Papéis de Alexandria*: A posição do Provedor dos Leitores do "DN"

16-07-2009
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"ELES" TÊM ALGUMA RAZÃO Artigo de Mário Bettencourt Resendesin DN de 22.9.2007 O primeiro a reagir, logo a 7 de Setembro, dia de publicação do artigo da polémica, foi o leitor António Dias.Desagradado com o título "Eles já chamam fascista a Sócrates", escolhido pelo jornalista Pedro Correia para o texto principal do seu trabalho de antecipação da Festa do Avante!, António Dias dirigiu-se ao provedor. Numa mensagem curta e irónica, diz que percebeu de imediato que "o ominoso 'eles' designava os comunas". Acrescenta que procurou depois justificação para o título e o que encontrou "mais parecido com tão infame apóstrofe" foi uma citação "do ancião Casanova", que fala dos "sinais de cariz fascizante do Governo socialista". E conclui: "Confessemos que traduzir em chamar fascista a José Sócrates é, no mínimo, pouco rigoroso (...)."Mais tarde, a 11 de Setembro, queixou-se, no mesmo sentido, Filipe Moura. Refere, nomeadamente, que, "se um jornal se dirige aos seus leitores referindo terceiros como 'eles', não espera que estes 'eles' façam parte do grupo dos leitores". E pergunta: "Será que o Diário de Notícias não espera ser lido por militantes e simpatizantes comunistas?"No mesmo dia, chegou ao provedor um texto mais extenso, assinado por Vítor Manuel Caetano Dias, que diz escrever (e destaca a negro), "na única e exclusiva qualidade de leitor". Tal preocupação, conclui o provedor, quererá dizer que não se trata, pelo menos formalmente, do responsável comunista Vítor Dias.O leitor faz uma análise pormenorizada da matéria em causa, contestando a legitimidade do título em função do conteúdo do artigo, em primeiro lugar pelo facto de Pedro Correia "ter fugido a proceder à citação exacta" do já citado editorial de José Casanova e "ter antes optado por uma descrição em que 'os sinais de cariz fascizante' passaram a ser referenciados ao 'Governo socialista' e não ao 'conteúdo essencial' de 'uma política' que aquele realiza". Vítor Dias refere depois a "desonesta manipulação" de transformar "sinais de cariz fascizante" no adjectivo "fascista" aplicado à pessoa do primeiro-ministro.A parte final do protesto critica, em tom semelhante ao utilizado por António Dias e Filipe Moura, a utilização de "Eles" no título: "(...) comporta um óbvio carácter pejorativo, uma atitude de hostilidade e uma definição de campos ('nós' e 'eles') inaceitável num jornal que se pretende politicamente independente e isento."Logo na sequência da recepção do primeiro protesto, o provedor solicitou um comentário a Pedro Correia, que respondeu ainda antes de chegarem as cartas de Filipe Moura e Vítor Dias. Considerou-se que estes últimos textos não exigiam esclarecimentos adicionais por parte do jornalista.Pedro Correia não julga o sujeito "eles" ominoso e explica: "O próprio José Casanova o utiliza, referindo-se a José Sócrates." Segundo o jornalista, foi aí que se inspirou para o título da peça. Transcreve, também, um largo excerto do artigo de Casanova, que, na sua opinião, suporta a utilização do adjectivo fascista em título.Deixemos para o fim a problemática do "eles" e comecemos pela análise da semântica do discurso comunista, questão interessante e antiga. Ao longo das últimas décadas, o PCP sempre utilizou, em relação ao PS e aos seus dirigentes, uma duplicidade supostamente legitimada pela diferença entre a crítica das políticas e linhas de orientação, por um lado, e a caracterização política das individualidades, por outro. Primeiro Soares e, depois, sobretudo Guterres (Sampaio, ancorado na coligação da Câmara de Lisboa, lá escapou por entre os pingos da chuva...) patrocinavam ou praticavam "políticas de direita", eram "aliados objectivos do grande capital" e não se exclui que existam textos comunistas a referir também "sinais fascizantes". Houve, no entanto, a precaução de não transferir a crítica para a definição do perfil político do "ser", ou seja, a relutância, pelo menos pública, de não considerar os visados como "homens de direita" e muito menos "fascistas".Convenhamos que se trata de uma diferença nem sempre perceptível para o grande público e que tem efeitos de comunicação óbvios, desejados ou não pelos seus autores.No âmbito do jornalismo interpretativo qualificado, que Pedro Correia tem experiência e currículo para praticar, não é de excluir um exercício de transposição da análise para um plano que vai além do significado preciso das palavras e das expressões utilizadas pelos protagonistas.Neste caso, o jornalista precisaria, no entanto, de ter procedido a uma transcrição bem mais extensa e enquadrada do editorial de José Casanova. As três breves citações incluídas no artigo são muito fraco suporte para o adjectivo do título.Já quanto ao "eles", o provedor é inequívoco. Mesmo admitindo que se tratou de uma incursão, não conseguida, na "arte de titular com ironia", não colhe o argumento da "inspiração" no "ele" com que Casanova se referiu a Sócrates: a escrita jornalística de predominância noticiosa não deve colocar-se no mesmo plano em que se situa o texto de combate político. Ou seja, "eles" têm razão ao sentirem-se, assim, excluídos do universo de leitores do Diário de Notícias.(...)[ a parte seguinte do artigo refere-se a uma diferente queixa]


"ELES" TÊM ALGUMA RAZÃO Artigo de Mário Bettencourt Resendesin DN de 22.9.2007 O primeiro a reagir, logo a 7 de Setembro, dia de publicação do artigo da polémica, foi o leitor António Dias.Desagradado com o título "Eles já chamam fascista a Sócrates", escolhido pelo jornalista Pedro Correia para o texto principal do seu trabalho de antecipação da Festa do Avante!, António Dias dirigiu-se ao provedor. Numa mensagem curta e irónica, diz que percebeu de imediato que "o ominoso 'eles' designava os comunas". Acrescenta que procurou depois justificação para o título e o que encontrou "mais parecido com tão infame apóstrofe" foi uma citação "do ancião Casanova", que fala dos "sinais de cariz fascizante do Governo socialista". E conclui: "Confessemos que traduzir em chamar fascista a José Sócrates é, no mínimo, pouco rigoroso (...)."Mais tarde, a 11 de Setembro, queixou-se, no mesmo sentido, Filipe Moura. Refere, nomeadamente, que, "se um jornal se dirige aos seus leitores referindo terceiros como 'eles', não espera que estes 'eles' façam parte do grupo dos leitores". E pergunta: "Será que o Diário de Notícias não espera ser lido por militantes e simpatizantes comunistas?"No mesmo dia, chegou ao provedor um texto mais extenso, assinado por Vítor Manuel Caetano Dias, que diz escrever (e destaca a negro), "na única e exclusiva qualidade de leitor". Tal preocupação, conclui o provedor, quererá dizer que não se trata, pelo menos formalmente, do responsável comunista Vítor Dias.O leitor faz uma análise pormenorizada da matéria em causa, contestando a legitimidade do título em função do conteúdo do artigo, em primeiro lugar pelo facto de Pedro Correia "ter fugido a proceder à citação exacta" do já citado editorial de José Casanova e "ter antes optado por uma descrição em que 'os sinais de cariz fascizante' passaram a ser referenciados ao 'Governo socialista' e não ao 'conteúdo essencial' de 'uma política' que aquele realiza". Vítor Dias refere depois a "desonesta manipulação" de transformar "sinais de cariz fascizante" no adjectivo "fascista" aplicado à pessoa do primeiro-ministro.A parte final do protesto critica, em tom semelhante ao utilizado por António Dias e Filipe Moura, a utilização de "Eles" no título: "(...) comporta um óbvio carácter pejorativo, uma atitude de hostilidade e uma definição de campos ('nós' e 'eles') inaceitável num jornal que se pretende politicamente independente e isento."Logo na sequência da recepção do primeiro protesto, o provedor solicitou um comentário a Pedro Correia, que respondeu ainda antes de chegarem as cartas de Filipe Moura e Vítor Dias. Considerou-se que estes últimos textos não exigiam esclarecimentos adicionais por parte do jornalista.Pedro Correia não julga o sujeito "eles" ominoso e explica: "O próprio José Casanova o utiliza, referindo-se a José Sócrates." Segundo o jornalista, foi aí que se inspirou para o título da peça. Transcreve, também, um largo excerto do artigo de Casanova, que, na sua opinião, suporta a utilização do adjectivo fascista em título.Deixemos para o fim a problemática do "eles" e comecemos pela análise da semântica do discurso comunista, questão interessante e antiga. Ao longo das últimas décadas, o PCP sempre utilizou, em relação ao PS e aos seus dirigentes, uma duplicidade supostamente legitimada pela diferença entre a crítica das políticas e linhas de orientação, por um lado, e a caracterização política das individualidades, por outro. Primeiro Soares e, depois, sobretudo Guterres (Sampaio, ancorado na coligação da Câmara de Lisboa, lá escapou por entre os pingos da chuva...) patrocinavam ou praticavam "políticas de direita", eram "aliados objectivos do grande capital" e não se exclui que existam textos comunistas a referir também "sinais fascizantes". Houve, no entanto, a precaução de não transferir a crítica para a definição do perfil político do "ser", ou seja, a relutância, pelo menos pública, de não considerar os visados como "homens de direita" e muito menos "fascistas".Convenhamos que se trata de uma diferença nem sempre perceptível para o grande público e que tem efeitos de comunicação óbvios, desejados ou não pelos seus autores.No âmbito do jornalismo interpretativo qualificado, que Pedro Correia tem experiência e currículo para praticar, não é de excluir um exercício de transposição da análise para um plano que vai além do significado preciso das palavras e das expressões utilizadas pelos protagonistas.Neste caso, o jornalista precisaria, no entanto, de ter procedido a uma transcrição bem mais extensa e enquadrada do editorial de José Casanova. As três breves citações incluídas no artigo são muito fraco suporte para o adjectivo do título.Já quanto ao "eles", o provedor é inequívoco. Mesmo admitindo que se tratou de uma incursão, não conseguida, na "arte de titular com ironia", não colhe o argumento da "inspiração" no "ele" com que Casanova se referiu a Sócrates: a escrita jornalística de predominância noticiosa não deve colocar-se no mesmo plano em que se situa o texto de combate político. Ou seja, "eles" têm razão ao sentirem-se, assim, excluídos do universo de leitores do Diário de Notícias.(...)[ a parte seguinte do artigo refere-se a uma diferente queixa]

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