Alma Lusíada: Portugal ontem e hoje, outra vez, no Impasse

30-09-2009
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Poderia bem ser a expressão que melhor define a actual situação política que vivemos, trinta e um anos depois de uma Revolução que se tornara inevitável, pela paralisia que o regime de Salazar-Caetano revelava, ao fim de quase cinquenta anos de domínio político absoluto.Por uma questão de rigor, nunca lhe chamo regime fascista, apesar de algumas características semelhantes que partilhava com os da Itália, de Benito Mussolini e da Alemanha, de Adolfo Hitler.Sem descer a minudências, julgo poder defender-se este ponto de vista. Era, sem dúvida, um regime autoritário, que descria e combatia a democracia parlamentar, cujo modelo, na Europa, o Reino Unido, mais que nenhum outro, representava.Para o classificarmos com as mesmas designações que se usam para os daqueles dois países, sobretudo, nos anos trinta e início dos anos quarenta do século xx, faltam-lhe as movimentações de massas, as elaborações teóricas de partido doutrinado, iluminado e redentor, animado de doutrina nacionalista mais exacerbada, perigosamente conflituante com as demais Nações do xadrez europeu, cujo clima, naquela época, inquinava continuamente, até descambar na confrontação bélica generalizada, em 1 de Setembro de 1939.É certo que tivemos a Legião Portuguesa, uma espécie de milícia para-militar de recrutamento baseado na fiel identificação ideológica, principalmente dos seus chefes, já que grande parte dos outros militantes de base, aderiam quase só por oportunismo, para lograrem vantagens nos empregos do Estado, sobretudo. Tivemos igualmente uma Polícia Política que perseguia opositores do regime, com particular dureza os Comunistas, a quem votava um ódio quase doentio.Exercia esta polícia uma especial vigilância no recrutamento dos quadros do regime: Forças Armadas e Militarizadas, Quadros Superiores do Funcionalismo, Professores dos diversos graus de Ensino, Estudantes Universitários e Quadros Sindicais operários. Estas eram as estruturas do Estado em que mais se fazia sentir a acção repressiva do regime deposto em 25 de Abril de 1974.A sua acção foi abrandando em ferocidade com o avançar dos anos, mas foi muito severa nas três primeiras décadas do regime. Nos anos 60, ainda com Salazar, o regime começava a contemporizar com determinada contestação, não a liquidando brutalmente, como antes, e, no final, de 1968 a 1974, com Marcelo Caetano, a quebra de dureza era notória, com os estudantes e os quadros militares mais jovens a aproveitarem-se disso para lançarem as suas acções de contestação.Durante toda a década de 60, largas centenas de milhares de portugueses haviam emigrado para a Europa : França, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha e Holanda, sobretudo, passando a contactar com sociedades muito mais evoluídas, económica, social e culturalmente. Quando regressavam de férias, ao seu terrunho, exibiam sinais de algum desafogo que incitavam os outros a sair também, imitando-os e descrendo do regime português que pouco conforto económico e social lhes permitia atingir.Agravando tudo isto, surgiu a Guerra em África, logo em Fevereiro de 1961 e, no final do mesmo ano, a União Indiana invadia e anexava os territórios portugueses de Goa, Damão e Diu, da chamada Índia Portuguesa, pondo fim a uma presença de quase 500 anos, em que de facto se desenvolvera ali uma sociedade algo diferente da do restante continente indiano.A perda dos territórios indianos assumiu uma forma traumática, na sequência de uma confrontação militar humilhante, pela falta de combatividade demonstrada pelas tropas indo-portuguesas ali estacionadas, em número e equipamentos muito escassos. Com tal desproporção de meios de combate em presença, o Comando português não mostrou grande vontade de resistir, decretando a rendição, logo ao fim do 1º dia de confrontação.Para Salazar, que exigira ao Governador Geral do Estado Português da Índia, General Vassalo e Silva, comportamento firme, com sacrifício da própria vida, se necessário, devendo as forças indo-portuguesas resistir pelo menos durante oito dias, para permitir ao regime as diligências diplomáticas que o conflito requeria, o rápido epílogo vibrou-lhe um golpe profundo no seu íntimo orgulho de Estadista prestigiado, ainda que sob forte contestação interna e externa.Surpreendentemente, aquele militar, que antes da invasão consumada, fizera à Imprensa declarações veementes da sua intenção de resistir, algumas até de pura bravata, acabou por claudicar, com pouco combate, tendo apenas a Marinha portuguesa tido comportamento bélico significativo, com o navio Afonso de Albuquerque a responder tenazmente aos ataques da União Indiana, até à sua neutralização operacional, apesar de o seu comandante, Cunha Aragão, ter ficado gravemente ferido, sendo retirado da ponte, continuando a restante guarnição o combate até aos limites do possível.Morreram a combater o Primeiro-Tenente Oliveira e Carmo e o Alferes Santiago de Carvalho, este, em Damão, num inglório epílogo da nossa histórica permanência em terras da Índia. Foram estas as maiores resistências oferecidas. O resto saldou-se por um fraco comportamento, para o qual se procuraram já várias explicações, ainda assim, pouco convincentes.Em Portugal, o regime aproveitou o ensejo para agregar a si o povo, fazendo apelo a um sentimento patriótico magoado, com a perda que acabáramos de sofrer. Na verdade, o povo, apesar de experimentar uma situação de falta de liberdade e de exiguidade económica, de alguma forma, sentiu o esbulho dos territórios, que, pese a propaganda indiana, usufruiam de um nível de vida superior ao da restante U. I., mantendo afecto e orgulho na sua especificidade cultural.Aqui, na Metrópole, a oposição ao regime procurou igualmente tirar dividendos da situação de vexame, em que o regime caíra, pela maneira desonrosa como o confronto ocorrera e, sobretudo, como findara. Mal andou a oposição, porque quem perdera não fora apenas o regime, fora Portugal inteiro, ainda que aquele tivesse agido com falta de perícia e de maleabilidade, não deixando ao conflito outra alternativa que não fosse a guerra.Mais uma vez se confirmara que a oportunidade em Política é vital para a sorte dos objectivos.O caso de Goa, todavia, mereceria hoje uma reapreciação minuciosa, desapaixonada, para se perceber o comportamento das diversas entidades envolvidas, portuguesas e estrangeiras, designadamente a ONU, a Inglaterra, nossa aliada desde o longínquo ano de 1386, os EUA e a então União Soviética, alinhada com a Índia em todo o conflito.Veríamos como aqui não só Salazar se teria de criticar, mas muito mais outros intervenientes, com a sua aura fabricada de paladinos da paz e da concórdia entre as nações, em particular o pandita Nehru, então em luta cerrada com Sukarno e Tito, para se afirmar na chefia do chamado movimento dos não alinhados, uma mais que inventada ficção da URSS para iludir ingénuos ou incautos.A propósito ainda da actuação Política, com sentido de oportunidade, o mesmo se comprovaria mais tarde, no referente à Guerra de África.Quando a guerrilha rebentou, com actos de selvajaria impressionantes, naturalmente, a sua repressão teria sempre de ser pronta e rija, para demonstrar que não se aceitariam tais barbaridades. E, de facto, ela assim foi. Mas, depois, haveria que buscar uma forma de solução política para evitar que os actos isolados de explosão de ódio degenerassem numa guerra continuada e desgastante.Era preciso revelar imaginação e flexibilidade políticas, negociando com as chefias da guerrilha numa posição de força, convidando-as a partilhar a administração dos territórios africanos, admitindo inclusivamente o acesso à auto-determinação e à independência, na base da disputa democrática do poder, de acordo com a doutrina da ONU, que não obrigava a uma única solução política consubstanciada na independência.Poderia ter-se estabelecido um compromisso legal, com tempo para a formação de estruturas políticas, partidos, etc., até à celebração de eleições livres, em que todos os que viviam nos territórios : brancos, pretos, mestiços, indianos, etc., e lá quisessem continuar a viver, poderiam formar as suas organizações políticas e concorrer às eleições, escolhendo os seus representantes, conforme a sua sensibilidade.Neste enquadramento e atendendo à época, se a opção fosse a da independência, seria muito provável a vitória de um partido moderado, de composição mista, abrigando nele todas as raças, mantendo com Portugal uma relação de amizade e cooperação económica mutuamente vantajosa. Para isto, era necessário dispor de imaginação, abertura de espírito, alguma habilidade negocial e, acima de tudo, abandonar posições demasiado rígidas, sem possibilidade de sustentação no quadro político do tempo. Foi isto que faltou, essencialmente.O persistir em posições ultrapassadas, irrealistas, amarradas a um tempo histórico que definitivamente passara, poderia parecer coerência doutrinária, mas, na prática, iria revelar-se desastroso, porque sem possibilidades de defesa.Por outro lado, foi-se deixando arrastar a guerra, em três teatros operacionais : Angola, Moçambique e Guiné, nestes dois últimos territórios a situação degradou-se bastante com o tempo e, em particular, no último deles, na Guiné, em demasia e sem qualquer justificação, no plano dos ganhos económicos ou materiais. Aqui a perda era completa, em sacrifícios humanos e materiais, de que nunca se recuperaria, aliás, apenas se prosseguindo no esforço, por razões de uma imaginada coerência política, de total impraticabilidade futura.Em Portugal, o esforço começou ao fim de alguns anos a ser contestado pela juventude universitária, muito politizada e doutrinada na contestação ao regime. Era sobre ela que recaía grande parte desse esforço militar nas matas africanas. A hipocrisia do regime ia aumentando desmesuradamente, porque aceitava já a perda de combatividade guerreira em África, conquanto a situação não se agravasse por aí além. Nos últimos anos, já só as unidades de tropas especiais conduziam acções ofensivas com êxito, permanecendo as outras numa posição predominantemente ocupacional, de presença no território, mas sem carácter agressivo.Espantosamente, os Altos Comandos e o Governo em Lisboa não se incomodavam com esta preocupante realidade. Pensariam que tudo se manteria nesse status quo, eternamente, enquanto houvesse soldados disponíveis para o sacrifício, de que, aliás, os filhos dos próceres do regime habilmente se isentavam, fazendo uso dos mais variados subterfúgios.Com este permanente espinho na garganta do regime, que nem a inteligência e o bom senso de Caetano haveriam de arrancar, a solução só poderia sair dos quadros militares profissionais das Forças Armadas, sobretudo dos mais jovens, que sofriam o peso de continuadas comissões, esgotantes, sem fim político no horizonte, e dos oficiais milicianos, também muito penalizados, por arcarem com as missões mais operacionais nas savanas africanas, numa altura em que nas universidades a propaganda anti-guerra e contra o regime atingia o seu auge.Com efeito, depois do Maio de 1968, a agitação estudantil explodira um pouco por todo o mundo, tornando-se a sua militância política muito radicalizada, levando até, em França, ao enfraquecimento e posterior queda do poder político, com o abandono da cena política do seu grande estadista do século xx, que foi o General Charles de Gaulle.Se isto era possível num país próspero, economicamente forte e culturalmente avançado, como a França, em Portugal, a contestação estudantil, concertada com a oposição ao regime, crescia também em acção e ousadia. Assim se chegou às vésperas de Abril de 1974, com o regime enfraquecido, por bloqueado e por desacreditado, na sua perspectiva política, sem nada para oferecer, no plano das soluções democráticas em vigor na Europa, para onde maciçamente emigravam os nossos compatriotas, desesperançados de alcançar uma vida digna no seu país.Com a mudança política revolucionária de 25 de Abril de 1974, a saída do Ultramar deu-se num ápice e em condições atabalhoadas, sem que tivéssemos podido acautelar o interesse das comunidades de portugueses que aí viviam, nem a sorte das populações indígenas que ficaram à mercê de uma propaganda demagógica dos partidos independentistas, todos de orientação comunista, que tudo fizeram para acelerar o processo de transição e de passagem do poder para as suas ávidas e exclusivas mãos.Incentivou-se, por todos os meios, a saída dos europeus, alguns tão africanos como os negros, porque já contavam com várias gerações de permanência em África. Foi para eles um corte abrupto na sua vida e viriam a enfrentar sérias dificuldades de integração nos primeiros anos após a chegada à sua velha metrópole, para muitos, aliás, inteiramente estranha e, para mais, na época, em clima de forte hostilidade à sua presença, pelas clivagens ideológicas subitamente exacerbadas.Foi para toda esta gente uma traumática saída das suas terras, onde abandonaram afectos e haveres, sem ganho nenhum para ninguém, a não ser para as cliques revolucionárias que, nesses novos países, acederam ao poder, confiscando e nacionalizando propriedades e toda a sorte de bens, em cumprimento da cartilha ideológica que professavam. Rapidamente os chamados Movimentos de Libertação se guerrearam entre si, em Angola e depois em Moçambique, levando a guerra brutal às cidades, que, ironicamente, nunca a haviam conhecido no tempo da outra guerra, designada de colonial-fascista, no dizer desgrenhado da época.Esta nova guerra fratricida, muitíssimo mais mortífera e mais economicamente devastadora do que a outra, anterior à independência, levaria à miséria inaudita as populações desses países, que, desamparadamente, sofreram toda a sorte de atrocidades e atribulações nunca antes sonhadas. Tudo isto perante a passividade das instâncias internacionais, tão activamente preocupadas com essas mesmas populações, no tempo da presença portuguesa.Vê-se hoje claramente como as potências de então (EUA, URSS e China, sobretudo) exploraram cinicamente a credulidade das populações indígenas, acelerando desnecessariamente o acesso desses países à independência, situação para a qual não estavam de modo algum preparados, como alguns nem hoje ainda estão, passados mais de trinta anos das independências africanas, mas para que foram empurrados por mãos criminosas, ávidas de influência, de lucro e de poder estratégico.Passados todos estes anos, muita gente já se deu conta do logro em que caiu e nesses novos países já ninguém acredita nas antigas ilusões fabricadas pelos acirrados revolucionários da guerrilha, que, comprovadamente, nada mais sabiam fazer do que guerrear.Procuram hoje esses países, terminada que está a guerra fratricida, retomar a senda do progresso económico, com base numa cooperação com Portugal e com outros países, na base de mútuos interesses e vantagens, sem as desconfianças iniciais.Portugal, que aderiu à Comunidade Europeia, em Janeiro de 1986, e se deixou embevecer com as ajudas financeiras, vive actualmente uma fase de desorientação e perplexidade, verificando, com amargura, a destruição de valências e estruturas produtivas essenciais para a sua existência como entidade autónoma e soberana, garantia da sua sobrevivência futura.Daí que a diversificação das nossas relações económicas, nomeadamente, com estes novos países volte a ganhar importância e justifique um cuidadoso estudo da parte das instituições que estão obrigadas a garantir a continuidade da nossa soberania, assente numa nova realidade política, social e económica, mas sem perder de vista o objectivo de que essa realidade deve ser o garante.A situação, demasiado diagnosticada já, carece de terapia adequada e pronta para administrar, como a um doente quase comatoso.Quem surgirá das brumas do momento, capaz de nos conduzir para zonas mais claras, no caminho de um país próspero, organizado, produtivo e civilizado, tudo coisas necessárias e inteiramente ao nosso alcance.Nestes últimos dez, quinze anos, o nosso desenvolvimento foi muito acidentado, registando-se avanços e recuos, a par de equívocos notórios, em variados sectores da vida nacional.Na parte estritamente política, a degradação é cada vez mais evidente e tem sido sempre possível descer mais um degrau, quando julgávamos ter batido no fundo.Como iremos sair deste fosso em que continuamente nos temos enterrado e com que gente se dará a ambicionada saída ?Parece óbvio que aqueles que notavelmente contribuíram para a actual situação, não poderão nunca arvorar-se em salvadores, se têm algum respeito pela nossa inteligência, dado que pela deles já nos mostraram não ter, se aquela têm, afinal.A partir do próximo acto eleitoral a 20 de Fevereiro, é preciso forjar a sério, com tempo, uma alternativa verdadeira, no campo da social-democracia, que pode passar por uma substancial fragmentação dos dois maiores partidos portugueses, PSD e PS, hoje nas mãos de figuras menores, mediáticas, produto e obra do marketing político, que vivem do acessório e do supérfluo, sem autoridade e respeito para se imporem ao País.Veremos se para tal se reúne a massa crítica indispensável...Spes ultima dea /A esperança é a última deusaAV_Lisboa, 15 de Janeiro de 2005

Poderia bem ser a expressão que melhor define a actual situação política que vivemos, trinta e um anos depois de uma Revolução que se tornara inevitável, pela paralisia que o regime de Salazar-Caetano revelava, ao fim de quase cinquenta anos de domínio político absoluto.Por uma questão de rigor, nunca lhe chamo regime fascista, apesar de algumas características semelhantes que partilhava com os da Itália, de Benito Mussolini e da Alemanha, de Adolfo Hitler.Sem descer a minudências, julgo poder defender-se este ponto de vista. Era, sem dúvida, um regime autoritário, que descria e combatia a democracia parlamentar, cujo modelo, na Europa, o Reino Unido, mais que nenhum outro, representava.Para o classificarmos com as mesmas designações que se usam para os daqueles dois países, sobretudo, nos anos trinta e início dos anos quarenta do século xx, faltam-lhe as movimentações de massas, as elaborações teóricas de partido doutrinado, iluminado e redentor, animado de doutrina nacionalista mais exacerbada, perigosamente conflituante com as demais Nações do xadrez europeu, cujo clima, naquela época, inquinava continuamente, até descambar na confrontação bélica generalizada, em 1 de Setembro de 1939.É certo que tivemos a Legião Portuguesa, uma espécie de milícia para-militar de recrutamento baseado na fiel identificação ideológica, principalmente dos seus chefes, já que grande parte dos outros militantes de base, aderiam quase só por oportunismo, para lograrem vantagens nos empregos do Estado, sobretudo. Tivemos igualmente uma Polícia Política que perseguia opositores do regime, com particular dureza os Comunistas, a quem votava um ódio quase doentio.Exercia esta polícia uma especial vigilância no recrutamento dos quadros do regime: Forças Armadas e Militarizadas, Quadros Superiores do Funcionalismo, Professores dos diversos graus de Ensino, Estudantes Universitários e Quadros Sindicais operários. Estas eram as estruturas do Estado em que mais se fazia sentir a acção repressiva do regime deposto em 25 de Abril de 1974.A sua acção foi abrandando em ferocidade com o avançar dos anos, mas foi muito severa nas três primeiras décadas do regime. Nos anos 60, ainda com Salazar, o regime começava a contemporizar com determinada contestação, não a liquidando brutalmente, como antes, e, no final, de 1968 a 1974, com Marcelo Caetano, a quebra de dureza era notória, com os estudantes e os quadros militares mais jovens a aproveitarem-se disso para lançarem as suas acções de contestação.Durante toda a década de 60, largas centenas de milhares de portugueses haviam emigrado para a Europa : França, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha e Holanda, sobretudo, passando a contactar com sociedades muito mais evoluídas, económica, social e culturalmente. Quando regressavam de férias, ao seu terrunho, exibiam sinais de algum desafogo que incitavam os outros a sair também, imitando-os e descrendo do regime português que pouco conforto económico e social lhes permitia atingir.Agravando tudo isto, surgiu a Guerra em África, logo em Fevereiro de 1961 e, no final do mesmo ano, a União Indiana invadia e anexava os territórios portugueses de Goa, Damão e Diu, da chamada Índia Portuguesa, pondo fim a uma presença de quase 500 anos, em que de facto se desenvolvera ali uma sociedade algo diferente da do restante continente indiano.A perda dos territórios indianos assumiu uma forma traumática, na sequência de uma confrontação militar humilhante, pela falta de combatividade demonstrada pelas tropas indo-portuguesas ali estacionadas, em número e equipamentos muito escassos. Com tal desproporção de meios de combate em presença, o Comando português não mostrou grande vontade de resistir, decretando a rendição, logo ao fim do 1º dia de confrontação.Para Salazar, que exigira ao Governador Geral do Estado Português da Índia, General Vassalo e Silva, comportamento firme, com sacrifício da própria vida, se necessário, devendo as forças indo-portuguesas resistir pelo menos durante oito dias, para permitir ao regime as diligências diplomáticas que o conflito requeria, o rápido epílogo vibrou-lhe um golpe profundo no seu íntimo orgulho de Estadista prestigiado, ainda que sob forte contestação interna e externa.Surpreendentemente, aquele militar, que antes da invasão consumada, fizera à Imprensa declarações veementes da sua intenção de resistir, algumas até de pura bravata, acabou por claudicar, com pouco combate, tendo apenas a Marinha portuguesa tido comportamento bélico significativo, com o navio Afonso de Albuquerque a responder tenazmente aos ataques da União Indiana, até à sua neutralização operacional, apesar de o seu comandante, Cunha Aragão, ter ficado gravemente ferido, sendo retirado da ponte, continuando a restante guarnição o combate até aos limites do possível.Morreram a combater o Primeiro-Tenente Oliveira e Carmo e o Alferes Santiago de Carvalho, este, em Damão, num inglório epílogo da nossa histórica permanência em terras da Índia. Foram estas as maiores resistências oferecidas. O resto saldou-se por um fraco comportamento, para o qual se procuraram já várias explicações, ainda assim, pouco convincentes.Em Portugal, o regime aproveitou o ensejo para agregar a si o povo, fazendo apelo a um sentimento patriótico magoado, com a perda que acabáramos de sofrer. Na verdade, o povo, apesar de experimentar uma situação de falta de liberdade e de exiguidade económica, de alguma forma, sentiu o esbulho dos territórios, que, pese a propaganda indiana, usufruiam de um nível de vida superior ao da restante U. I., mantendo afecto e orgulho na sua especificidade cultural.Aqui, na Metrópole, a oposição ao regime procurou igualmente tirar dividendos da situação de vexame, em que o regime caíra, pela maneira desonrosa como o confronto ocorrera e, sobretudo, como findara. Mal andou a oposição, porque quem perdera não fora apenas o regime, fora Portugal inteiro, ainda que aquele tivesse agido com falta de perícia e de maleabilidade, não deixando ao conflito outra alternativa que não fosse a guerra.Mais uma vez se confirmara que a oportunidade em Política é vital para a sorte dos objectivos.O caso de Goa, todavia, mereceria hoje uma reapreciação minuciosa, desapaixonada, para se perceber o comportamento das diversas entidades envolvidas, portuguesas e estrangeiras, designadamente a ONU, a Inglaterra, nossa aliada desde o longínquo ano de 1386, os EUA e a então União Soviética, alinhada com a Índia em todo o conflito.Veríamos como aqui não só Salazar se teria de criticar, mas muito mais outros intervenientes, com a sua aura fabricada de paladinos da paz e da concórdia entre as nações, em particular o pandita Nehru, então em luta cerrada com Sukarno e Tito, para se afirmar na chefia do chamado movimento dos não alinhados, uma mais que inventada ficção da URSS para iludir ingénuos ou incautos.A propósito ainda da actuação Política, com sentido de oportunidade, o mesmo se comprovaria mais tarde, no referente à Guerra de África.Quando a guerrilha rebentou, com actos de selvajaria impressionantes, naturalmente, a sua repressão teria sempre de ser pronta e rija, para demonstrar que não se aceitariam tais barbaridades. E, de facto, ela assim foi. Mas, depois, haveria que buscar uma forma de solução política para evitar que os actos isolados de explosão de ódio degenerassem numa guerra continuada e desgastante.Era preciso revelar imaginação e flexibilidade políticas, negociando com as chefias da guerrilha numa posição de força, convidando-as a partilhar a administração dos territórios africanos, admitindo inclusivamente o acesso à auto-determinação e à independência, na base da disputa democrática do poder, de acordo com a doutrina da ONU, que não obrigava a uma única solução política consubstanciada na independência.Poderia ter-se estabelecido um compromisso legal, com tempo para a formação de estruturas políticas, partidos, etc., até à celebração de eleições livres, em que todos os que viviam nos territórios : brancos, pretos, mestiços, indianos, etc., e lá quisessem continuar a viver, poderiam formar as suas organizações políticas e concorrer às eleições, escolhendo os seus representantes, conforme a sua sensibilidade.Neste enquadramento e atendendo à época, se a opção fosse a da independência, seria muito provável a vitória de um partido moderado, de composição mista, abrigando nele todas as raças, mantendo com Portugal uma relação de amizade e cooperação económica mutuamente vantajosa. Para isto, era necessário dispor de imaginação, abertura de espírito, alguma habilidade negocial e, acima de tudo, abandonar posições demasiado rígidas, sem possibilidade de sustentação no quadro político do tempo. Foi isto que faltou, essencialmente.O persistir em posições ultrapassadas, irrealistas, amarradas a um tempo histórico que definitivamente passara, poderia parecer coerência doutrinária, mas, na prática, iria revelar-se desastroso, porque sem possibilidades de defesa.Por outro lado, foi-se deixando arrastar a guerra, em três teatros operacionais : Angola, Moçambique e Guiné, nestes dois últimos territórios a situação degradou-se bastante com o tempo e, em particular, no último deles, na Guiné, em demasia e sem qualquer justificação, no plano dos ganhos económicos ou materiais. Aqui a perda era completa, em sacrifícios humanos e materiais, de que nunca se recuperaria, aliás, apenas se prosseguindo no esforço, por razões de uma imaginada coerência política, de total impraticabilidade futura.Em Portugal, o esforço começou ao fim de alguns anos a ser contestado pela juventude universitária, muito politizada e doutrinada na contestação ao regime. Era sobre ela que recaía grande parte desse esforço militar nas matas africanas. A hipocrisia do regime ia aumentando desmesuradamente, porque aceitava já a perda de combatividade guerreira em África, conquanto a situação não se agravasse por aí além. Nos últimos anos, já só as unidades de tropas especiais conduziam acções ofensivas com êxito, permanecendo as outras numa posição predominantemente ocupacional, de presença no território, mas sem carácter agressivo.Espantosamente, os Altos Comandos e o Governo em Lisboa não se incomodavam com esta preocupante realidade. Pensariam que tudo se manteria nesse status quo, eternamente, enquanto houvesse soldados disponíveis para o sacrifício, de que, aliás, os filhos dos próceres do regime habilmente se isentavam, fazendo uso dos mais variados subterfúgios.Com este permanente espinho na garganta do regime, que nem a inteligência e o bom senso de Caetano haveriam de arrancar, a solução só poderia sair dos quadros militares profissionais das Forças Armadas, sobretudo dos mais jovens, que sofriam o peso de continuadas comissões, esgotantes, sem fim político no horizonte, e dos oficiais milicianos, também muito penalizados, por arcarem com as missões mais operacionais nas savanas africanas, numa altura em que nas universidades a propaganda anti-guerra e contra o regime atingia o seu auge.Com efeito, depois do Maio de 1968, a agitação estudantil explodira um pouco por todo o mundo, tornando-se a sua militância política muito radicalizada, levando até, em França, ao enfraquecimento e posterior queda do poder político, com o abandono da cena política do seu grande estadista do século xx, que foi o General Charles de Gaulle.Se isto era possível num país próspero, economicamente forte e culturalmente avançado, como a França, em Portugal, a contestação estudantil, concertada com a oposição ao regime, crescia também em acção e ousadia. Assim se chegou às vésperas de Abril de 1974, com o regime enfraquecido, por bloqueado e por desacreditado, na sua perspectiva política, sem nada para oferecer, no plano das soluções democráticas em vigor na Europa, para onde maciçamente emigravam os nossos compatriotas, desesperançados de alcançar uma vida digna no seu país.Com a mudança política revolucionária de 25 de Abril de 1974, a saída do Ultramar deu-se num ápice e em condições atabalhoadas, sem que tivéssemos podido acautelar o interesse das comunidades de portugueses que aí viviam, nem a sorte das populações indígenas que ficaram à mercê de uma propaganda demagógica dos partidos independentistas, todos de orientação comunista, que tudo fizeram para acelerar o processo de transição e de passagem do poder para as suas ávidas e exclusivas mãos.Incentivou-se, por todos os meios, a saída dos europeus, alguns tão africanos como os negros, porque já contavam com várias gerações de permanência em África. Foi para eles um corte abrupto na sua vida e viriam a enfrentar sérias dificuldades de integração nos primeiros anos após a chegada à sua velha metrópole, para muitos, aliás, inteiramente estranha e, para mais, na época, em clima de forte hostilidade à sua presença, pelas clivagens ideológicas subitamente exacerbadas.Foi para toda esta gente uma traumática saída das suas terras, onde abandonaram afectos e haveres, sem ganho nenhum para ninguém, a não ser para as cliques revolucionárias que, nesses novos países, acederam ao poder, confiscando e nacionalizando propriedades e toda a sorte de bens, em cumprimento da cartilha ideológica que professavam. Rapidamente os chamados Movimentos de Libertação se guerrearam entre si, em Angola e depois em Moçambique, levando a guerra brutal às cidades, que, ironicamente, nunca a haviam conhecido no tempo da outra guerra, designada de colonial-fascista, no dizer desgrenhado da época.Esta nova guerra fratricida, muitíssimo mais mortífera e mais economicamente devastadora do que a outra, anterior à independência, levaria à miséria inaudita as populações desses países, que, desamparadamente, sofreram toda a sorte de atrocidades e atribulações nunca antes sonhadas. Tudo isto perante a passividade das instâncias internacionais, tão activamente preocupadas com essas mesmas populações, no tempo da presença portuguesa.Vê-se hoje claramente como as potências de então (EUA, URSS e China, sobretudo) exploraram cinicamente a credulidade das populações indígenas, acelerando desnecessariamente o acesso desses países à independência, situação para a qual não estavam de modo algum preparados, como alguns nem hoje ainda estão, passados mais de trinta anos das independências africanas, mas para que foram empurrados por mãos criminosas, ávidas de influência, de lucro e de poder estratégico.Passados todos estes anos, muita gente já se deu conta do logro em que caiu e nesses novos países já ninguém acredita nas antigas ilusões fabricadas pelos acirrados revolucionários da guerrilha, que, comprovadamente, nada mais sabiam fazer do que guerrear.Procuram hoje esses países, terminada que está a guerra fratricida, retomar a senda do progresso económico, com base numa cooperação com Portugal e com outros países, na base de mútuos interesses e vantagens, sem as desconfianças iniciais.Portugal, que aderiu à Comunidade Europeia, em Janeiro de 1986, e se deixou embevecer com as ajudas financeiras, vive actualmente uma fase de desorientação e perplexidade, verificando, com amargura, a destruição de valências e estruturas produtivas essenciais para a sua existência como entidade autónoma e soberana, garantia da sua sobrevivência futura.Daí que a diversificação das nossas relações económicas, nomeadamente, com estes novos países volte a ganhar importância e justifique um cuidadoso estudo da parte das instituições que estão obrigadas a garantir a continuidade da nossa soberania, assente numa nova realidade política, social e económica, mas sem perder de vista o objectivo de que essa realidade deve ser o garante.A situação, demasiado diagnosticada já, carece de terapia adequada e pronta para administrar, como a um doente quase comatoso.Quem surgirá das brumas do momento, capaz de nos conduzir para zonas mais claras, no caminho de um país próspero, organizado, produtivo e civilizado, tudo coisas necessárias e inteiramente ao nosso alcance.Nestes últimos dez, quinze anos, o nosso desenvolvimento foi muito acidentado, registando-se avanços e recuos, a par de equívocos notórios, em variados sectores da vida nacional.Na parte estritamente política, a degradação é cada vez mais evidente e tem sido sempre possível descer mais um degrau, quando julgávamos ter batido no fundo.Como iremos sair deste fosso em que continuamente nos temos enterrado e com que gente se dará a ambicionada saída ?Parece óbvio que aqueles que notavelmente contribuíram para a actual situação, não poderão nunca arvorar-se em salvadores, se têm algum respeito pela nossa inteligência, dado que pela deles já nos mostraram não ter, se aquela têm, afinal.A partir do próximo acto eleitoral a 20 de Fevereiro, é preciso forjar a sério, com tempo, uma alternativa verdadeira, no campo da social-democracia, que pode passar por uma substancial fragmentação dos dois maiores partidos portugueses, PSD e PS, hoje nas mãos de figuras menores, mediáticas, produto e obra do marketing político, que vivem do acessório e do supérfluo, sem autoridade e respeito para se imporem ao País.Veremos se para tal se reúne a massa crítica indispensável...Spes ultima dea /A esperança é a última deusaAV_Lisboa, 15 de Janeiro de 2005

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