A outra Varinha Mágica: Cabalas e campanhas negras. Existem mesmo?

20-05-2009
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A "cabalização" da sociedade portuguesa aí está no seu melhor. A "campanha negra" parece ser a nova justificação nacional. Quem se porta mal, tem problemas com a justiça ou, pura e simplesmente, faz asneiras, alega a existência de uma "campanha negra", fala em violações de segredos ou mesmo de passwords. O que interesse é que "incertos" (incapazes de se defender, portanto) levem com as culpas. Já houve tempo em que a demissão era a solução para todos os pecados, com "criminosos presumíveis" a passarem a "santos redimidos" em poucos segundos, apenas porque tinham tido aquilo a que então se chamava "dignidade", ao apresentarem a demissão. Tenho para mim que tal moda passou porque toda a gente percebeu que a "dignidade" dos demitidos era rapidamente recompensada com um cargo discreto mas altamente lucrativo numa grande empresa, do Estado ou não. Mas, hoje, que vigora, para tudo, a tese da "cabala" (até já no futebol), o melhor é mesmo recuperar excertos acerca do assunto retirado do livro A VARINHA MÁGICA DE VALENTIM LOUREIRO (Primebooks - Outubro de 2008). Trata-se de parte de um texto que introduz um capítulo onde conto algumas deliciosas histórias de relacionamento (ou falta dele) de Valentim Loureiro com jornalistas.Costumo dizer que sou diplomando em comunicação de crise após três anos de trabalho com Valentim Loureiro. Até 2005 a minha experiência profissional em assessoria tinha passado, sobretudo, pela comunicação de produto, comunicação institucional e comunicação desportiva. Três áreas de actuação muito diversas onde tive a oportunidade de trabalhar como assessor de imprensa e relações públicas de boas marcas e clientes.(...)Ainda assim, nenhum me ensinou tanto acerca de comunicação política e de comunicação de crise como o Major Valentim Loureiro. Embora tivesse da política um conhecimento considerável e da comunicação social um conhecimento mais profundo, adquirido em 14 anos de jornalismo e seis ou sete como consultor, não conhecia bem as virtudes e as fraquezas deste sistema que leva as informações políticas a transformarem-se em notícia.E falo em sistema, porque ele existe, como em todos os meios. É um sistema capaz de condicionar fortemente a opinião pública e a imagem dos políticos. Contudo, este sistema a que me refiro constrói-se muito mais às custas de preconceitos e da necessidade que os jornais e as televisões têm de conquistar audiências do que, propriamente, em função de interesses. Quero, por isso, deixar claro que desconfio sempre da tese da cabala, quando ela é apresentada como explicação para os fracassos pessoais e políticos de figuras públicas.Desconfio sempre muito das queixas de um líder partidário que, a propósito de um escândalo sexual, vem alegar que a destruição da sua carreira política foi orquestrada pela imprensa ou por alguém que a manipulou e que, conscientemente, levou a que um conjunto de informações falsas fosse difundido. Desconfio sempre muito quando um Primeiro-Ministro acabado de ser demitido aponta aos meios de comunicação social as razões da sua desgraça. Desconfio ainda mais quando um líder de um partido, perante o fracasso da sua própria política de comunicação, aponta aos opinion makers a razão do seu insucesso.Mas, a política é mesmo assim. Políticos e partidos políticos procuram sempre explicar os seus fracassos com factores externos e nunca com a sua própria incapacidade. A imprensa é o alvo mais fácil quando não se quer atribuir aos adversários políticos o mérito de os terem destronado.Reconheço que os jornalistas cometem muitos erros e muitos deles são pouco rigorosos, mas não acredito que isso seja consequência de campanhas intencionais organizadas ou iniciadas pela própria imprensa. Nem consigo imaginar os directores dos jornais e das televisões reunidos num restaurante discreto de Lisboa a congeminar acerca da próxima vítima a abater. Aliás, admitir isso seria atribuir à imprensa portuguesa um poder que, na realidade, não tem. E seria necessário que a classe possuísse um sentido corporativo que não tem e que está a anos luz de classes como as dos médicos, professores ou juízes, por exemplo.Por mais erros e inverdades que certos jornalistas cometam e por mais violenta, negligente ou intencional que seja a falsa informação difundida, ela não é suficiente para destruir uma figura política sólida. Se fosse tão fácil destruir caracteres através da imprensa, Rui Rio e José Sócrates, por exemplo, não continuariam a liderar as sondagens para as eleições que, supostamente, cada um deles irá enfrentar em 2009. Nem seriam, provavelmente, duas das figuras com maior credibilidade junto dos portugueses. Além disso, Isaltino Morais, Fátima Felgueiras e Valentim Loureiro não seriam hoje presidentes de Câmara.Não quero com isto minimizar o papel da imprensa ou o seu poder na vida política portuguesa. Pelo contrário, a comunicação social deveria ter ainda maior capacidade de intervenção e maior poder. Mas, como qualquer outro, o quarto poder não pode esperar que a sua legitimação se sedimente por decreto. O poder e a autoridade conquistam-se com seriedade, rigor e credibilidade e a comunicação social nacional ainda não conseguiu, nestas três décadas e meia de democracia, livrar-se de alguns viciados no lápis azul e de uns tantos oportunistas. Mas, o tempo e o próprio mercado encarregar-se-ão, espero eu, de eliminá-los a prazo (é, pelo menos, esse o meu optimista desejo).O mundo da comunicação é, portanto, um pouco mais complexo do que parece ser. Tem os seus defeitos e virtudes, os seus bons profissionais e os parasitas do sistema, mas não pode ser o bode expiatório do fracasso de carreiras ou da desgraça alheia. Aliás, para além disso, não podemos estar à espera que a comunicação social nos sirva quando nos dá jeito e se torne surda e muda quando o assunto nos desagrada.Enquanto fui assessor de Valentim Loureiro procurei sempre ajudá-lo a perceber tudo isto e que é a própria comunicação social quem tem que resolver estes seus problemas e não os políticos. Mas compreendi-o, quando me explicava que é complicado manter a paciência perante erros grotescos e sistemáticas faltas de rigor…Outro conselho que por várias vezes dei a Valentim Loureiro, sobretudo antes de grandes entrevistas e debates, foi que nunca se afirmasse vítima de campanhas ou cabalas, isolando-se. Nesse aspecto, o Major esteve sempre de acordo. Aliás, Valentim não precisava que lho dissesse, pois ele entende, como ninguém, o funcionamento da comunicação social, as suas fraquezas e as suas virtudes. Alguns exemplos mais recentes de intervenções de Valentim Loureiro na comunicação social deixam-me, contudo, apreensivo. Certamente cansado e desgastado, o Major tem vindo a cair na tentação de identificar a imprensa e alguns jornalistas como os seus inimigos. Orgulho-me de ter conseguido evitar essa imagem durante o tempo em que fui seu assessor. Disparar publicamente contra este ou aquele jornalista, elogiar outros, porque pontualmente nos parecem ser mais sérios, não é um bom caminho. Por mais que lhe assista esse direito e por mais razão que sinta ter, não aconselharia a nenhum cliente esse princípio de actuação. A luta do Major não pode ser com nem contra a imprensa.Esta reflexão é importante para percebermos, afinal, de onde vem essa ideia de que uns têm boa imprensa e outros têm má imprensa, como agora se convenciona dizer. Entendo que alguns preconceitos que existem na nossa sociedade condicionam esta classificação. A nossa classe jornalística tem um certo perfil ideológico, tem intolerâncias e tolerâncias políticas históricas, com diferentes sensibilidades à esquerda e à direita, tem preconceitos sociais enraizados e padece de uma terrível enfermidade chamada mimetismo. A isto, junta-se o maior de todos os problemas: a falta de iniciativa e a falta de rigor de muitos jornalistas. Assim, acaba por ser muito mais fácil bater em certas personagens da vida política ou pública do que noutras. E, uma vez estando a maré a subir para determinado lado, muitos outros vão de arrasto…Valentim Loureiro soube sempre muito bem que isto funcionava assim. Nunca mo disse, mas a sua actuação consistiu, muitas vezes, em alimentar (trocando-lhe as voltas) este sistema. O Major conhecia bem os preconceitos que existiam contra si e, muito frequentemente, colocava-se a jeito da notícia, oferecendo o flanco, para, na medida do possível, se manter na jogada. Aliás, como toda a gente sabe, Valentim Loureiro não abdica nunca de um bom jogo e este ele joga com mais habilidade do que, se calhar, possamos imaginar. O seu principal problema acaba por ser um certo descontrolo, provocado pela enorme vontade de explicar tudo ao pormenor, todos os dias, a toda a hora. Muitas vezes, o meu papel foi procurar moderar essa voracidade mediática do Major querendo, por tudo e por nada, corrigir, explicar, informar… a mais.Tenho para mim que, nestes três anos, os melhores momentos de Valentim Loureiro, mediaticamente falando, foram os que se seguiram a longos períodos de abstinência verbal. E este é dos mais importantes papéis que um assessor pode desempenhar: proteger o seu cliente da excessiva exposição.Mas, a habilidade do Major com a imprensa tem alguma piada. Frequentemente Valentim Loureiro lembrava os jornalistas, antes de uma conferência de imprensa ou de uma entrevista:– Eu é que sou vosso amigo. Se não fosse eu a dar-vos a notícias todos os dias, o que se seria dos jornais? Não tinham notícias para vender e vocês iam todos para o desemprego.Esta espécie de altruísmo do Major, provocava, normalmente, o sorriso dos jornalistas, mas a verdade é que os tornava mais receptivos ao peixe que a seguir iria tentar vender. É uma espécie de cartão de visita bem impresso em papel nobre. Não resolve nada, mas é uma boa apresentação.Esta postura de Valentim Loureiro, de amigo dos jornalistas, de produtor de informação e a capacidade que, apesar de tudo, teve nestes três anos de gerir a crise e de resistir, levam-me a considerar que o Major não esteve no grupo dos que tinham má imprensa. Pelo contrário, no período em que trabalhei com ele e que terminou pouco antes de começar a ser julgado no processo Apito Dourado, Valentim gozou até de uma certa benevolência e de uma simpatia cúmplice por parte de muitos jornalistas. O seu estatuto e a forma como se posiciona, há muitos anos, perante a imprensa e perante a opinião pública, são de tal forma singulares que o tornam num case study, como demonstram alguns dos episódios que conto neste capítulo. Episódios que, simultaneamente, me deram a mim o tal diploma em comunicação de crise e que, provavelmente, teriam tido repercussões bem mais nefastas se o protagonista fosse outro ou se tivessem sido geridos com um pouco menos de tacto.(...)


A "cabalização" da sociedade portuguesa aí está no seu melhor. A "campanha negra" parece ser a nova justificação nacional. Quem se porta mal, tem problemas com a justiça ou, pura e simplesmente, faz asneiras, alega a existência de uma "campanha negra", fala em violações de segredos ou mesmo de passwords. O que interesse é que "incertos" (incapazes de se defender, portanto) levem com as culpas. Já houve tempo em que a demissão era a solução para todos os pecados, com "criminosos presumíveis" a passarem a "santos redimidos" em poucos segundos, apenas porque tinham tido aquilo a que então se chamava "dignidade", ao apresentarem a demissão. Tenho para mim que tal moda passou porque toda a gente percebeu que a "dignidade" dos demitidos era rapidamente recompensada com um cargo discreto mas altamente lucrativo numa grande empresa, do Estado ou não. Mas, hoje, que vigora, para tudo, a tese da "cabala" (até já no futebol), o melhor é mesmo recuperar excertos acerca do assunto retirado do livro A VARINHA MÁGICA DE VALENTIM LOUREIRO (Primebooks - Outubro de 2008). Trata-se de parte de um texto que introduz um capítulo onde conto algumas deliciosas histórias de relacionamento (ou falta dele) de Valentim Loureiro com jornalistas.Costumo dizer que sou diplomando em comunicação de crise após três anos de trabalho com Valentim Loureiro. Até 2005 a minha experiência profissional em assessoria tinha passado, sobretudo, pela comunicação de produto, comunicação institucional e comunicação desportiva. Três áreas de actuação muito diversas onde tive a oportunidade de trabalhar como assessor de imprensa e relações públicas de boas marcas e clientes.(...)Ainda assim, nenhum me ensinou tanto acerca de comunicação política e de comunicação de crise como o Major Valentim Loureiro. Embora tivesse da política um conhecimento considerável e da comunicação social um conhecimento mais profundo, adquirido em 14 anos de jornalismo e seis ou sete como consultor, não conhecia bem as virtudes e as fraquezas deste sistema que leva as informações políticas a transformarem-se em notícia.E falo em sistema, porque ele existe, como em todos os meios. É um sistema capaz de condicionar fortemente a opinião pública e a imagem dos políticos. Contudo, este sistema a que me refiro constrói-se muito mais às custas de preconceitos e da necessidade que os jornais e as televisões têm de conquistar audiências do que, propriamente, em função de interesses. Quero, por isso, deixar claro que desconfio sempre da tese da cabala, quando ela é apresentada como explicação para os fracassos pessoais e políticos de figuras públicas.Desconfio sempre muito das queixas de um líder partidário que, a propósito de um escândalo sexual, vem alegar que a destruição da sua carreira política foi orquestrada pela imprensa ou por alguém que a manipulou e que, conscientemente, levou a que um conjunto de informações falsas fosse difundido. Desconfio sempre muito quando um Primeiro-Ministro acabado de ser demitido aponta aos meios de comunicação social as razões da sua desgraça. Desconfio ainda mais quando um líder de um partido, perante o fracasso da sua própria política de comunicação, aponta aos opinion makers a razão do seu insucesso.Mas, a política é mesmo assim. Políticos e partidos políticos procuram sempre explicar os seus fracassos com factores externos e nunca com a sua própria incapacidade. A imprensa é o alvo mais fácil quando não se quer atribuir aos adversários políticos o mérito de os terem destronado.Reconheço que os jornalistas cometem muitos erros e muitos deles são pouco rigorosos, mas não acredito que isso seja consequência de campanhas intencionais organizadas ou iniciadas pela própria imprensa. Nem consigo imaginar os directores dos jornais e das televisões reunidos num restaurante discreto de Lisboa a congeminar acerca da próxima vítima a abater. Aliás, admitir isso seria atribuir à imprensa portuguesa um poder que, na realidade, não tem. E seria necessário que a classe possuísse um sentido corporativo que não tem e que está a anos luz de classes como as dos médicos, professores ou juízes, por exemplo.Por mais erros e inverdades que certos jornalistas cometam e por mais violenta, negligente ou intencional que seja a falsa informação difundida, ela não é suficiente para destruir uma figura política sólida. Se fosse tão fácil destruir caracteres através da imprensa, Rui Rio e José Sócrates, por exemplo, não continuariam a liderar as sondagens para as eleições que, supostamente, cada um deles irá enfrentar em 2009. Nem seriam, provavelmente, duas das figuras com maior credibilidade junto dos portugueses. Além disso, Isaltino Morais, Fátima Felgueiras e Valentim Loureiro não seriam hoje presidentes de Câmara.Não quero com isto minimizar o papel da imprensa ou o seu poder na vida política portuguesa. Pelo contrário, a comunicação social deveria ter ainda maior capacidade de intervenção e maior poder. Mas, como qualquer outro, o quarto poder não pode esperar que a sua legitimação se sedimente por decreto. O poder e a autoridade conquistam-se com seriedade, rigor e credibilidade e a comunicação social nacional ainda não conseguiu, nestas três décadas e meia de democracia, livrar-se de alguns viciados no lápis azul e de uns tantos oportunistas. Mas, o tempo e o próprio mercado encarregar-se-ão, espero eu, de eliminá-los a prazo (é, pelo menos, esse o meu optimista desejo).O mundo da comunicação é, portanto, um pouco mais complexo do que parece ser. Tem os seus defeitos e virtudes, os seus bons profissionais e os parasitas do sistema, mas não pode ser o bode expiatório do fracasso de carreiras ou da desgraça alheia. Aliás, para além disso, não podemos estar à espera que a comunicação social nos sirva quando nos dá jeito e se torne surda e muda quando o assunto nos desagrada.Enquanto fui assessor de Valentim Loureiro procurei sempre ajudá-lo a perceber tudo isto e que é a própria comunicação social quem tem que resolver estes seus problemas e não os políticos. Mas compreendi-o, quando me explicava que é complicado manter a paciência perante erros grotescos e sistemáticas faltas de rigor…Outro conselho que por várias vezes dei a Valentim Loureiro, sobretudo antes de grandes entrevistas e debates, foi que nunca se afirmasse vítima de campanhas ou cabalas, isolando-se. Nesse aspecto, o Major esteve sempre de acordo. Aliás, Valentim não precisava que lho dissesse, pois ele entende, como ninguém, o funcionamento da comunicação social, as suas fraquezas e as suas virtudes. Alguns exemplos mais recentes de intervenções de Valentim Loureiro na comunicação social deixam-me, contudo, apreensivo. Certamente cansado e desgastado, o Major tem vindo a cair na tentação de identificar a imprensa e alguns jornalistas como os seus inimigos. Orgulho-me de ter conseguido evitar essa imagem durante o tempo em que fui seu assessor. Disparar publicamente contra este ou aquele jornalista, elogiar outros, porque pontualmente nos parecem ser mais sérios, não é um bom caminho. Por mais que lhe assista esse direito e por mais razão que sinta ter, não aconselharia a nenhum cliente esse princípio de actuação. A luta do Major não pode ser com nem contra a imprensa.Esta reflexão é importante para percebermos, afinal, de onde vem essa ideia de que uns têm boa imprensa e outros têm má imprensa, como agora se convenciona dizer. Entendo que alguns preconceitos que existem na nossa sociedade condicionam esta classificação. A nossa classe jornalística tem um certo perfil ideológico, tem intolerâncias e tolerâncias políticas históricas, com diferentes sensibilidades à esquerda e à direita, tem preconceitos sociais enraizados e padece de uma terrível enfermidade chamada mimetismo. A isto, junta-se o maior de todos os problemas: a falta de iniciativa e a falta de rigor de muitos jornalistas. Assim, acaba por ser muito mais fácil bater em certas personagens da vida política ou pública do que noutras. E, uma vez estando a maré a subir para determinado lado, muitos outros vão de arrasto…Valentim Loureiro soube sempre muito bem que isto funcionava assim. Nunca mo disse, mas a sua actuação consistiu, muitas vezes, em alimentar (trocando-lhe as voltas) este sistema. O Major conhecia bem os preconceitos que existiam contra si e, muito frequentemente, colocava-se a jeito da notícia, oferecendo o flanco, para, na medida do possível, se manter na jogada. Aliás, como toda a gente sabe, Valentim Loureiro não abdica nunca de um bom jogo e este ele joga com mais habilidade do que, se calhar, possamos imaginar. O seu principal problema acaba por ser um certo descontrolo, provocado pela enorme vontade de explicar tudo ao pormenor, todos os dias, a toda a hora. Muitas vezes, o meu papel foi procurar moderar essa voracidade mediática do Major querendo, por tudo e por nada, corrigir, explicar, informar… a mais.Tenho para mim que, nestes três anos, os melhores momentos de Valentim Loureiro, mediaticamente falando, foram os que se seguiram a longos períodos de abstinência verbal. E este é dos mais importantes papéis que um assessor pode desempenhar: proteger o seu cliente da excessiva exposição.Mas, a habilidade do Major com a imprensa tem alguma piada. Frequentemente Valentim Loureiro lembrava os jornalistas, antes de uma conferência de imprensa ou de uma entrevista:– Eu é que sou vosso amigo. Se não fosse eu a dar-vos a notícias todos os dias, o que se seria dos jornais? Não tinham notícias para vender e vocês iam todos para o desemprego.Esta espécie de altruísmo do Major, provocava, normalmente, o sorriso dos jornalistas, mas a verdade é que os tornava mais receptivos ao peixe que a seguir iria tentar vender. É uma espécie de cartão de visita bem impresso em papel nobre. Não resolve nada, mas é uma boa apresentação.Esta postura de Valentim Loureiro, de amigo dos jornalistas, de produtor de informação e a capacidade que, apesar de tudo, teve nestes três anos de gerir a crise e de resistir, levam-me a considerar que o Major não esteve no grupo dos que tinham má imprensa. Pelo contrário, no período em que trabalhei com ele e que terminou pouco antes de começar a ser julgado no processo Apito Dourado, Valentim gozou até de uma certa benevolência e de uma simpatia cúmplice por parte de muitos jornalistas. O seu estatuto e a forma como se posiciona, há muitos anos, perante a imprensa e perante a opinião pública, são de tal forma singulares que o tornam num case study, como demonstram alguns dos episódios que conto neste capítulo. Episódios que, simultaneamente, me deram a mim o tal diploma em comunicação de crise e que, provavelmente, teriam tido repercussões bem mais nefastas se o protagonista fosse outro ou se tivessem sido geridos com um pouco menos de tacto.(...)

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