Nos últimos dias muito sem tem discutido sobre a distribuição equitativa do dinheiro e a ideia peregrina do nosso Primeiro-Ministro de “tirar aos ricos para distribuir aos pobres”, através de um sistema fiscal no mínimo duvidoso. Já se percebeu que nem os ricos de Sócrates são ricos, nem os pobres de Sócrates vão ganhar com a medida que quis tirar da cartola. Mas este tema levou-me a outro que me persegue a consciência há muitos anos e que não entendo bem. Há sete anos, uma suposta instituição de caridade que conheci levou-me a meditar e a fazer contas.Todos damos conta dos valores que o jogo oficial distribui todas as semanas pelos apostadores de Euromilhões, Totoloto, Loto 2, Totobola, Lotaria, Lotaria Popular, raspadinha. Esses prémios, todos somados, significam apenas 50% do valor apurado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Os restantes 50% é usado em instituições de solidariedade social. Façamos as contas, por alto, tomando os números desta semana disponíveis no site da Santa Casa. (nota: no caso do Euromilhões foram usados apenas os números das apostas em Portugal, cerca de 20%)Euromilhões 8.943.093,00Totoloto 625.177,93Loto 2 491.625,55Joker 358.521,00Lotaria clássica 1.462.500,00*Lotaria popular 800.000,00*Totobola 66.880,56Totobola extra 26.286,85Raspadinhas (desconhecido)Total (menos instantânea) = 12.774.678,8 euros*números estimados com base no valor dos prémios (receita não disponível no site)Ou seja, a o jogo de lotaria e afins apura semanalmente mais de 12 milhões de euros para solidariedade social. Mais de 50 milhões de euros por mês, ou seja, 600 milhões de euros por ano! Ao fim de três anos, esse dinheiro seria suficiente para construir o TGV e ao fim de seis, construiríamos o aeroporto de Lisboa (o famoso). E faço esta comparação, apenas para termos a noção da dimensão do valor.Mas estas receitas do jogo não são as únicas (nem perto disso) que as IPSS e outras instituições de solidariedade recebem para os seus fins. O Estado, através da segurança social, financia construção de cresces, centros de dia, lares e outro tipo de apoio social, através de programas estatais de apoio às IPSS. Apoia igualmente a sua actividade, como distribuição de refeições, domicílios, etc, etc. As Câmaras Municipais têm, sem excepção, programas locais de apoio às IPSS. Temos mais de 300 Câmaras Municipais em Portugal, algumas distribuem por ano mais de um milhão de euros pelas suas IPSS. As empresas também fazem donativos de milhões, que deduzem nos seus impostos e também dão bens, como produtos em fim de prazo e não só. Organizações, como o Banco Alimentar contra a Fome, angariam todos os anos milhares de toneladas de alimentos, que depois circulam para as IPSS. Todos nós somos diariamente convidados a fazer donativos quer através da comunicação social quer através de peditórios. Muitas empresas nos convidam a comprar os seus produtos, alegando que entregarão parte dos seus proveitos directos a uma IPSS. As IPSS têm sócios e beneméritos, que doam imóveis, bens e, muitas vezes, avultadas somas de dinheiro. Não conheço a dimensão da maioria destes números e duvido que alguém conheça com exactidão, mas conheço o Orçamento de Estado. E nele, podemos ver na rubrica da despesa corrente enumera:Transferências para a Administração Local: 6.835.000,00Transferências para a Administração Regional: 23.456.617,00Transferências para instituições sem fins lucrativos: 1.383.889.042,00E ainda…Transferências para famílias: 17.966.817.137,00Subsídios: 1.392.635.989,97Não estou a contabilizar aqui as despesas correntes da própria segurança social e as transferências para a Administração Central (só nesta rubrica estão 731.589.156,00 de euros).Portanto, e para além dos cerca de 20 mil milhões de euros que o Estado transfere para as famílias directamente, há mais 1,3 mil milhões de euros directamente encaminhado para as IPSS.Contas feitas, podemos dizer que as IPSS em Portugal recebem em números redondos:600 milhões do Jogo1,3 mil milhões do EstadoE outra tanto de outras fontes (donativos e cobrança de serviços)As minhas contas apontavam, por isso, para mais de quatro mil milhões de euros (um aeroporto ou dois TGV’s).Estes números que apurei de forma quase empírica coincidem com os números de estudos credíveis. Este estudo do Instituto Superior Miguel Torga dá-nos conta que o sector emprega 4% da população activa portuguesa (250 mil trabalhadores). Segundo o mesmo estudo, as quase 5.000 IPSS oficiais que existiam em Portugal (números de 2006) movimentam cerca de 5,4 mil milhões de euros, ou seja, 4,2% do PIB. Destes valores, 40% provém de financiamento público, ou seja, sai dos nossos impostos. É de notar que, segundo o documento, Portugal apresenta, nestas instituições, uma componente de serviços sociais muito superior ao dos países desenvolvidos (cerca de metade do emprego) e cerca de 75% das instituições.Nestes valores, não temos em conta que o Estado construiu ao longo de décadas um parque habitacional social notável, que atribui a centenas de milhar de portugueses (a troco de rendas simbólicas). Nem temos em conta todo o dinheiro que se gasta directamente com serviços gratuitos às populações, como Serviço Nacional de Saúde e Educação.Sem querer lançar sobre o terceiro sector qualquer anátema, e sem tomar o “trigo pelo joio”, trago comigo esta pergunta há muito tempo: com tanto dinheiro para “caridade”, como é que ainda há gente “sem-abrigo” em Portugal? (cerca de 300 segundo um estudo que li). Como é que ainda se passa fome no nosso país? Cinco mil IPSS que gastam mais de cinco mil milhões de euros por ano (média de um milhão por IPSS) não conseguem dar abrigo a 300 pessoas?Quando Sócrates diz que quer tirar aos “ricos” para dar aos “pobres” e se propõe, na verdade, tirar à “classe média alta” para dar à “classe média mais ou menos baixa”, deveria saber que isso já acontece em larga escala, não apenas no sistema fiscal que já está montado e isenta muitos portugueses do pagamento de IRS (esses nada abatem), mas também através do sistema que aqui hoje apresento e que é a rede social montada através das IPSS.Em vez de inventar medidas que parecem saídas de um momento de infelicidade intelectual e nem sequer terão sido confrontadas com a real alcance que poderiam vir a ter, o Primeiro-Ministro poderia já ter começado por se preocupar com o sector das instituições sem fins lucrativos. Não para lhes dar mais dinheiro, mas para que se perceba se o dinheiro que os “ricos” e, sobretudo, TODA A CLASSE MÉDIA, já estão a dar para os pobres, chega de facto aos seus destinatários. Ou não saem estes 5,4 mil milhões de euros maioritariamente dos bolsos da classe média, que joga, paga impostos, faz donativos e a quem pode realmente ficar a dúvida se toda a gente neste sector é tão séria quanto parece?
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Nos últimos dias muito sem tem discutido sobre a distribuição equitativa do dinheiro e a ideia peregrina do nosso Primeiro-Ministro de “tirar aos ricos para distribuir aos pobres”, através de um sistema fiscal no mínimo duvidoso. Já se percebeu que nem os ricos de Sócrates são ricos, nem os pobres de Sócrates vão ganhar com a medida que quis tirar da cartola. Mas este tema levou-me a outro que me persegue a consciência há muitos anos e que não entendo bem. Há sete anos, uma suposta instituição de caridade que conheci levou-me a meditar e a fazer contas.Todos damos conta dos valores que o jogo oficial distribui todas as semanas pelos apostadores de Euromilhões, Totoloto, Loto 2, Totobola, Lotaria, Lotaria Popular, raspadinha. Esses prémios, todos somados, significam apenas 50% do valor apurado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Os restantes 50% é usado em instituições de solidariedade social. Façamos as contas, por alto, tomando os números desta semana disponíveis no site da Santa Casa. (nota: no caso do Euromilhões foram usados apenas os números das apostas em Portugal, cerca de 20%)Euromilhões 8.943.093,00Totoloto 625.177,93Loto 2 491.625,55Joker 358.521,00Lotaria clássica 1.462.500,00*Lotaria popular 800.000,00*Totobola 66.880,56Totobola extra 26.286,85Raspadinhas (desconhecido)Total (menos instantânea) = 12.774.678,8 euros*números estimados com base no valor dos prémios (receita não disponível no site)Ou seja, a o jogo de lotaria e afins apura semanalmente mais de 12 milhões de euros para solidariedade social. Mais de 50 milhões de euros por mês, ou seja, 600 milhões de euros por ano! Ao fim de três anos, esse dinheiro seria suficiente para construir o TGV e ao fim de seis, construiríamos o aeroporto de Lisboa (o famoso). E faço esta comparação, apenas para termos a noção da dimensão do valor.Mas estas receitas do jogo não são as únicas (nem perto disso) que as IPSS e outras instituições de solidariedade recebem para os seus fins. O Estado, através da segurança social, financia construção de cresces, centros de dia, lares e outro tipo de apoio social, através de programas estatais de apoio às IPSS. Apoia igualmente a sua actividade, como distribuição de refeições, domicílios, etc, etc. As Câmaras Municipais têm, sem excepção, programas locais de apoio às IPSS. Temos mais de 300 Câmaras Municipais em Portugal, algumas distribuem por ano mais de um milhão de euros pelas suas IPSS. As empresas também fazem donativos de milhões, que deduzem nos seus impostos e também dão bens, como produtos em fim de prazo e não só. Organizações, como o Banco Alimentar contra a Fome, angariam todos os anos milhares de toneladas de alimentos, que depois circulam para as IPSS. Todos nós somos diariamente convidados a fazer donativos quer através da comunicação social quer através de peditórios. Muitas empresas nos convidam a comprar os seus produtos, alegando que entregarão parte dos seus proveitos directos a uma IPSS. As IPSS têm sócios e beneméritos, que doam imóveis, bens e, muitas vezes, avultadas somas de dinheiro. Não conheço a dimensão da maioria destes números e duvido que alguém conheça com exactidão, mas conheço o Orçamento de Estado. E nele, podemos ver na rubrica da despesa corrente enumera:Transferências para a Administração Local: 6.835.000,00Transferências para a Administração Regional: 23.456.617,00Transferências para instituições sem fins lucrativos: 1.383.889.042,00E ainda…Transferências para famílias: 17.966.817.137,00Subsídios: 1.392.635.989,97Não estou a contabilizar aqui as despesas correntes da própria segurança social e as transferências para a Administração Central (só nesta rubrica estão 731.589.156,00 de euros).Portanto, e para além dos cerca de 20 mil milhões de euros que o Estado transfere para as famílias directamente, há mais 1,3 mil milhões de euros directamente encaminhado para as IPSS.Contas feitas, podemos dizer que as IPSS em Portugal recebem em números redondos:600 milhões do Jogo1,3 mil milhões do EstadoE outra tanto de outras fontes (donativos e cobrança de serviços)As minhas contas apontavam, por isso, para mais de quatro mil milhões de euros (um aeroporto ou dois TGV’s).Estes números que apurei de forma quase empírica coincidem com os números de estudos credíveis. Este estudo do Instituto Superior Miguel Torga dá-nos conta que o sector emprega 4% da população activa portuguesa (250 mil trabalhadores). Segundo o mesmo estudo, as quase 5.000 IPSS oficiais que existiam em Portugal (números de 2006) movimentam cerca de 5,4 mil milhões de euros, ou seja, 4,2% do PIB. Destes valores, 40% provém de financiamento público, ou seja, sai dos nossos impostos. É de notar que, segundo o documento, Portugal apresenta, nestas instituições, uma componente de serviços sociais muito superior ao dos países desenvolvidos (cerca de metade do emprego) e cerca de 75% das instituições.Nestes valores, não temos em conta que o Estado construiu ao longo de décadas um parque habitacional social notável, que atribui a centenas de milhar de portugueses (a troco de rendas simbólicas). Nem temos em conta todo o dinheiro que se gasta directamente com serviços gratuitos às populações, como Serviço Nacional de Saúde e Educação.Sem querer lançar sobre o terceiro sector qualquer anátema, e sem tomar o “trigo pelo joio”, trago comigo esta pergunta há muito tempo: com tanto dinheiro para “caridade”, como é que ainda há gente “sem-abrigo” em Portugal? (cerca de 300 segundo um estudo que li). Como é que ainda se passa fome no nosso país? Cinco mil IPSS que gastam mais de cinco mil milhões de euros por ano (média de um milhão por IPSS) não conseguem dar abrigo a 300 pessoas?Quando Sócrates diz que quer tirar aos “ricos” para dar aos “pobres” e se propõe, na verdade, tirar à “classe média alta” para dar à “classe média mais ou menos baixa”, deveria saber que isso já acontece em larga escala, não apenas no sistema fiscal que já está montado e isenta muitos portugueses do pagamento de IRS (esses nada abatem), mas também através do sistema que aqui hoje apresento e que é a rede social montada através das IPSS.Em vez de inventar medidas que parecem saídas de um momento de infelicidade intelectual e nem sequer terão sido confrontadas com a real alcance que poderiam vir a ter, o Primeiro-Ministro poderia já ter começado por se preocupar com o sector das instituições sem fins lucrativos. Não para lhes dar mais dinheiro, mas para que se perceba se o dinheiro que os “ricos” e, sobretudo, TODA A CLASSE MÉDIA, já estão a dar para os pobres, chega de facto aos seus destinatários. Ou não saem estes 5,4 mil milhões de euros maioritariamente dos bolsos da classe média, que joga, paga impostos, faz donativos e a quem pode realmente ficar a dúvida se toda a gente neste sector é tão séria quanto parece?