Papéis de Alexandria*: 25 anos depois da posse de Marcelo Caetano (I)

10-10-2009
marcar artigo


Notas sobre uma efeméride e um debate A passagem de 25 anos sobre a nomeação de Marcello Caetano para Presidente do Conselho, na sequência da incapacitação de Oliveira Salazar, tem vindo a suscitar numerosos artigos de análise e evocação do periodo da vida portuguesa balizado entre Setembro de 1968 e o 25 de Abril de 1974 e suscitou mesmo, com a consequente ressonância pública, um acalorado debate no programa « De Caras» do Canal 1.É a propósito desta efeméride e do que em torno dela têm sido escrito e dito que gostariamos de alinhar algumas observações soltas, portanto sem qualquer pretensão de análise articulada ou exaustiva, mas que se nos afiguram necessárias para corrigir diversas teses com intensa circulação.Nas notas que se seguem, deliberadamente não gastamos tempo nem espaço com os casos mais incuráveis dos que continuam hoje a exercer a única liberdade que sempre existiu em qualquer fase da ditadura fascista ( a liberdade de caluniar os comunistas ) nem com os patéticos assomos de arrogância de fascistas, puros ou envernizados e de diversas gerações, até porque o nosso debate-combate com tais personagens, no essencial, se decidiu históricamente com a sua derrota em 25 de Abril de 1974 .1. Passando-se em revista o que se tem escrito e dito sobre a sucessão de Salazar por Caetano e sobre o carácter da operação desencadeada em 1968, o que mais impressiona é a completa ausência de referências ou de abordagens sobre a questão da natureza de classe da ditadura fascista.Esta ausência deixa mesmo, implicitamente, a impressão de que a ditadura fascista ter-se-ia implantado, ter-se-ia consolidado e teria durado quase cinco décadas como mero e exclusivo resultado do espirito e dos intuitos libertícidas de uma clique governante e da mentalidade retrógada ou perversa dos principais dirigentes fascistas.É certo que, com renovada intensidade a partir de 1989, tem sido frequentemente decretado, « urbi et orbi » , o fim da luta de classes ( e supomos que , de caminho, também das classes e dos seus interesses ), mas o que não supunhamos é que tais decretos tivessem efeitos retroactivos e se aplicassem a épocas relativamente tão recuadas como o final da década de 20, os anos 40 ou os anos 60.Ironia à parte,o que queremos sublinhar é que a incompreensão e a cristalizada recusa de entender que o regime fascista foi uma ditadura terrorista dos monopólios ( associados ao imperialismo estrangeiro ) e dos latifundiários em que a violenta repressão e a completa ausência de liberdades eram instrumentos essenciais de uma política de forçada e acelerada acumulação e centralização capitalista e de feroz exploração dos trabalhadores, do povo português e dos povos das colónias teve sempre devastadoras e desastrosas consequências na orientação e nas concepções de diversos sectores oposicionistas, com inevitáveis projecções negativas no plano da definição das formas de luta e das alianças sociais e políticas, do caminho para o derrubamento da ditadura e dos próprios objectivos da luta popular e democrática.As ideias dominantes no debate em torno do «marcelismo», centrando-se exclusivamente no papel e responsabilidades dos governantes fascistas, acabam por deixar na sombra os principais mandantes, beneficiários e apoiantes da ditadura fascista - o capital monopolista e os latifundiários - , o que, reconheça-se, deve ter alguma coisa a ver com o facto de actualmente já terem recuperado as posições que a Revolução de Abril, para defesa da própria democracaia, justamente lhes retirou.2. Esta persistente recusa de identificar e compreender correctamente a real natureza de classe da ditadura fascista projecta-se necessariamente em muitas apreciações sobre o « marcelismo » e designadamente na questão fundamental de saber se, com a ascensão de Caetano, se iniciou, num contexto de agravamente da crise do regime, uma manobra de demagogia « liberalizante » ( visando alargar as bases de apoio internas e externas do regime, refrear o descontentamento, semear entorpecentes expectativas e anestesiar a luta popular, dividir a oposição etc. ) ou se abriu um real projecto de liberalização e democratização, um processo de verdadeira transição democrática .Há 25 anos, precisamente em Setembro de 1968, o PCP deu uma resposta clara e imediata a esta questão, através de um comunicado do Comité Central onde designadamente sublinhava que « o que desde já o distingue [ ao Governo de Marcello Caetano ] é continuar o salazarismo a coberto de uma demagogia «liberalizante», advertia contra as « perigosas ilusões que podem conduzir alguns sectores da oposição ao colaboracionismo e à capitulação » e insistia em que « o fim do fascismo não pode resultar da acção daqueles mesmos que o querem salvar» e em que « só o povo português , só a unidade e a organização dos democratas, só a luta das massas populares podem conduzir finalmente ao derrubamento da ditadura e à instauração de um regime democrático » .Quando hoje evocamos esta apreciação do PCP feita há 25 anos, não faltarão provavelmente defensores actuais da tese do « marcelismo» como efectivo projecto de democratização ou como «ensaio de uma transição controlada para as democracias parlamentares » ( posição defendida, por exemplo, por Fernando Rosas, no « Público » de 28/9/93) que tenham a tentação de atribuir ao PCP uma rígida apreciação de que «tudo continuava na mesma» ou de acusar o PCP de ter sido ontem e ser hoje incapaz de perceber as «novidades» da situação.Não vale a pena irem por aí. É que, há 25 anos, o já citado comunicado do Comité Central salientava que « para uma justa apreciação da situação não se deve perder de vista a natureza de classe do novo governo nem se deve perder de vista as dificuldades actuais do regime que abrem novas perpsectivas ao movimento democrático nacional » . E, definindo sinteticamente uma orientação que pesou de forma determinante no curso dos acontecimentos até ao 25 de Abril, o Comité Central do PCP destacava fortemente a « necessidade de aproveitar audaciosamente a nova situação para quebrar o imobilismo político, exigir o cumprimento de quaisquer promessas demagógicas do governo, imprimir um novo curso à vida política, impulsionar a acção política e a luta popular de massas » em torno de grandes objectivos próprios que o comunicado também enunciava.Recordando a atitude essencial e a combativa orientação definidas pelo PCP em Setembro de 1968, é praticamente obrigatório registar que só o preconceito pode ter levado um especialista em história de Portugal contemporâneo como Fernando Rosas ( no citado artigo no «Público ») a não só omitir a real posição do PCP largamente documentada nos seus documentos e na sua acção como também a permitir-se, no contexto de uma listagem de circulos de apoio a Marcello Caetano, escrever que a eles se juntarão, nos alvores da «Primavera marcelista » , não só « os jovens quadros da ala liberal » ( o que é verdade ), não só « a expectativa benevolente de uma oposição socialista interessada em ser o interlocutor previligiado da transição » ( o que também é verdade ), mas « até a expectativa interessada de um PCP preocupado ( através das suas « organizações unitárias ») em não ficar à margem do processo » ( o que já é uma rematada deturpação ).( continua)PS : Em complemento das intervenções dos camaradas Carlos Brito e Dias Lourenço, era designadamente, entre outras, sobre a questão abordada no ponto 1. deste primeiro artigo, que gostaria de ter intervido no programa televisivo « De Caras », o que não pude fazer por, apesar de ter passado o programa a levantar o braço, nunca me ter sido concedida a palavra . O mesmo aconteceu aos camaradas António Abreu e Carlos Carvalho , apesar de , em relação à época em debate, serem respectivamente o único dirigente estudantil e o único dirigente sindical presentes.


Notas sobre uma efeméride e um debate A passagem de 25 anos sobre a nomeação de Marcello Caetano para Presidente do Conselho, na sequência da incapacitação de Oliveira Salazar, tem vindo a suscitar numerosos artigos de análise e evocação do periodo da vida portuguesa balizado entre Setembro de 1968 e o 25 de Abril de 1974 e suscitou mesmo, com a consequente ressonância pública, um acalorado debate no programa « De Caras» do Canal 1.É a propósito desta efeméride e do que em torno dela têm sido escrito e dito que gostariamos de alinhar algumas observações soltas, portanto sem qualquer pretensão de análise articulada ou exaustiva, mas que se nos afiguram necessárias para corrigir diversas teses com intensa circulação.Nas notas que se seguem, deliberadamente não gastamos tempo nem espaço com os casos mais incuráveis dos que continuam hoje a exercer a única liberdade que sempre existiu em qualquer fase da ditadura fascista ( a liberdade de caluniar os comunistas ) nem com os patéticos assomos de arrogância de fascistas, puros ou envernizados e de diversas gerações, até porque o nosso debate-combate com tais personagens, no essencial, se decidiu históricamente com a sua derrota em 25 de Abril de 1974 .1. Passando-se em revista o que se tem escrito e dito sobre a sucessão de Salazar por Caetano e sobre o carácter da operação desencadeada em 1968, o que mais impressiona é a completa ausência de referências ou de abordagens sobre a questão da natureza de classe da ditadura fascista.Esta ausência deixa mesmo, implicitamente, a impressão de que a ditadura fascista ter-se-ia implantado, ter-se-ia consolidado e teria durado quase cinco décadas como mero e exclusivo resultado do espirito e dos intuitos libertícidas de uma clique governante e da mentalidade retrógada ou perversa dos principais dirigentes fascistas.É certo que, com renovada intensidade a partir de 1989, tem sido frequentemente decretado, « urbi et orbi » , o fim da luta de classes ( e supomos que , de caminho, também das classes e dos seus interesses ), mas o que não supunhamos é que tais decretos tivessem efeitos retroactivos e se aplicassem a épocas relativamente tão recuadas como o final da década de 20, os anos 40 ou os anos 60.Ironia à parte,o que queremos sublinhar é que a incompreensão e a cristalizada recusa de entender que o regime fascista foi uma ditadura terrorista dos monopólios ( associados ao imperialismo estrangeiro ) e dos latifundiários em que a violenta repressão e a completa ausência de liberdades eram instrumentos essenciais de uma política de forçada e acelerada acumulação e centralização capitalista e de feroz exploração dos trabalhadores, do povo português e dos povos das colónias teve sempre devastadoras e desastrosas consequências na orientação e nas concepções de diversos sectores oposicionistas, com inevitáveis projecções negativas no plano da definição das formas de luta e das alianças sociais e políticas, do caminho para o derrubamento da ditadura e dos próprios objectivos da luta popular e democrática.As ideias dominantes no debate em torno do «marcelismo», centrando-se exclusivamente no papel e responsabilidades dos governantes fascistas, acabam por deixar na sombra os principais mandantes, beneficiários e apoiantes da ditadura fascista - o capital monopolista e os latifundiários - , o que, reconheça-se, deve ter alguma coisa a ver com o facto de actualmente já terem recuperado as posições que a Revolução de Abril, para defesa da própria democracaia, justamente lhes retirou.2. Esta persistente recusa de identificar e compreender correctamente a real natureza de classe da ditadura fascista projecta-se necessariamente em muitas apreciações sobre o « marcelismo » e designadamente na questão fundamental de saber se, com a ascensão de Caetano, se iniciou, num contexto de agravamente da crise do regime, uma manobra de demagogia « liberalizante » ( visando alargar as bases de apoio internas e externas do regime, refrear o descontentamento, semear entorpecentes expectativas e anestesiar a luta popular, dividir a oposição etc. ) ou se abriu um real projecto de liberalização e democratização, um processo de verdadeira transição democrática .Há 25 anos, precisamente em Setembro de 1968, o PCP deu uma resposta clara e imediata a esta questão, através de um comunicado do Comité Central onde designadamente sublinhava que « o que desde já o distingue [ ao Governo de Marcello Caetano ] é continuar o salazarismo a coberto de uma demagogia «liberalizante», advertia contra as « perigosas ilusões que podem conduzir alguns sectores da oposição ao colaboracionismo e à capitulação » e insistia em que « o fim do fascismo não pode resultar da acção daqueles mesmos que o querem salvar» e em que « só o povo português , só a unidade e a organização dos democratas, só a luta das massas populares podem conduzir finalmente ao derrubamento da ditadura e à instauração de um regime democrático » .Quando hoje evocamos esta apreciação do PCP feita há 25 anos, não faltarão provavelmente defensores actuais da tese do « marcelismo» como efectivo projecto de democratização ou como «ensaio de uma transição controlada para as democracias parlamentares » ( posição defendida, por exemplo, por Fernando Rosas, no « Público » de 28/9/93) que tenham a tentação de atribuir ao PCP uma rígida apreciação de que «tudo continuava na mesma» ou de acusar o PCP de ter sido ontem e ser hoje incapaz de perceber as «novidades» da situação.Não vale a pena irem por aí. É que, há 25 anos, o já citado comunicado do Comité Central salientava que « para uma justa apreciação da situação não se deve perder de vista a natureza de classe do novo governo nem se deve perder de vista as dificuldades actuais do regime que abrem novas perpsectivas ao movimento democrático nacional » . E, definindo sinteticamente uma orientação que pesou de forma determinante no curso dos acontecimentos até ao 25 de Abril, o Comité Central do PCP destacava fortemente a « necessidade de aproveitar audaciosamente a nova situação para quebrar o imobilismo político, exigir o cumprimento de quaisquer promessas demagógicas do governo, imprimir um novo curso à vida política, impulsionar a acção política e a luta popular de massas » em torno de grandes objectivos próprios que o comunicado também enunciava.Recordando a atitude essencial e a combativa orientação definidas pelo PCP em Setembro de 1968, é praticamente obrigatório registar que só o preconceito pode ter levado um especialista em história de Portugal contemporâneo como Fernando Rosas ( no citado artigo no «Público ») a não só omitir a real posição do PCP largamente documentada nos seus documentos e na sua acção como também a permitir-se, no contexto de uma listagem de circulos de apoio a Marcello Caetano, escrever que a eles se juntarão, nos alvores da «Primavera marcelista » , não só « os jovens quadros da ala liberal » ( o que é verdade ), não só « a expectativa benevolente de uma oposição socialista interessada em ser o interlocutor previligiado da transição » ( o que também é verdade ), mas « até a expectativa interessada de um PCP preocupado ( através das suas « organizações unitárias ») em não ficar à margem do processo » ( o que já é uma rematada deturpação ).( continua)PS : Em complemento das intervenções dos camaradas Carlos Brito e Dias Lourenço, era designadamente, entre outras, sobre a questão abordada no ponto 1. deste primeiro artigo, que gostaria de ter intervido no programa televisivo « De Caras », o que não pude fazer por, apesar de ter passado o programa a levantar o braço, nunca me ter sido concedida a palavra . O mesmo aconteceu aos camaradas António Abreu e Carlos Carvalho , apesar de , em relação à época em debate, serem respectivamente o único dirigente estudantil e o único dirigente sindical presentes.

marcar artigo