A outra Varinha Mágica: Do Freeport à Casa Pia e a Justiça portuguesa no El País

20-05-2009
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O maior jornal espanhol (El País) publica hoje uma peça jornalística sobre a polémica acerca do caso Freeport e de José Sócrates. Além de descreverem as suspeitas de que o Primeiro-Ministro é alvo por parte da polícia portuguesa e inglesa, o jornal fala da lentidão da Justiça portuguesa e define-a como padrão. Aludindo a outros casos mediáticos e por resolver, como os do BPN e do BPP, a El Pais termina com um parágrafo que, pelo menos a mim, não me passou despercebido:“Sin duda, el caso más grave sin resolver es el de los abusos sexuales en la Casa Pía, un internado que acoge a muchachos marginados o huérfanos. El escándalo salió a la luz en noviembre de 2002, cuando se descubrió una red de pedofilia en la que están implicados nombres conocidos de la política, la televisión y el deporte.”Este parágrafo fez-me meditar sobre se, realmente, temos e mantemos consciência sobre a gravidade de todos estes crimes (os de corrupção, mas também os outros). De facto, o único defeito do nosso sistema judicial não é o da lentidão, mas também o do labirinto processual em que transformam os processos e o excesso de garantismo que proporciona aos arguidos e que, além do mais, cria uma desigualdade tremenda no acesso à Justiça. O labirinto de garantias e os “alçapões” que estão abertos no nosso Código de Processo Penal fazem com que os mais ricos tenham melhores possibilidades de se moverem na “máquina” da Justiça e, por vezes, consigam emperrá-la.Mas, voltando ao que diz o El País, além destes casos de “colarinho branco”, o jornal espanhol alude a “SEM DÚVIDA, O CASO MAIS GRAVE POR RESOLVER” (a tradução do El Pais é esta), que continua embrenhado nas teias da lenta e perversa máquina da Justiça portuguesa. É tão perversa essa máquina, que acabamos por quase nos esquecer dos crimes, das vítimas e dos criminosos. O tempo que passa é tanto e o “jogo judicial” a que se soma o despudor de arguidos, advogados e até agentes da Justiça é de tal forma, que acabamos por criar à volta destes processos uma consciência quase clubística e muito pouco séria. Acabamos por encarar estes processos, em primeiro lugar, como séries televisivas e acabamos a vê-los com a mesma ligeireza com que vemos o CSI Miami ou a novela das nove.No meio de tudo isto, esquecemos o importante: a gravidade do que está em causa; os crimes horrendos; as vítimas e esquecemos até, entre entrevistas e talk-shows, que pelo menos alguns daqueles protagonistas, pelos quais alimentamos as nossas preferências e simpatias, são criminosos convictos, reincidentes e incuráveis, de crimes inqualificáveis que atentam ou contra as bases da democracia ou contra o sangue de crianças, por exemplos.Ás vezes é preciso ler um jornal espanhol para nos lembrarmos que as suspeitas contra Sócrates não são uma brincadeira política que pode condicionar um acto eleitoral: as suspeitas contra Sócrates correspondem a um padrão nacional, que tipifica o político português, que hoje faz uso do despudor e da incrível inadequação do nosso sistema judicial para continuar a fazer basicamente o que lhe apetece. O resto é teatro, cinema e um jogo do gato e do rato que nos distrai do essencial, mas que mina os alicerces da nossa democracia (como ontem disse a Procuradora Cândida Almeida, na RTP).Mas o principal parágrafo do texto do El País é o último, onde nos devolve a dimensão inaceitável dos crimes cometidos na Casa Pia. Um caso onde, até hoje, apenas conseguimos ter a certeza de duas coisas: que há vítimas a quem nunca foi feita justiça e a de que todos os agentes da Justiça falharam, até agora, a sua missão. E nos agentes de Justiça incluo os advogados, que podem ter conseguido transformar os seus clientes em actores de uma mera série televisiva de mau gosto, jogando de forma hábil com o absurdo labirinto do Direito português, mas afastando o caso, cada vez mais, da Justiça e da ética. Depois de ler este parágrafo fico, portanto, com a certeza de que já não haverá Justiça na Casa Pia: haverá uma sentença que, seja ela qual for, vai ser lida como o resultado de um jogo que chegou ao intervalo e nunca como um acto de Direito que condena ou iliba acusados, fazendo justiça às vítimas e ao País.PS: quando acabei de escrever este post, ouvi o discurso de Cavaco Silva em Fátima. As televisões estavam lá, tentando perceber se falava do Freeport, mas Cavaco falou sobre a qualidade das nossas Leis (de novo) e sobre as crianças e a forma como estão desprotegidas em Portugal.


O maior jornal espanhol (El País) publica hoje uma peça jornalística sobre a polémica acerca do caso Freeport e de José Sócrates. Além de descreverem as suspeitas de que o Primeiro-Ministro é alvo por parte da polícia portuguesa e inglesa, o jornal fala da lentidão da Justiça portuguesa e define-a como padrão. Aludindo a outros casos mediáticos e por resolver, como os do BPN e do BPP, a El Pais termina com um parágrafo que, pelo menos a mim, não me passou despercebido:“Sin duda, el caso más grave sin resolver es el de los abusos sexuales en la Casa Pía, un internado que acoge a muchachos marginados o huérfanos. El escándalo salió a la luz en noviembre de 2002, cuando se descubrió una red de pedofilia en la que están implicados nombres conocidos de la política, la televisión y el deporte.”Este parágrafo fez-me meditar sobre se, realmente, temos e mantemos consciência sobre a gravidade de todos estes crimes (os de corrupção, mas também os outros). De facto, o único defeito do nosso sistema judicial não é o da lentidão, mas também o do labirinto processual em que transformam os processos e o excesso de garantismo que proporciona aos arguidos e que, além do mais, cria uma desigualdade tremenda no acesso à Justiça. O labirinto de garantias e os “alçapões” que estão abertos no nosso Código de Processo Penal fazem com que os mais ricos tenham melhores possibilidades de se moverem na “máquina” da Justiça e, por vezes, consigam emperrá-la.Mas, voltando ao que diz o El País, além destes casos de “colarinho branco”, o jornal espanhol alude a “SEM DÚVIDA, O CASO MAIS GRAVE POR RESOLVER” (a tradução do El Pais é esta), que continua embrenhado nas teias da lenta e perversa máquina da Justiça portuguesa. É tão perversa essa máquina, que acabamos por quase nos esquecer dos crimes, das vítimas e dos criminosos. O tempo que passa é tanto e o “jogo judicial” a que se soma o despudor de arguidos, advogados e até agentes da Justiça é de tal forma, que acabamos por criar à volta destes processos uma consciência quase clubística e muito pouco séria. Acabamos por encarar estes processos, em primeiro lugar, como séries televisivas e acabamos a vê-los com a mesma ligeireza com que vemos o CSI Miami ou a novela das nove.No meio de tudo isto, esquecemos o importante: a gravidade do que está em causa; os crimes horrendos; as vítimas e esquecemos até, entre entrevistas e talk-shows, que pelo menos alguns daqueles protagonistas, pelos quais alimentamos as nossas preferências e simpatias, são criminosos convictos, reincidentes e incuráveis, de crimes inqualificáveis que atentam ou contra as bases da democracia ou contra o sangue de crianças, por exemplos.Ás vezes é preciso ler um jornal espanhol para nos lembrarmos que as suspeitas contra Sócrates não são uma brincadeira política que pode condicionar um acto eleitoral: as suspeitas contra Sócrates correspondem a um padrão nacional, que tipifica o político português, que hoje faz uso do despudor e da incrível inadequação do nosso sistema judicial para continuar a fazer basicamente o que lhe apetece. O resto é teatro, cinema e um jogo do gato e do rato que nos distrai do essencial, mas que mina os alicerces da nossa democracia (como ontem disse a Procuradora Cândida Almeida, na RTP).Mas o principal parágrafo do texto do El País é o último, onde nos devolve a dimensão inaceitável dos crimes cometidos na Casa Pia. Um caso onde, até hoje, apenas conseguimos ter a certeza de duas coisas: que há vítimas a quem nunca foi feita justiça e a de que todos os agentes da Justiça falharam, até agora, a sua missão. E nos agentes de Justiça incluo os advogados, que podem ter conseguido transformar os seus clientes em actores de uma mera série televisiva de mau gosto, jogando de forma hábil com o absurdo labirinto do Direito português, mas afastando o caso, cada vez mais, da Justiça e da ética. Depois de ler este parágrafo fico, portanto, com a certeza de que já não haverá Justiça na Casa Pia: haverá uma sentença que, seja ela qual for, vai ser lida como o resultado de um jogo que chegou ao intervalo e nunca como um acto de Direito que condena ou iliba acusados, fazendo justiça às vítimas e ao País.PS: quando acabei de escrever este post, ouvi o discurso de Cavaco Silva em Fátima. As televisões estavam lá, tentando perceber se falava do Freeport, mas Cavaco falou sobre a qualidade das nossas Leis (de novo) e sobre as crianças e a forma como estão desprotegidas em Portugal.

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