EconomiAberta: Os cata-ventos

07-10-2009
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O pior serviço que os políticos podem prestar aos cidadãos é o de iludir a substância das questões com argumentos laterais que apenas visam distorcer a discussão de ideias. É o que está a suceder, pela mão de responsáveis do PS, a propósito da proposta de reforma da Segurança Social apresentada pelo PSD. Vitalino Canas e Acenso Simões, prosseguindo numa linha de argumentação cujo tiro de partida foi dado por José Sócrates, vieram a público garantir que a introdução da capitalização de uma parte dos descontos efectuados pelos contribuintes é algo que só interessaria ao lobby das companhias de seguros. Agitando o papão da "privatização" das pensões de reforma, limitaram-se a esgrimir de forma demagógica, tentando atirar poeira sobre os olhos da opinião pública. Ambos os responsáveis socialistas têm a obrigação de saber, e o mais grave é que provavelmente não ignoram, que o investimento de uma parcela dos descontos realizados sobre os rendimentos das pessoas singulares não tem de ser feito, obrigatoriamente, por uma entidade privada. O próprio sistema actual inclui uma entidade pública, o Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social, que, actuando como qualquer outra organização que se dedique à gestão de fundos de investimento, aplica as verbas que, anualmente, recebe a partir do orçamento da Previdência. E como esta entidade tem alcançado maior sucesso na rendibilização das somas que lhe são confiadas em comparação com a performance obtida por "concorrentes" privados, pode agradecer-se a este facto a existência de uma almofada financeira sem a qual o estouro do actual modelo para as pensões de reforma aconteceria bem mais cedo do que se prevê. Por aqui se fica a saber que a capitalização como via para melhorar as perspectivas de sustentabilidade da Segurança Social pode suscitar problemas, como os que decorrem da quebra de receitas para pagar as pensões actuais durante o período de transição, mas também fica claro que a solução defendida pelo PSD ou pelo Compromisso Portugal não é o fantasma que os socialistas se entretêm a agitar. Sobre a possibilidade de entidades privadas, como as seguradoras, virem a assumir uma parte das responsabilidades na gestão do dinheiro destinado ao sistema de capitalização, também não se justifica a excitação à moda do PREC que está a animar Ascenso Simões e Vitalino Canas, entre outros. Todos os dias, o Estado adquire bens e serviços a empresas privadas, que os oferecem no mercado, e desconhece-se que esta situação alguma vez tenha causado alguma inquietação ao PS. Pelo contrário, as obras públicas emblemáticas que o actual Governo persiste em concretizar dão conta de uma atitude bem diferente em relação à possibilidade de privados ganharem dinheiro à custa do Orçamento do Estado, isto é, de quem paga impostos. Às segundas, quartas e sextas, os privados são bons parceiros. Às terças, quintas e sábados, não passam de uns vilões gananciosos, sempre à espreita de oportunidades para arrecadarem o dinheiro que os cidadãos entregam ao Estado. Por último, é curioso verificar que destacados elementos do PS, como Ascenso Simões, secretário nacional do partido, e Vitalino Canas, vice-presidente do grupo parlamentar, têm fraca memória ou, em alternativa, apenas a utilizam de forma selectiva e de acordo com o lado para o qual os ventos sopram em cada momento. Quando o Governo anterior decidiu suprimir os incentivos fiscais ao investimento em planos poupança-reforma (PPR), produtos financeiros geridos por entidades privadas, os socialistas protestaram pelo ataque que estava a ser dirigido à classe média, ainda por cima numa matéria tão importante como assegurar um futuro complemento da pensão de reforma suportada pelo Estado. Nessa altura, a tenebrosa "privatização" da Segurança Social não era um problema. Pelo contrário, na perspectiva socialista o Estado até devia abdicar de receitas fiscais para incentivar os cidadãos a construírem o seu próprio plano de poupança a pensar na reforma. Foi precisamente isto que o Governo de José Sócrates acabou por fazer, ao reintroduzir, no Orçamento do Estado para 2006, a possibilidade de dedução à declaração de rendimentos de uma parte das somas aplicadas em PPR. Uma vez mais, desconhecem-se as eventuais críticas de Ascenso Simões ou Vitalino Canas a esta decisão, assim como não há registo de o primeiro-ministro ter perdido algum minuto do seu sono por causa da "privatização" das pensões de reforma. O deputado, partindo do princípio de que não faltou à Assembleia da República no dia respectivo, até terá votado favoravelmente aquela medida, sem pestanejar. A partir do desempenho dos dirigentes socialistas, pode tirar-se, pelo menos, uma conclusão. A discussão sobre o futuro da Segurança Social é demasiado importante para ficar nas mãos de políticos que mudam de opinião como meros cata-ventos. in Público, 22 de Setembro 2006


O pior serviço que os políticos podem prestar aos cidadãos é o de iludir a substância das questões com argumentos laterais que apenas visam distorcer a discussão de ideias. É o que está a suceder, pela mão de responsáveis do PS, a propósito da proposta de reforma da Segurança Social apresentada pelo PSD. Vitalino Canas e Acenso Simões, prosseguindo numa linha de argumentação cujo tiro de partida foi dado por José Sócrates, vieram a público garantir que a introdução da capitalização de uma parte dos descontos efectuados pelos contribuintes é algo que só interessaria ao lobby das companhias de seguros. Agitando o papão da "privatização" das pensões de reforma, limitaram-se a esgrimir de forma demagógica, tentando atirar poeira sobre os olhos da opinião pública. Ambos os responsáveis socialistas têm a obrigação de saber, e o mais grave é que provavelmente não ignoram, que o investimento de uma parcela dos descontos realizados sobre os rendimentos das pessoas singulares não tem de ser feito, obrigatoriamente, por uma entidade privada. O próprio sistema actual inclui uma entidade pública, o Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social, que, actuando como qualquer outra organização que se dedique à gestão de fundos de investimento, aplica as verbas que, anualmente, recebe a partir do orçamento da Previdência. E como esta entidade tem alcançado maior sucesso na rendibilização das somas que lhe são confiadas em comparação com a performance obtida por "concorrentes" privados, pode agradecer-se a este facto a existência de uma almofada financeira sem a qual o estouro do actual modelo para as pensões de reforma aconteceria bem mais cedo do que se prevê. Por aqui se fica a saber que a capitalização como via para melhorar as perspectivas de sustentabilidade da Segurança Social pode suscitar problemas, como os que decorrem da quebra de receitas para pagar as pensões actuais durante o período de transição, mas também fica claro que a solução defendida pelo PSD ou pelo Compromisso Portugal não é o fantasma que os socialistas se entretêm a agitar. Sobre a possibilidade de entidades privadas, como as seguradoras, virem a assumir uma parte das responsabilidades na gestão do dinheiro destinado ao sistema de capitalização, também não se justifica a excitação à moda do PREC que está a animar Ascenso Simões e Vitalino Canas, entre outros. Todos os dias, o Estado adquire bens e serviços a empresas privadas, que os oferecem no mercado, e desconhece-se que esta situação alguma vez tenha causado alguma inquietação ao PS. Pelo contrário, as obras públicas emblemáticas que o actual Governo persiste em concretizar dão conta de uma atitude bem diferente em relação à possibilidade de privados ganharem dinheiro à custa do Orçamento do Estado, isto é, de quem paga impostos. Às segundas, quartas e sextas, os privados são bons parceiros. Às terças, quintas e sábados, não passam de uns vilões gananciosos, sempre à espreita de oportunidades para arrecadarem o dinheiro que os cidadãos entregam ao Estado. Por último, é curioso verificar que destacados elementos do PS, como Ascenso Simões, secretário nacional do partido, e Vitalino Canas, vice-presidente do grupo parlamentar, têm fraca memória ou, em alternativa, apenas a utilizam de forma selectiva e de acordo com o lado para o qual os ventos sopram em cada momento. Quando o Governo anterior decidiu suprimir os incentivos fiscais ao investimento em planos poupança-reforma (PPR), produtos financeiros geridos por entidades privadas, os socialistas protestaram pelo ataque que estava a ser dirigido à classe média, ainda por cima numa matéria tão importante como assegurar um futuro complemento da pensão de reforma suportada pelo Estado. Nessa altura, a tenebrosa "privatização" da Segurança Social não era um problema. Pelo contrário, na perspectiva socialista o Estado até devia abdicar de receitas fiscais para incentivar os cidadãos a construírem o seu próprio plano de poupança a pensar na reforma. Foi precisamente isto que o Governo de José Sócrates acabou por fazer, ao reintroduzir, no Orçamento do Estado para 2006, a possibilidade de dedução à declaração de rendimentos de uma parte das somas aplicadas em PPR. Uma vez mais, desconhecem-se as eventuais críticas de Ascenso Simões ou Vitalino Canas a esta decisão, assim como não há registo de o primeiro-ministro ter perdido algum minuto do seu sono por causa da "privatização" das pensões de reforma. O deputado, partindo do princípio de que não faltou à Assembleia da República no dia respectivo, até terá votado favoravelmente aquela medida, sem pestanejar. A partir do desempenho dos dirigentes socialistas, pode tirar-se, pelo menos, uma conclusão. A discussão sobre o futuro da Segurança Social é demasiado importante para ficar nas mãos de políticos que mudam de opinião como meros cata-ventos. in Público, 22 de Setembro 2006

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