Desde que ouvi a Procuradora Cândida Almeida na televisão, que várias dúvidas me têm assaltado a mente. Uma delas, tem a ver com uma das frases em que foi peremptória. Respondendo à pergunta sobre se tinha ouvido o DVD em posse da polícia britânica, onde alegadamente se afirmaria que Sócrates terá pedido subornos, a magistrada respondeu:- Não ouvi nem quero ouvir. Essa prova não é válida em Portugal e, por isso, não quero ser influenciada pelo que lá se possa dizer.Ora, esta frase de Cândida Almeida, aplicada a todos os processos em fase de inquérito, resultaria que em Portugal nunca ninguém alguma vez fosse acusado de nada, a não ser que apanhado em flagrante delito. Recordo-me, por exemplo, quando foi o caso Madie, do Director da Polícia Judiciária dizer na televisão que alguns dos indícios recolhidos, embora não constituam prova, serviriam como “intelligence” (foi a expressão), ou seja, como pista para orientar a investigação e tentar procurar provas.Ora, qualquer investigação é isso mesmo. A partir de indícios, procurar provas. A diferença do indício para a prova é, precisamente, o primeiro não ter valor legal para provocar condenação, servindo como “pista” para se chegar à prova.O tal DVD pode não ter valor de prova. Mas até poderá ter. Conforme também confirmou a Procuradora, se os intervenientes autorizarem, pode até servir como prova. Ora, para autorizarem é primeiro preciso que alguém lhes pergunte se autorizam e, logo, que previamente analise o interesse de o fazer.Quando a procuradora Cândida Almeida investiga um qualquer crime, muitas “suspeitas”, “afirmações”, inquirições informais e outro tipo de “pistas” orientam a sua “livre convicção” (expressão muito usada pela Magistratura nos seus despachos). Essa “livre convicção” tem origem, não em provas, mas em indícios que orientam a investigação e que, muitas vezes, não têm valor de prova.Não conheço a Lei inglesa e não sei se, por lá, este DVD é válido. Mas, a verdade é que por lá já serviu para que a Polícia de Londres inquirisse pelo menos um dos intervenientes na conversa e lhe perguntassem se mantêm aquelas afirmações (o que, pelos vistos, num primeiro momento, até foi confirmado).Mal comparando, imaginemos que um polícia incompetente entra numa residência sem recurso a mandado de um Juiz, deparando com um cenário de crime e apreendendo, ilegalmente, uma qualquer “prova”. Evidentemente, essa “prova” deixou de poder ser usada em Tribunal como prova, mas, sabendo da existência do crime e dos seus indícios, o Ministério Público deixará de emitir um mandato para o mesmo local, tentando encontrar outras provas e confirmar ou eventualmente infirmar a própria existência do crime? Deverá o Ministério Público fingir que não teve conhecimento dos alegados factos e abstrair-se de voltar a entrar na residência, já legalmente munido de mandado, apenas porque tomou contacto com a realidade por via de algo que não poderá manter em Tribunal?Se apenas provas válidas fossem usadas em fase de investigação, não haveria investigação ou inquérito em Portugal. Os indícios são pois, por definição, meios que podem influenciar o investigador para a procura da prova, sem contudo terem obrigatoriamente força de prova.Ou não é assim?
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Desde que ouvi a Procuradora Cândida Almeida na televisão, que várias dúvidas me têm assaltado a mente. Uma delas, tem a ver com uma das frases em que foi peremptória. Respondendo à pergunta sobre se tinha ouvido o DVD em posse da polícia britânica, onde alegadamente se afirmaria que Sócrates terá pedido subornos, a magistrada respondeu:- Não ouvi nem quero ouvir. Essa prova não é válida em Portugal e, por isso, não quero ser influenciada pelo que lá se possa dizer.Ora, esta frase de Cândida Almeida, aplicada a todos os processos em fase de inquérito, resultaria que em Portugal nunca ninguém alguma vez fosse acusado de nada, a não ser que apanhado em flagrante delito. Recordo-me, por exemplo, quando foi o caso Madie, do Director da Polícia Judiciária dizer na televisão que alguns dos indícios recolhidos, embora não constituam prova, serviriam como “intelligence” (foi a expressão), ou seja, como pista para orientar a investigação e tentar procurar provas.Ora, qualquer investigação é isso mesmo. A partir de indícios, procurar provas. A diferença do indício para a prova é, precisamente, o primeiro não ter valor legal para provocar condenação, servindo como “pista” para se chegar à prova.O tal DVD pode não ter valor de prova. Mas até poderá ter. Conforme também confirmou a Procuradora, se os intervenientes autorizarem, pode até servir como prova. Ora, para autorizarem é primeiro preciso que alguém lhes pergunte se autorizam e, logo, que previamente analise o interesse de o fazer.Quando a procuradora Cândida Almeida investiga um qualquer crime, muitas “suspeitas”, “afirmações”, inquirições informais e outro tipo de “pistas” orientam a sua “livre convicção” (expressão muito usada pela Magistratura nos seus despachos). Essa “livre convicção” tem origem, não em provas, mas em indícios que orientam a investigação e que, muitas vezes, não têm valor de prova.Não conheço a Lei inglesa e não sei se, por lá, este DVD é válido. Mas, a verdade é que por lá já serviu para que a Polícia de Londres inquirisse pelo menos um dos intervenientes na conversa e lhe perguntassem se mantêm aquelas afirmações (o que, pelos vistos, num primeiro momento, até foi confirmado).Mal comparando, imaginemos que um polícia incompetente entra numa residência sem recurso a mandado de um Juiz, deparando com um cenário de crime e apreendendo, ilegalmente, uma qualquer “prova”. Evidentemente, essa “prova” deixou de poder ser usada em Tribunal como prova, mas, sabendo da existência do crime e dos seus indícios, o Ministério Público deixará de emitir um mandato para o mesmo local, tentando encontrar outras provas e confirmar ou eventualmente infirmar a própria existência do crime? Deverá o Ministério Público fingir que não teve conhecimento dos alegados factos e abstrair-se de voltar a entrar na residência, já legalmente munido de mandado, apenas porque tomou contacto com a realidade por via de algo que não poderá manter em Tribunal?Se apenas provas válidas fossem usadas em fase de investigação, não haveria investigação ou inquérito em Portugal. Os indícios são pois, por definição, meios que podem influenciar o investigador para a procura da prova, sem contudo terem obrigatoriamente força de prova.Ou não é assim?