A outra Varinha Mágica: "Presumido inocente" é diferente de "inocente"

20-05-2009
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Um titular de cargo público não é um cidadão qualquer. Tem o direito legal a ser considerado “presumido inocente”, perante a Justiça, mas não é um cidadão qualquer.Tenho ouvido nos últimos tempos muita gente dizer que se “é inocente até prova em contrário”. Mas isso não é necessariamente verdade. É-se “presumido inocente, até prova em contrário”, o que é muito diferente. Todos os criminosos são “presumidos inocentes” até à sua condenação, tenham eles cometido crimes de “colarinho branco” ou esventrado um familiar diante de toda a vizinhança. A presunção de que o são, não significa, porém, que sejam inocentes. Uns e outros têm direito à sua defesa em Tribunal. Uns e outros, até lá, terão a sua imagem escrutinada por aquilo que fizeram publicamente e por aquilo que publicamente já se sabe que fizeram.Enquanto fui assessor de Valentim Loureiro lidei bastante com o problema da presunção da inocência, assistindo à degradação da imagem pública do Major. Perante a Justiça, continua a “presumir-se inocente”, uma vez que não transitou em julgado qualquer condenação. O mesmo se poderá aplicar a Isaltino de Morais, a Fátima Felgueiras e até a Avelino Ferreira Torres. Todos são hoje “presumidos inocentes”, todos têm as suas imagens públicas muito degradadas publicamente. Nenhum deles viu transitar em julgado qualquer condenação, mas todos nós, legitimamente, podemos questionar: “estarão mesmo inocentes”?Dizer que José Sócrates “é inocente até prova em contrário” no caso Freeport ou noutro qualquer é, pois, um excesso que apenas tomará quem, efectivamente, acredita nele. Como acontece com Valentim Loureiro, Isaltino de Morais, Fátima Felgueiras e Avelino Ferreira Torres, cada um de nós é obrigado a presumi-los inocentes, mas é livre de formar convicções, perante o que vimos, o que sabemos e a forma como nos explicam o que sabemos. Como acontece com o vizinho que vimos cometer um crime bem à nossa frente. E a nossa convicção e aquilo que sabemos não é algo tão disparatado assim, como nos querem meter na cabeça com esta ideia de que se “é inocente até prova em contrário. O nosso conhecimento e convicções, às vezes, são tão importantes que nos chamam para depor como testemunhas em processos contra pessoas. Pessoas “presumivelmente inocentes”, que muitas vezes são condenadas.Quero com isto dizer que perante a Justiça, todos se “presumem inocentes” até trânsito em julgado. Mas sê-lo-ão ou não do ponto de vista substancial.No caso de um político, por maioria de razão, a “presunção da inocência” não pode por isso ser o único preceito que lhe permita manter-se em funções. As evidências de inexplicáveis intimidades, coincidências, deformações, pressas, promiscuidades e muitos outros actos por si só danosos da imagem das pessoas em causa e do próprio Estado, não podem cair na indiferença pública. A “presunção de que Sócrates” é inocente não pode apagar do nosso espírito crítico o direito à pergunta e mesmo à indignação por aquilo que sabemos e nem sequer é desmentido.clique para ver reportagem SICSe a explicação para nomeações de pessoas próximas e ligadas ao processo de licenciamento do Freeport para órgãos como o Eurojust não forem cabalmente negadas ou melhor explicadas, não seremos livres de reconstruir a imagem que temos de Sócrates? E não será até humano questionarmo-nos se, de facto, mesmo sendo “presumido inocente”, Sócrates estará efectivamente inocente? Não será esta dúvida sistemática legítima dentro de cada um de nós?Esta pergunta nada tem de violador da Lei e da “presunção da inocência”. Tanto que assim é, que a nossa Constituição nos obriga a denunciar cidadãos quando desconfiarmos que possam ter sido cometido crimes. Presumindo legalmente a sua inocência, devemos contudo queixar-nos ao Ministério Público, se percebermos que as autoridades não estão ainda a investigar e se percebermos que podem ser criminosos, embora os devamos “presumir inocentes”.A degradação da imagem do Primeiro-Ministro é, por isso, um assunto de todos nós e não apenas do cidadão José Sócrates. A Sócrates cabe o direito de ser “presumido inocente” perante a Justiça, mas ao Primeiro-Ministro cabe a obrigação de sê-lo e de, exemplarmente, parecê-lo a cada instante. É que Sócrates é dono da sua imagem, mas não é dono da imagem do País, do cargo que ocupa e de toda a classe política.E a imagem do cargo, do País e da classe política fica irremediavelmente comprometida quando um ministro corre a aprovar um empreendimento; corre a alterar uma ZPE; corre a nomear uma família ligada ao processo para órgãos de Justiça quando o processo está já em investigação; corre a esconder-se atrás de truques retóricos, dizendo sem dizer; corre a clamar o preceito legal da “presunção da inocência”, confundindo-o com a própria inocência, que não está interessado em explicar. E é até um mau exemplo, pois o direito à “presunção da inocência” não nos deve nem pode inibir de denunciar eventuais indícios de crimes.A forma desconstruída com que a questão do Freeport está contudo a ser tratada pelo Primeiro-Ministro, pelos partidos políticos e até pela Justiça indica-nos, contudo, outros caminhos. Os caminhos do “provem lá que é verdade” que nada têm a ver com os fundamentos da política e com a defesa da imagem da própria Justiça. É que a credibilidade na política não se “presume”, tem-se ou não se tem e, neste caso, já se perdeu toda, há muito.E, já agora, foi uma delícia ouvir Medeiros Ferreira na RTP2 sobre a Verdade e a Mentira


Um titular de cargo público não é um cidadão qualquer. Tem o direito legal a ser considerado “presumido inocente”, perante a Justiça, mas não é um cidadão qualquer.Tenho ouvido nos últimos tempos muita gente dizer que se “é inocente até prova em contrário”. Mas isso não é necessariamente verdade. É-se “presumido inocente, até prova em contrário”, o que é muito diferente. Todos os criminosos são “presumidos inocentes” até à sua condenação, tenham eles cometido crimes de “colarinho branco” ou esventrado um familiar diante de toda a vizinhança. A presunção de que o são, não significa, porém, que sejam inocentes. Uns e outros têm direito à sua defesa em Tribunal. Uns e outros, até lá, terão a sua imagem escrutinada por aquilo que fizeram publicamente e por aquilo que publicamente já se sabe que fizeram.Enquanto fui assessor de Valentim Loureiro lidei bastante com o problema da presunção da inocência, assistindo à degradação da imagem pública do Major. Perante a Justiça, continua a “presumir-se inocente”, uma vez que não transitou em julgado qualquer condenação. O mesmo se poderá aplicar a Isaltino de Morais, a Fátima Felgueiras e até a Avelino Ferreira Torres. Todos são hoje “presumidos inocentes”, todos têm as suas imagens públicas muito degradadas publicamente. Nenhum deles viu transitar em julgado qualquer condenação, mas todos nós, legitimamente, podemos questionar: “estarão mesmo inocentes”?Dizer que José Sócrates “é inocente até prova em contrário” no caso Freeport ou noutro qualquer é, pois, um excesso que apenas tomará quem, efectivamente, acredita nele. Como acontece com Valentim Loureiro, Isaltino de Morais, Fátima Felgueiras e Avelino Ferreira Torres, cada um de nós é obrigado a presumi-los inocentes, mas é livre de formar convicções, perante o que vimos, o que sabemos e a forma como nos explicam o que sabemos. Como acontece com o vizinho que vimos cometer um crime bem à nossa frente. E a nossa convicção e aquilo que sabemos não é algo tão disparatado assim, como nos querem meter na cabeça com esta ideia de que se “é inocente até prova em contrário. O nosso conhecimento e convicções, às vezes, são tão importantes que nos chamam para depor como testemunhas em processos contra pessoas. Pessoas “presumivelmente inocentes”, que muitas vezes são condenadas.Quero com isto dizer que perante a Justiça, todos se “presumem inocentes” até trânsito em julgado. Mas sê-lo-ão ou não do ponto de vista substancial.No caso de um político, por maioria de razão, a “presunção da inocência” não pode por isso ser o único preceito que lhe permita manter-se em funções. As evidências de inexplicáveis intimidades, coincidências, deformações, pressas, promiscuidades e muitos outros actos por si só danosos da imagem das pessoas em causa e do próprio Estado, não podem cair na indiferença pública. A “presunção de que Sócrates” é inocente não pode apagar do nosso espírito crítico o direito à pergunta e mesmo à indignação por aquilo que sabemos e nem sequer é desmentido.clique para ver reportagem SICSe a explicação para nomeações de pessoas próximas e ligadas ao processo de licenciamento do Freeport para órgãos como o Eurojust não forem cabalmente negadas ou melhor explicadas, não seremos livres de reconstruir a imagem que temos de Sócrates? E não será até humano questionarmo-nos se, de facto, mesmo sendo “presumido inocente”, Sócrates estará efectivamente inocente? Não será esta dúvida sistemática legítima dentro de cada um de nós?Esta pergunta nada tem de violador da Lei e da “presunção da inocência”. Tanto que assim é, que a nossa Constituição nos obriga a denunciar cidadãos quando desconfiarmos que possam ter sido cometido crimes. Presumindo legalmente a sua inocência, devemos contudo queixar-nos ao Ministério Público, se percebermos que as autoridades não estão ainda a investigar e se percebermos que podem ser criminosos, embora os devamos “presumir inocentes”.A degradação da imagem do Primeiro-Ministro é, por isso, um assunto de todos nós e não apenas do cidadão José Sócrates. A Sócrates cabe o direito de ser “presumido inocente” perante a Justiça, mas ao Primeiro-Ministro cabe a obrigação de sê-lo e de, exemplarmente, parecê-lo a cada instante. É que Sócrates é dono da sua imagem, mas não é dono da imagem do País, do cargo que ocupa e de toda a classe política.E a imagem do cargo, do País e da classe política fica irremediavelmente comprometida quando um ministro corre a aprovar um empreendimento; corre a alterar uma ZPE; corre a nomear uma família ligada ao processo para órgãos de Justiça quando o processo está já em investigação; corre a esconder-se atrás de truques retóricos, dizendo sem dizer; corre a clamar o preceito legal da “presunção da inocência”, confundindo-o com a própria inocência, que não está interessado em explicar. E é até um mau exemplo, pois o direito à “presunção da inocência” não nos deve nem pode inibir de denunciar eventuais indícios de crimes.A forma desconstruída com que a questão do Freeport está contudo a ser tratada pelo Primeiro-Ministro, pelos partidos políticos e até pela Justiça indica-nos, contudo, outros caminhos. Os caminhos do “provem lá que é verdade” que nada têm a ver com os fundamentos da política e com a defesa da imagem da própria Justiça. É que a credibilidade na política não se “presume”, tem-se ou não se tem e, neste caso, já se perdeu toda, há muito.E, já agora, foi uma delícia ouvir Medeiros Ferreira na RTP2 sobre a Verdade e a Mentira

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