Papéis de Alexandria*: Líder de quê ?

16-07-2009
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artigo de Vítor Diasno Público de 17.11.2006 Talvez os leitores pensassem que, no meu artigo de hoje, fustigasse os principais sofismas e o acentuado autismo político dos discursos de José Sócrates no Congresso do seu partido, e, de igual modo, as efabulações manifestamente embevecidas que alguns dos apoiantes do seu governo depois semearam pela imprensa. Nesse caso, seria no mínimo necessário perguntar se alguma vez, ao longo de três anos de governos PSD-CDS, o PS e os agora deslumbrados admiradores do seu governo reclamaram e exigiram da direita o vasto conjunto de medidas e orientações que agora estão friamente executando e que, em vários casos e por causa da protecção da etiqueta “socialista”, vão muito mais longe e doem muito mais do que aquelas que os anteriores governos PSD-CDS tiveram força, tempo e condições sociais para levar à prática. Respondendo indirectamente à pergunta, seria também necessário relembrar a quantidade de nomes feios e de duras críticas com que, na oposição, o PS repetidamente brindou as medidas e orientações dos governos da direita que agora desenvolve e agrava com a recorrente, petrificada e tradicional justificação de que para elas não há alternativa. E seria ainda necessário perguntar aos esfusiantes apoiantes do actual governo, que proclamam agora que o crescimento económico e o emprego dependem hoje muito pouco directamente dos governos, porque razão o PS colocou então no centro da sua campanha eleitoral de Fevereiro de 2005 a insistente denúncia de que os portugueses viviam “numa economia parada há já três anos; com a taxa de desemprego em 6,8 por cento, havendo mais de 150.000 novos desempregados”. Acontece porém que, há uma semana, aqui no PÚBLICO, a colunista Constança Cunha e Sá, em título de artigo e também no texto, qualificou Marques Mendes como “o líder da oposição”, o mesmo vindo a fazer na passada terça-feira Eduardo Prado Coelho logo na primeira linha da sua crónica diária. Acredite-se que nesta observação não há a mais pequena acrimónia ou hostilidade para com os referidos colunistas deste jornal, que afinal se limitaram a repetir o que, ao longo de muitos e muitos anos, têm escrito ou dito centenas de outras pessoas – jornalistas da imprensa, rádio e televisão, outros comentadores, professores universitários (incluindo de Direito), líderes, outros dirigentes e deputados do PS e do PSD. O que acontece é que estas recentes referências voltaram a pôr em evidência, no jornal onde também escrevo, o completo fracasso do meu já longo combate contra aquela persistente incorrecção, ou deturpação ou falsificação, como quiserem. Sim, a verdade é que, como já tinha reconhecido em artigo publicado em 2003 mas para uma reduzida audiência, e de que assumo recuperar agora diversas ideias, falharam sem margem para dúvidas todos os esforços, métodos ou habilidades a que recorri com o objectivo de erradicar ou atenuar essa falsa e viciada designação de “líder da oposição”. Desde logo, falhou a argumentação séria e de bom senso que chamava a atenção dos repetidores da contestável expressão – ora aplicada ao líder do PSD ora ao líder do PS - para que, em rigor, não havia “uma oposição” mas “oposições” ou vários partidos de oposição e que sendo, por exemplo, o PCP há muitos anos um partido de oposição, não fazia nenhum sentido incutir a ideia de que pertence a um campo – “a oposição” – que seria liderada pelo Presidente ou Secretário-geral de outro partido. Falhou a observação cortante de que, ao que constasse, o PCP (bem como certamente outros partidos de oposição) se liderava a si próprio e não tinha nunca delegado em nenhum dirigente de outro partido o que quer fosse relativo ao seu papel, orientação, intervenção e representação. Falharam as falinhas mansas adiantando que, a nosso ver, quem, dia sim dia não e consoante a época, atribuía ou ao líder do PS ou ao líder do PSD a qualificação de “líder da oposição” o fazia certamente, não no intuito deliberado de amesquinhar e subordinar politicamente o PCP (e outros partidos de oposição), mas apenas por inadvertência, imponderação ou contágio semântico. Falhou o argumento de recorte histórico que lembrava que, de 1983 a 1985, aquando do Governo do “bloco central” (coligação PS-PSD), o PCP era o maior partido da oposição e nem por isso alguém passou a qualificar Álvaro Cunhal de “líder da oposição”. Falhou o argumento da “economia textual” no sentido de que se os cultores da expressão “líder da oposição” passassem a dizer, consoante a época, “o líder do PS” ou “o líder do PSD”, sempre poupariam, por comparação com a palavra “oposição”, respectivamente seis e cinco caracteres. Falhou o argumento pedagógico de que certamente não daria muito trabalho substituir a alusão ao “líder da oposição” pela referência mais exacta, ao menos do ponto de vista formal, ao “líder do maior partido da oposição” e que, apenas por mais três palavras, não valia a pena continuar a dar vida a uma fórmula que tinha perversas consequências sobre a dignidade, autonomia e identidade de terceiros. E, finalmente, falharam também os apelos pungentes a que não dessem do PCP (e de outros partidos da oposição) a imagem de uma entidade tão instável e volúvel que, nos últimos vinte anos, teria pertencido a uma “oposição” que, na versão largamente dominante, teria sido sucessivamente “liderada” por Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, António Guterres, Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso, Ferro Rodrigues, José Sócrates e Marques Mendes. Por vezes, na busca de explicação para esta “overdose” de referências ao “líder da oposição” num país como o nosso que, desde 1974, felizmente nunca viveu em sistema bipartidário, cheguei a perguntar-me se não seria influência da situação da Grã-Bretanha mas, mesmo aí, apesar do injusto sistema maioritário, já desde há uns anos que tal bipartidarismo deixou de existir graças à impressionante determinação de uma parte significativa do eleitorado. A terminar, confesso que a minha última e desesperada esperança está na carta que vou escrever a Bill Gates sugerindo-lhe que, na próxima versão portuguesa do Word, o respectivo corrector ortográfico e gramatical, de cada vez que lhe aparecer a expressão “líder da oposição”, logo lhe aplique o clássico sublinhado a vermelho e sugira ao utilizador as decentes alternativas que já aqui enunciei. Mas o pior é que Bill Gates vive nos EUA, onde o sistema político é ferreamente bipartidário, e temo que não me entenda.


artigo de Vítor Diasno Público de 17.11.2006 Talvez os leitores pensassem que, no meu artigo de hoje, fustigasse os principais sofismas e o acentuado autismo político dos discursos de José Sócrates no Congresso do seu partido, e, de igual modo, as efabulações manifestamente embevecidas que alguns dos apoiantes do seu governo depois semearam pela imprensa. Nesse caso, seria no mínimo necessário perguntar se alguma vez, ao longo de três anos de governos PSD-CDS, o PS e os agora deslumbrados admiradores do seu governo reclamaram e exigiram da direita o vasto conjunto de medidas e orientações que agora estão friamente executando e que, em vários casos e por causa da protecção da etiqueta “socialista”, vão muito mais longe e doem muito mais do que aquelas que os anteriores governos PSD-CDS tiveram força, tempo e condições sociais para levar à prática. Respondendo indirectamente à pergunta, seria também necessário relembrar a quantidade de nomes feios e de duras críticas com que, na oposição, o PS repetidamente brindou as medidas e orientações dos governos da direita que agora desenvolve e agrava com a recorrente, petrificada e tradicional justificação de que para elas não há alternativa. E seria ainda necessário perguntar aos esfusiantes apoiantes do actual governo, que proclamam agora que o crescimento económico e o emprego dependem hoje muito pouco directamente dos governos, porque razão o PS colocou então no centro da sua campanha eleitoral de Fevereiro de 2005 a insistente denúncia de que os portugueses viviam “numa economia parada há já três anos; com a taxa de desemprego em 6,8 por cento, havendo mais de 150.000 novos desempregados”. Acontece porém que, há uma semana, aqui no PÚBLICO, a colunista Constança Cunha e Sá, em título de artigo e também no texto, qualificou Marques Mendes como “o líder da oposição”, o mesmo vindo a fazer na passada terça-feira Eduardo Prado Coelho logo na primeira linha da sua crónica diária. Acredite-se que nesta observação não há a mais pequena acrimónia ou hostilidade para com os referidos colunistas deste jornal, que afinal se limitaram a repetir o que, ao longo de muitos e muitos anos, têm escrito ou dito centenas de outras pessoas – jornalistas da imprensa, rádio e televisão, outros comentadores, professores universitários (incluindo de Direito), líderes, outros dirigentes e deputados do PS e do PSD. O que acontece é que estas recentes referências voltaram a pôr em evidência, no jornal onde também escrevo, o completo fracasso do meu já longo combate contra aquela persistente incorrecção, ou deturpação ou falsificação, como quiserem. Sim, a verdade é que, como já tinha reconhecido em artigo publicado em 2003 mas para uma reduzida audiência, e de que assumo recuperar agora diversas ideias, falharam sem margem para dúvidas todos os esforços, métodos ou habilidades a que recorri com o objectivo de erradicar ou atenuar essa falsa e viciada designação de “líder da oposição”. Desde logo, falhou a argumentação séria e de bom senso que chamava a atenção dos repetidores da contestável expressão – ora aplicada ao líder do PSD ora ao líder do PS - para que, em rigor, não havia “uma oposição” mas “oposições” ou vários partidos de oposição e que sendo, por exemplo, o PCP há muitos anos um partido de oposição, não fazia nenhum sentido incutir a ideia de que pertence a um campo – “a oposição” – que seria liderada pelo Presidente ou Secretário-geral de outro partido. Falhou a observação cortante de que, ao que constasse, o PCP (bem como certamente outros partidos de oposição) se liderava a si próprio e não tinha nunca delegado em nenhum dirigente de outro partido o que quer fosse relativo ao seu papel, orientação, intervenção e representação. Falharam as falinhas mansas adiantando que, a nosso ver, quem, dia sim dia não e consoante a época, atribuía ou ao líder do PS ou ao líder do PSD a qualificação de “líder da oposição” o fazia certamente, não no intuito deliberado de amesquinhar e subordinar politicamente o PCP (e outros partidos de oposição), mas apenas por inadvertência, imponderação ou contágio semântico. Falhou o argumento de recorte histórico que lembrava que, de 1983 a 1985, aquando do Governo do “bloco central” (coligação PS-PSD), o PCP era o maior partido da oposição e nem por isso alguém passou a qualificar Álvaro Cunhal de “líder da oposição”. Falhou o argumento da “economia textual” no sentido de que se os cultores da expressão “líder da oposição” passassem a dizer, consoante a época, “o líder do PS” ou “o líder do PSD”, sempre poupariam, por comparação com a palavra “oposição”, respectivamente seis e cinco caracteres. Falhou o argumento pedagógico de que certamente não daria muito trabalho substituir a alusão ao “líder da oposição” pela referência mais exacta, ao menos do ponto de vista formal, ao “líder do maior partido da oposição” e que, apenas por mais três palavras, não valia a pena continuar a dar vida a uma fórmula que tinha perversas consequências sobre a dignidade, autonomia e identidade de terceiros. E, finalmente, falharam também os apelos pungentes a que não dessem do PCP (e de outros partidos da oposição) a imagem de uma entidade tão instável e volúvel que, nos últimos vinte anos, teria pertencido a uma “oposição” que, na versão largamente dominante, teria sido sucessivamente “liderada” por Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, António Guterres, Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso, Ferro Rodrigues, José Sócrates e Marques Mendes. Por vezes, na busca de explicação para esta “overdose” de referências ao “líder da oposição” num país como o nosso que, desde 1974, felizmente nunca viveu em sistema bipartidário, cheguei a perguntar-me se não seria influência da situação da Grã-Bretanha mas, mesmo aí, apesar do injusto sistema maioritário, já desde há uns anos que tal bipartidarismo deixou de existir graças à impressionante determinação de uma parte significativa do eleitorado. A terminar, confesso que a minha última e desesperada esperança está na carta que vou escrever a Bill Gates sugerindo-lhe que, na próxima versão portuguesa do Word, o respectivo corrector ortográfico e gramatical, de cada vez que lhe aparecer a expressão “líder da oposição”, logo lhe aplique o clássico sublinhado a vermelho e sugira ao utilizador as decentes alternativas que já aqui enunciei. Mas o pior é que Bill Gates vive nos EUA, onde o sistema político é ferreamente bipartidário, e temo que não me entenda.

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