Papéis de Alexandria*: O suave milagre

16-07-2009
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"Avante!"Em muito do que se tem escrito nos últimos dias sobre a famosa reforma do sistema político» há várias coisas que nos têm vivamente impressionado.A primeira é, desde logo, uma espécie de sebastianismo ressuscitado que quase nos quer fazer crer que, com mais umas leis e ou uns retoques legislativos (ainda que úteis e não desprezíveis, acrescentamos), teremos acesso a um Olimpo político de santidade e perfeição.De facto, lendo a prosa de alguns, parece que se congemina um suave milagre (que esperamos que o Papa, se cá vier em Maio de 2000, já possa reconhecer), graças ao qual os putativos corruptos passarão a pessoas de irrepreensível honestidade; os contumazes demagogos se transferirão de armas e bagagens para o campo da seriedade e da sobriedade; as grandes e impenitentes vedetas da «política-espectáculo» deixarão os palcos do seu péssimo espectáculo para só pisar os nobres tablados da política dos valores, da coerência, do respeito pelos compromissos, da dedicação ao interesse público; e, sobretudo, os eleitos e os eleitores terão empreendido um histórico processo de «reconciliação» e um comovente movimento de «aproximação» que deixará uns e outros a rebentar de tanta intimidade.A segunda coisa que nos causa forte impressão é que, em quilómetros de comentários sobre os «vícios» do «sistema político» (repare-se como, nestas alturas, é conveniente falar do «sistema» para não falar dos verdadeiros responsáveis), não apenas se faça um silêncio de chumbo sobre a relação, hoje incontornável, dos «media» com o «sistema político» mas também a generalidade dos «media» volte a assumir a postura dos implacáveis justiceiros, flagelando sem dó nem piedade alguns defeitos, vícios e comportamentos que nunca teriam ganho a expressão e a gravidade que ganharam sem a prestimosa ajuda dos próprios «media» e dos seus critérios e opções.Também aqui seria aconselhável uma maior prudência porque, se o suave milagre acima descrito se confirmar, muita coisa teria de mudar nas orientações dominantes no sistema mediático nacional, pois iria perder muitos assuntos, factos e acontecimentos virtuais, e quem sabe mesmo se, por exemplo e a bem da aproximação dos eleitos aos eleitores, não teriam de passar a informar decentemente a opinião pública do que se discute, do que se vota e do que cada partido defendeu e como votou no Parlamento, o que hoje em dia raramente é uma relevante prioridade.E, finalmente, a terceira coisa que nos impressiona (ou talvez nem tanto) é o regresso do que se poderia chamar a lógica férrea das generalizações. Que, antes, se manifestava na quase geral recusa de apurar ou identificar diferenças de orientação, de atitude e de comportamento das diversas forças políticas e agora se expressam na ideia difusa, mas falsa e não inocente, de que haveria uma grande «consenso» inter-partidário em torno da alegada «reforma do sistema político».É que, na sessão de abertura da nova legislatura e com o Presidente da República a ouvir, o PCP já disse bastante para se perceber que assim não é, e que grande é a diferença entre a superficialidade da cosmética de ocasião e a real vontade de melhorar a democracia portuguesa.


"Avante!"Em muito do que se tem escrito nos últimos dias sobre a famosa reforma do sistema político» há várias coisas que nos têm vivamente impressionado.A primeira é, desde logo, uma espécie de sebastianismo ressuscitado que quase nos quer fazer crer que, com mais umas leis e ou uns retoques legislativos (ainda que úteis e não desprezíveis, acrescentamos), teremos acesso a um Olimpo político de santidade e perfeição.De facto, lendo a prosa de alguns, parece que se congemina um suave milagre (que esperamos que o Papa, se cá vier em Maio de 2000, já possa reconhecer), graças ao qual os putativos corruptos passarão a pessoas de irrepreensível honestidade; os contumazes demagogos se transferirão de armas e bagagens para o campo da seriedade e da sobriedade; as grandes e impenitentes vedetas da «política-espectáculo» deixarão os palcos do seu péssimo espectáculo para só pisar os nobres tablados da política dos valores, da coerência, do respeito pelos compromissos, da dedicação ao interesse público; e, sobretudo, os eleitos e os eleitores terão empreendido um histórico processo de «reconciliação» e um comovente movimento de «aproximação» que deixará uns e outros a rebentar de tanta intimidade.A segunda coisa que nos causa forte impressão é que, em quilómetros de comentários sobre os «vícios» do «sistema político» (repare-se como, nestas alturas, é conveniente falar do «sistema» para não falar dos verdadeiros responsáveis), não apenas se faça um silêncio de chumbo sobre a relação, hoje incontornável, dos «media» com o «sistema político» mas também a generalidade dos «media» volte a assumir a postura dos implacáveis justiceiros, flagelando sem dó nem piedade alguns defeitos, vícios e comportamentos que nunca teriam ganho a expressão e a gravidade que ganharam sem a prestimosa ajuda dos próprios «media» e dos seus critérios e opções.Também aqui seria aconselhável uma maior prudência porque, se o suave milagre acima descrito se confirmar, muita coisa teria de mudar nas orientações dominantes no sistema mediático nacional, pois iria perder muitos assuntos, factos e acontecimentos virtuais, e quem sabe mesmo se, por exemplo e a bem da aproximação dos eleitos aos eleitores, não teriam de passar a informar decentemente a opinião pública do que se discute, do que se vota e do que cada partido defendeu e como votou no Parlamento, o que hoje em dia raramente é uma relevante prioridade.E, finalmente, a terceira coisa que nos impressiona (ou talvez nem tanto) é o regresso do que se poderia chamar a lógica férrea das generalizações. Que, antes, se manifestava na quase geral recusa de apurar ou identificar diferenças de orientação, de atitude e de comportamento das diversas forças políticas e agora se expressam na ideia difusa, mas falsa e não inocente, de que haveria uma grande «consenso» inter-partidário em torno da alegada «reforma do sistema político».É que, na sessão de abertura da nova legislatura e com o Presidente da República a ouvir, o PCP já disse bastante para se perceber que assim não é, e que grande é a diferença entre a superficialidade da cosmética de ocasião e a real vontade de melhorar a democracia portuguesa.

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