O Comércio do Porto

16-04-2005
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A ilusão de governar ao centro João Teixeira Lopes

(Deputado do BE

pelo círculo do Porto) SERVIÇOS Imprimir esta página Contactar Anterior Voltar Seguinte

O Governo de Sócrates tornou-se conhecido e os comentários incidiram, desde logo, sobre a ausência de António Vitorino. Apesar da estranheza causada por uma errada gestão de expectativas (resultante da activa e preponderante participação de Vitorino no núcleo-duro de formação do Governo - foi ele próprio, aliás, quem anunciou que da formação do governo nada transpareceria para a opinião pública) não me parece, contudo, que seja esse o elemento essencial de análise. Com efeito, basta olhar para o conjunto das pastas económicas para ficarmos com esta vincada impressão - o Governo do país continuará a ser gerido por uma linha liberal, assente no corte de despesas (nomeadamente despesas sociais) e na obsessão da contenção orçamental. Os novos responsáveis já fizeram saber que gostariam de rever os critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento mas, na verdade, logo se apressaram a jurar fidelidade ao modelo dominante, seja ele qual for. O que significa, caro leitor, a ausência de uma reorientação no sentido de políticas redistributivas capazes de atenuarem o enorme fosso que separa os mais ricos dos mais pobres. Essa deveria ser a urgência nacional, num país onde os laços de integração e solidariedade social estão em ruptura e onde um em cada quatro portugueses é pobre, para além da altíssima incidência da pobreza na população infantil e idosa. Em relação a esta última, o aumento gradual das pensões mais desfavorecidas para 300 euros não se afigura suficiente, mormente se constituir uma espécie de medida emblemática isolada.. Consegue um idoso, com trezentos euros, vestir-se, comer, pagar medicamentos, transportes, renda, água e electricidade?

O novo responsável das Finanças disse já ser essencial actuar igualmente do lado do aumento das receitas. O princípio parece ser salutar. Mas eis que, o mesmo responsável, concretiza o que pretende dizer, fazendo referência a um próximo aumento dos impostos. Caem por terra, então, as esperanças de termos finalmente um governo capaz de fazer da reforma fiscal e do combate à fraude e à evasão uma das suas matrizes fundamentais, a par, como já referi, do combate à pobreza e às desigualdades sociais. Sem alargamento da base tributária, sem o fim do sigilo bancário e dos paraísos fiscais, sem uma máquina fiscal direccionada para os grandes sectores que fogem aos impostos (capital financeiro, nomeadamente bancas e seguradoras, profissões liberais, grandes empreiteiros) continuaremos presos a um modelo liberal de corte nos serviços públicos e de tendencial privatização da segurança social.

É certo que há nomes que prometem um bom trabalho: Isabel Pires de Lima, na cultura, Lurdes Rodrigues, na educação, Mariano Gago, na ciência, tecnologia e ensino superior. Mas que margem de manobra terão estes protagonistas se as pastas das Finanças e Economia estão entregues a gurus neoliberais?

Olhamos de novo para este governo e dúvidas nos assaltam: será capaz de corresponder à vontade profunda de mudança social manifestada nas últimas eleições? Ou prosseguirá, no essencial, por trilhos já conhecidos, na vã tentativa de agradar a esse imaginário lugar político que é o centro? Sempre que se fala em governar ao centro, caro leitor, sabemos de imediato o que tal significa: governar à direita.

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O Comércio do Porto é um produto da Editorial Prensa Ibérica.

Fica expressamente proibida a reprodução total ou parcial dos conteúdos oferecidos através deste meio, salvo autorização expressa de O Comércio do Porto

A ilusão de governar ao centro João Teixeira Lopes

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O Governo de Sócrates tornou-se conhecido e os comentários incidiram, desde logo, sobre a ausência de António Vitorino. Apesar da estranheza causada por uma errada gestão de expectativas (resultante da activa e preponderante participação de Vitorino no núcleo-duro de formação do Governo - foi ele próprio, aliás, quem anunciou que da formação do governo nada transpareceria para a opinião pública) não me parece, contudo, que seja esse o elemento essencial de análise. Com efeito, basta olhar para o conjunto das pastas económicas para ficarmos com esta vincada impressão - o Governo do país continuará a ser gerido por uma linha liberal, assente no corte de despesas (nomeadamente despesas sociais) e na obsessão da contenção orçamental. Os novos responsáveis já fizeram saber que gostariam de rever os critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento mas, na verdade, logo se apressaram a jurar fidelidade ao modelo dominante, seja ele qual for. O que significa, caro leitor, a ausência de uma reorientação no sentido de políticas redistributivas capazes de atenuarem o enorme fosso que separa os mais ricos dos mais pobres. Essa deveria ser a urgência nacional, num país onde os laços de integração e solidariedade social estão em ruptura e onde um em cada quatro portugueses é pobre, para além da altíssima incidência da pobreza na população infantil e idosa. Em relação a esta última, o aumento gradual das pensões mais desfavorecidas para 300 euros não se afigura suficiente, mormente se constituir uma espécie de medida emblemática isolada.. Consegue um idoso, com trezentos euros, vestir-se, comer, pagar medicamentos, transportes, renda, água e electricidade?

O novo responsável das Finanças disse já ser essencial actuar igualmente do lado do aumento das receitas. O princípio parece ser salutar. Mas eis que, o mesmo responsável, concretiza o que pretende dizer, fazendo referência a um próximo aumento dos impostos. Caem por terra, então, as esperanças de termos finalmente um governo capaz de fazer da reforma fiscal e do combate à fraude e à evasão uma das suas matrizes fundamentais, a par, como já referi, do combate à pobreza e às desigualdades sociais. Sem alargamento da base tributária, sem o fim do sigilo bancário e dos paraísos fiscais, sem uma máquina fiscal direccionada para os grandes sectores que fogem aos impostos (capital financeiro, nomeadamente bancas e seguradoras, profissões liberais, grandes empreiteiros) continuaremos presos a um modelo liberal de corte nos serviços públicos e de tendencial privatização da segurança social.

É certo que há nomes que prometem um bom trabalho: Isabel Pires de Lima, na cultura, Lurdes Rodrigues, na educação, Mariano Gago, na ciência, tecnologia e ensino superior. Mas que margem de manobra terão estes protagonistas se as pastas das Finanças e Economia estão entregues a gurus neoliberais?

Olhamos de novo para este governo e dúvidas nos assaltam: será capaz de corresponder à vontade profunda de mudança social manifestada nas últimas eleições? Ou prosseguirá, no essencial, por trilhos já conhecidos, na vã tentativa de agradar a esse imaginário lugar político que é o centro? Sempre que se fala em governar ao centro, caro leitor, sabemos de imediato o que tal significa: governar à direita.

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