que tivemos foi a de constatarmos a inexistência de energia eléctrica no estacionamento. O que me levou, é claro, a enviar a primeira requisição ao Agrupamento de Engenharia de Angola, solicitando o reforço imediato de candeeiros petromax, e o fornecimento urgente de um gerador de energia eléctrica, respectivo quadro de distribuição, cabos de ligação, interruptores, tomadas de corrente, lâmpadas, enfim todo o material necessário para “darmos à luz”... Confesso que os candeeiros de pressão a petróleo (vulgus petromax), com meia dúzia de bicos ejectores e “camisas” iluminantes de reserva, não tardaram muito a aparecer, no bojo do sempre desejado e bem vindo Mike Vítor Lima. Este importante colaborador das tropas em campanha, afectuosamente tratado pelo “petit nom” MVL era a coluna periódica de reabastecimento designada por Movimento de Viaturas Logísticas. Cada vez que cruzava o cavalo de frisa, vindo da picada de Dala, o amigo Mike Vítor Lima era recebido em alvoroço, acarinhado, revistado dos pés à cabeça e interrogado sobre as novidades do mundo civilizado... tão perto mas cada vez mais distante de nós, à medida que o tempo ia passando. Mas se não houve dificuldade de maior em obtermos alguns candeeiros, de qualquer forma insuficientes, já com o gerador e respectiva palamenta a coisa fiou mais fino. Passadas algumas semanas, recebi uma airosa nota do Agrupamento de Engenharia, sediado em Luanda, daquelas bonitinhas, em papel timbrado e ainda com um leve cheirinho a ar condicionado. Nela me pediam, “para se efectuarem os necessários cálculos técnicos, indispensáveis à satisfação do vosso pedido”, o seguinte: uma planta geral da área, na escala 1/100, e plantas pormenorizadas do “interior do quartel” na escala 1/10 (sic)! Claro que, após alguns impropérios contra “os meninos burocratas da ZMAC” (Zona Militar do Ar Condicionado), lhes enviei um esboço do nosso acampamento, explicando que o único “quartel” que tínhamos era aquele. E, passados uns quatro meses, não é que o sempre amigo Mike Vítor Lima nos entrega, em mão, um reluzente gerador Perkins, novinho em folha? E mais: a acompanhá-lo, vinham 2-sacos de cimento-2, e 4-grampos com amortecedores-4, (OLÉ!) para a respectiva fixação ao solo. Maravilha das maravilhas: restava-nos esperar que os sapadores abrissem os alicerces, construíssem rapidamente a placa de cimento armado, e nela instalassem, a preceito, o Perkins, assente nos luxuosos amortecedores - não fosse alguma vibração indevida provocar-lhe rupturas de ligamentos nas válvulas, fracturas de meniscos nas bielas ou, pior ainda, brechas irreparáveis no bloco. Mas, dessa vez, os sapadores não tiveram necessidade de provar a sua competência. É que, o imponente Perkins, vinha sozinho! E, sem quadro de distribuição, fios, lâmpadas, etc., não servia para nada. Acresce que, ao conferirmos a respectiva guia de entrega, verificou-se que o número do motor estava errado. - Aqui há gato! - alertou o primeiro sargento. E havia mesmo. A resposta que recebemos à mensagem que dava conta do erro e da falta de palamenta, rezava assim: “De: Agrupamento de Engenharia de Angola Para: Companhia de Cavalaria 2720 Assunto: gerador de energia Texto: em resposta à sua mensagem, informa-se que o gerador Perkins enviado a essa Companhia, se destinava a substituir outro, de uma Companhia de Caçadores, sediada em Cabinda, que se encontra avariado. Como as trocas e destrocas entre o Leste de Angola e o enclave de Cabinda são susceptíveis de extravio, aumente à carga da sua Companhia, o gerador que recebeu.. Oportunamente será fornecido o restante material requisitado.” Esperançado em ver o erro corrigido a breve trecho, limitei-me a responder, laconicamente, que cumpriria a ordem, e a pedir que não demorassem o prometido envio do restante material. Mas qual material em falta qual carapuça! O tempo foi passando e o Mike Vítor Lima chegando, mas sempre de mãos a abanar. Por seu lado, os desgastados petromax, que não chegavam para as encomendas, foram avariando sem hipótese de reparação. E, à medida que os candeeiros iam ficando incapazes, lá seguia o angustiado pedido de substituição. Até à noite em que, à luz do último candeeiro ainda a funcionar, se redigiu e transmitiu a seguinte mensagem rádio: “Grau de prioridade: RELÂMPAGO De: Companhia de Cavalaria 2720 Para: Agrupamento de Engenharia de Angola C/conhecimento a: Comando da ZML; Comando da RMA; Comando-Chefe de Angola Texto: solicito satisfação imediata das minhas requisições números tais e tais, de tantos de tal, enviadas a esse Agrupamento de Engenharia sem qualquer resultado”. É claro que, a enumeração de todas as requisições por satisfazer, tornava a mensagem suficientemente extensa para provocar uma transmissão demorada. Imagine-se a bronca! Durante o tempo necessário para ir transmitindo, em cadeia, a nossa mensagem emitida do Luma-Cassai, até à Fortaleza de S. Miguel, onde se encontrava instalado o Comando-Chefe, em Luanda, a cerca de 2 mil quilómetros, todas as redes rádio militares ficaram por nossa conta. O grau RELÂMPAGO obriga a interromper todas as comunicações em curso, até a mensagem com essa prioridade ser transmitida. E, o certo é que, uma escassa semana depois do “RELÂMPAGO” provocado pela falta de luz, aterrou na nossa improvisada pista de aviação uma avioneta DO-27 que transportava unicamente.... uma remessa de petromax! Quanto ao garboso mas inútil Perkins, lá continuou sorumbaticamente coberto por um pano de tenda. Às escuras.

marcar artigo