Miragatos: objectos de culto: “Nenhum Olhar"

08-10-2009
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Quando li "Nenhum Olhar", de José Luís Peixoto, sublinhei estas passagens, que aqui estão agrupadas mas que surgem ao longo do romance. Perceberão porque as quero partilhar convosco.  
Somos uma agulha de pinheiro diante de um incêndio, somos um grão de terra diante de um terramoto, somos uma gota de orvalho diante de uma tempestade.
 
Penso: talvez a dor exista para nos avisar de uma dor maior.
 
Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.
 
Penso: talvez haja uma luz dentro dos homens, talvez uma claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão, talvez as certezas sejam uma aragem dentro dos homens e talvez os homens sejam as certezas que possuem.
 
Penso: talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros.
 
Penso: o lugar dos homens é uma linha traçada entre o desespero e o silêncio.
 
Penso: não existir, ser o esquecimento de alguém esquecido para sempre, morrer muitas vezes morto.
 
Penso: se o castigo que me condena se fechar em mim, se aceitar o castigo que chega e o guardar, se o conseguir segurar cá dentro, talvez não tenha de suportar novos julgamentos, talvez possa descansar.
 
Penso: talvez eu já não seja este corpo que me tornei, talvez eu já não seja esta forma dentro deste corpo, talvez eu seja eu já morto só a sofrer, sem vontade, só à espera da morte que nunca chegará.
 
Penso: um dia pode ser mil anos. Penso: ninguém sabe ao certo se passou um ano, ou mil anos, ou uma hora rápida, num dia que passou.
 
O mundo acabou. E não ficou nada. Nem as certezas. Nem as sombras. Nem as cinzas. Nem os gestos. Nem as palavras. Nem o amor. Nem o lume. Nem o céu. Nem os caminhos. Nem o passado. Nem as ideias. Nem o fumo. O mundo acabou. E não ficou nada. Nenhum sorriso. Nenhum pensamento. Nenhuma esperança. Nenhum consolo. Nenhum olhar. 
 
in PEIXOTO, José Luís, Nenhum Olhar


Quando li "Nenhum Olhar", de José Luís Peixoto, sublinhei estas passagens, que aqui estão agrupadas mas que surgem ao longo do romance. Perceberão porque as quero partilhar convosco.  
Somos uma agulha de pinheiro diante de um incêndio, somos um grão de terra diante de um terramoto, somos uma gota de orvalho diante de uma tempestade.
 
Penso: talvez a dor exista para nos avisar de uma dor maior.
 
Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.
 
Penso: talvez haja uma luz dentro dos homens, talvez uma claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão, talvez as certezas sejam uma aragem dentro dos homens e talvez os homens sejam as certezas que possuem.
 
Penso: talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros.
 
Penso: o lugar dos homens é uma linha traçada entre o desespero e o silêncio.
 
Penso: não existir, ser o esquecimento de alguém esquecido para sempre, morrer muitas vezes morto.
 
Penso: se o castigo que me condena se fechar em mim, se aceitar o castigo que chega e o guardar, se o conseguir segurar cá dentro, talvez não tenha de suportar novos julgamentos, talvez possa descansar.
 
Penso: talvez eu já não seja este corpo que me tornei, talvez eu já não seja esta forma dentro deste corpo, talvez eu seja eu já morto só a sofrer, sem vontade, só à espera da morte que nunca chegará.
 
Penso: um dia pode ser mil anos. Penso: ninguém sabe ao certo se passou um ano, ou mil anos, ou uma hora rápida, num dia que passou.
 
O mundo acabou. E não ficou nada. Nem as certezas. Nem as sombras. Nem as cinzas. Nem os gestos. Nem as palavras. Nem o amor. Nem o lume. Nem o céu. Nem os caminhos. Nem o passado. Nem as ideias. Nem o fumo. O mundo acabou. E não ficou nada. Nenhum sorriso. Nenhum pensamento. Nenhuma esperança. Nenhum consolo. Nenhum olhar. 
 
in PEIXOTO, José Luís, Nenhum Olhar

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