Como dois opostos podem ter ambos razão (e vice-versa)

11-03-2008
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Como dois opostos podem ter ambos razão (e vice-versa)

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FOTO ANA BAIÃO

Lisboa, 4 de Março de 2008

À classe dos Filósofos em geral

Dirijo-me a todos os que, de um modo mais ou menos consistente, vocacionam as suas meninges para o conhecimento. Embora correndo o risco de deixar de fora uma parte do país e quase todo o Ministério da Educação, faço-o convencido de que estou a prestar um inestimável serviço ao país e à Filosofia moderna.

Até hoje, pensava-se que, quando duas pessoas se situavam em campos radicalmente opostos (v.g., uma discussão ou um embate de ideias), apenas uma de duas hipóteses podiam ocorrer: ou nenhum deles ter razão, casos em que se utilizava o velho aforismo da «casa em que não há pão», ou um deles ter razão e, por via dessa demonstração, chegar-se ao óbvio e claríssimo remate que ao outro falhava essa mesma razão.

Mas eis que no último fim-de-semana um acontecimento da mais invulgar luta política, terçado por dois intelectuais do mais fino quilate e do mesmo partido, pôs fim àquilo que parecia ser uma mera evidência tautológica (quem não souber o que é uma tautologia só merece continuar a ler isto se for ao dicionário e aí verificar que vem do grego tautó+logos e que consiste em dizer a mesma coisa de formas diferentes). Essa evidência tautológica era que - se um dizia a verdade, e estava em contradição com o outro, o outro não podia estar também a dizer a verdade.

O embate intelectual a que me refiro foi travado entre Valter Lemos, secretário de Estado da Educação, e Ana Benavente, ex-secretária de Estado da Educação.

Ora, a Dr.ª Ana Benavente disse que o Dr. Valter Lemos e a ministra que ele, por assim dizer, secretaria, estão a destruir as escolas. E é verdade. Vem o Dr. Valter e diz que a Dr.ª Ana Benavente, essa sim, deu cabo da Educação em Portugal porque estava feita com a Fenprof. O que é verdade.

Vem a Dr.ª Benavente e diz que o Dr. Valter Lemos faz comentários de mau gosto, o que é verdade (e até se pode dizer que o mau gosto do Dr. Valter se estende dos comentários ao corte do cabelo e ao padrão dos fatos, o que também é verdade). Mas o Dr. Valter Lemos não desarma e diz que a Dr.ª Benavente conseguiu os piores resultados de que há memória na Europa (senão no Mundo, digo eu para exagerar um pouco), o que é verdade. Mas a Dr.ª Benavente não se ficou e disse que a Fenprof, longe de a apoiar, criticava-a imenso e movia-lhe forte oposição, o que é verdade. Mais: a Dr.ª Benavente trouxe em socorro de si própria o nome dos ex-ministros que ela serviu: o Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, o Dr. Marçal Grilo e o Dr. Augusto Santos Silva, o que é verdade.

E o Dr. Santos Silva, que voltou a estar no Governo, calou-se bem calado, o que é verdade, e não veio defender a sua dama, ou seja, a política de Educação da Dr.ª Benavente, porque não pode ao mesmo tempo desautorizar o seu damo, que toda a gente sabe quem é.

E, assim, duas pessoas que partilham a mesma ideia de Educação e o mesmo programa político, atacam-se reciprocamente com a verdade, dizendo o contrário do outro.

O Dr. Valter e a Dr.ª Benavente não se entendem por acaso. Porque ambos desejam o mesmo para a Educação. Cada um deles falou do outro com o conhecimento e a verdade de que falaria de si próprio. Ora é isto que é relevante (ou talvez não tenha qualquer importância e eu esteja enganado).

Aceitem todos os meus cumprimentos

Comendador Marques de Correia

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Lisboa, 4 de Março de 2008

À classe dos Filósofos em geral

Dirijo-me a todos os que, de um modo mais ou menos consistente, vocacionam as suas meninges para o conhecimento. Embora correndo o risco de deixar de fora uma parte do país e quase todo o Ministério da Educação, faço-o convencido de que estou a prestar um inestimável serviço ao país e à Filosofia moderna.

Até hoje, pensava-se que, quando duas pessoas se situavam em campos radicalmente opostos (v.g., uma discussão ou um embate de ideias), apenas uma de duas hipóteses podiam ocorrer: ou nenhum deles ter razão, casos em que se utilizava o velho aforismo da «casa em que não há pão», ou um deles ter razão e, por via dessa demonstração, chegar-se ao óbvio e claríssimo remate que ao outro falhava essa mesma razão.

Mas eis que no último fim-de-semana um acontecimento da mais invulgar luta política, terçado por dois intelectuais do mais fino quilate e do mesmo partido, pôs fim àquilo que parecia ser uma mera evidência tautológica (quem não souber o que é uma tautologia só merece continuar a ler isto se for ao dicionário e aí verificar que vem do grego tautó+logos e que consiste em dizer a mesma coisa de formas diferentes). Essa evidência tautológica era que - se um dizia a verdade, e estava em contradição com o outro, o outro não podia estar também a dizer a verdade.

O embate intelectual a que me refiro foi travado entre Valter Lemos, secretário de Estado da Educação, e Ana Benavente, ex-secretária de Estado da Educação.

Ora, a Dr.ª Ana Benavente disse que o Dr. Valter Lemos e a ministra que ele, por assim dizer, secretaria, estão a destruir as escolas. E é verdade. Vem o Dr. Valter e diz que a Dr.ª Ana Benavente, essa sim, deu cabo da Educação em Portugal porque estava feita com a Fenprof. O que é verdade.

Vem a Dr.ª Benavente e diz que o Dr. Valter Lemos faz comentários de mau gosto, o que é verdade (e até se pode dizer que o mau gosto do Dr. Valter se estende dos comentários ao corte do cabelo e ao padrão dos fatos, o que também é verdade). Mas o Dr. Valter Lemos não desarma e diz que a Dr.ª Benavente conseguiu os piores resultados de que há memória na Europa (senão no Mundo, digo eu para exagerar um pouco), o que é verdade. Mas a Dr.ª Benavente não se ficou e disse que a Fenprof, longe de a apoiar, criticava-a imenso e movia-lhe forte oposição, o que é verdade. Mais: a Dr.ª Benavente trouxe em socorro de si própria o nome dos ex-ministros que ela serviu: o Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, o Dr. Marçal Grilo e o Dr. Augusto Santos Silva, o que é verdade.

E o Dr. Santos Silva, que voltou a estar no Governo, calou-se bem calado, o que é verdade, e não veio defender a sua dama, ou seja, a política de Educação da Dr.ª Benavente, porque não pode ao mesmo tempo desautorizar o seu damo, que toda a gente sabe quem é.

E, assim, duas pessoas que partilham a mesma ideia de Educação e o mesmo programa político, atacam-se reciprocamente com a verdade, dizendo o contrário do outro.

O Dr. Valter e a Dr.ª Benavente não se entendem por acaso. Porque ambos desejam o mesmo para a Educação. Cada um deles falou do outro com o conhecimento e a verdade de que falaria de si próprio. Ora é isto que é relevante (ou talvez não tenha qualquer importância e eu esteja enganado).

Aceitem todos os meus cumprimentos

Comendador Marques de Correia

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