mind this gap

02-10-2009
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Carla Teixeira, Licenciada em Ciência de Computadores, Dublin, Irlanda. Tirei o curso de Ciência de Computadores na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, curso esse que acabei em 2006.Não foi a minha primeira escolha mas devido ao sistema de educação Português fraco e injusto não consegui, por 2 décimas, entrar no curso de Medicina que tanto ansiava. Isto devido essencialmente a médias inflacionadas pelo "pagar" de notas que tanto na moda estava nessa altura (em 2001) em Portugal. Foi nessa altura que tomei a decisão de que o meu objectivo de vida seria procurar melhores coisas fora de Portugal.Sei que era demasiado nova para tomar uma decisão tão drástica mas tendo vindo de uma família de pessoas maioritariamente inteligentes, cultas e com padrões morais e profissionais muito elevados, sabia exactamente o que era ser ostracizada numa sociedade de pessoas mesquinhas, tacanhas e ignorantes. Claro que falo na generalidade já que fiz alguns bons amigos nessa sociedade. Por isso decidi prosseguir os estudos na Faculdade de Ciências, desanimada e desmotivada mas com um objectivo fixo: sair de Portugal e usar o meu grau para isso. Deparei-me na faculdade com o mesmo tipo de mentalidade que havia encontrado no secundário: professores que davam as notas a quem lhes dava "graxa" (e só muito raramente a quem realmente merecia), as bolsas eram atríbuidas a pessoas que estavam há 11 anos no curso só porque tinham uma média superior em menos de 1 valor a uma pessoa que estava a fazer o curso nos anos certos (este caso é real e eu conheci ambas as pessoas), os professores tratavam os alunos com "baixa prestação académica" ou com sentido crítico (que invariavelmente levava a baixa prestação académica) como lixo, os (verdadeiros) trabalhadores-estudantes eram tratados como burlistas já que mais de 50% das pessoas que pediam o estatuto eram na realidade trabalhadores ficticios nas empresas dos pais, etc. etc. Mas nem tudo foi mau. O curso era excelente. Os assuntos de estudo eram muito interessantes. Consegui uma bolsa para trabalhar em França durante um mês numa coisa que gostava bastante (o que contribuiu para aumentar o meu desejo de sair do país). E acima de tudo conheci mentes brilhantes e inovadoras (professores e alunos) que ainda hoje admiro. Se entrei na faculdade desanimada saí deprimida.Passei uns meses a tentar arranjar emprego porque queria continuar os estudos e tirar um mestrado ou doutoramento. E num país em que se fomenta a "desqualificação" da mão de obra por ser mais rentável para os patrões (já que o salário fica mais baixo) não foi tarefa nada fácil. Para exemplificar, ponho em baixo alguns diálogos (absurdos) que tive em entrevistas e e-mails de empregadores nessa altura:Diálogo 1:Empregador: "E quer tirar mestrado é?"Eu: "Sim. Pretendo estudar até ao doutoramento." Empregador: "Ah, então não quer trabalhar!"Diálogo 2:Empregador: "A menina tem licenciatura e quer tirar mestrado, é isso?"Eu: "exacto."Empregador: "Pois então acho que terá qualificações a mais para este trabalho" (O trabalho referido seria desenvolvimento de software numa dada área pioneira e inovadora em Portugal)--Fazendo fast-forward para quando finalmente consegui trabalho, numa das empresas o patrão pagava tarde e a más horas (quando eu não tinha que pressionar para ter o salário), enganava os clientes, etc. Noutra das empresas as pessoas eram exploradas, trabalhando fins de semana e horas extra sem serem recompensadas por isso e sendo-lhes dito que a profissão de informático era mesmo assim e que deviam dar graças a Deus por lhes terem dado trabalho. Para além de serem dispensadas pessoas com 10 ou mais anos de casa só por criticarem a gestão da empresa. Enfim, apenas uma empresa me ficou no "coração" por me abrir horizontes e por ter um trabalho com qualidade e seriedade como não acontece frequentemente em Portugal. E foi essa que me custou mais deixar. Mas essa trabalhava para clientes maioritariamente estrangeiros, o que me permitiu comparar os padrões de exigência e seriedade entre as empresas Portuguesas e Estrangeiras. E assim, após ter encontrado uma alma gémea que se dispôs a seguir-me até à Irlanda, consegui ter um pé-de-meia para alcançar o meu sonho.E adoro estar cá!As pessoas são tudo o que os Portugueses não são: cultas, educadas, trabalhadoras, sérias (não há o culto do xico-espertismo), cívicas, tolerantes. Nunca sofri xenofobia ou descriminação como sofri em Portugal (sentir descriminação de compatriotas dói muito mais que o sentir de estrangeiros). O trabalho é sério, exigente e com qualidade. Os prazos são para ser cumpridos mas são estimados com perspectivas realistas porque as pessoas que o fazem são competentes. O meu desejo de fazer mestrado foi acolhido com entusiasmo e ser-me-á dado um financiamento para o fazer se eu assim o quiser. O meu mérito é reconhecido ao ponto de receber emails de superiores a dizer "Obrigado pelo trabalho bem feito". O salário é o dobro do que tinha em Portugal. A cidade é bonita apesar do tempo chuvoso e com muito planeamento urbano.Enfim, sou feliz agora. Sinto falta da família e dos amigos (muito poucos) mas só o voltar pelo Natal deixa-me deprimida novamente ao ver que nada mudou no País. Não conto voltar. Se me fartar daqui vou para outro país que não Portugal.Mais informações sobre a minha aventura e contactos em:http://ccatdublin.blogspot.com/


Carla Teixeira, Licenciada em Ciência de Computadores, Dublin, Irlanda. Tirei o curso de Ciência de Computadores na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, curso esse que acabei em 2006.Não foi a minha primeira escolha mas devido ao sistema de educação Português fraco e injusto não consegui, por 2 décimas, entrar no curso de Medicina que tanto ansiava. Isto devido essencialmente a médias inflacionadas pelo "pagar" de notas que tanto na moda estava nessa altura (em 2001) em Portugal. Foi nessa altura que tomei a decisão de que o meu objectivo de vida seria procurar melhores coisas fora de Portugal.Sei que era demasiado nova para tomar uma decisão tão drástica mas tendo vindo de uma família de pessoas maioritariamente inteligentes, cultas e com padrões morais e profissionais muito elevados, sabia exactamente o que era ser ostracizada numa sociedade de pessoas mesquinhas, tacanhas e ignorantes. Claro que falo na generalidade já que fiz alguns bons amigos nessa sociedade. Por isso decidi prosseguir os estudos na Faculdade de Ciências, desanimada e desmotivada mas com um objectivo fixo: sair de Portugal e usar o meu grau para isso. Deparei-me na faculdade com o mesmo tipo de mentalidade que havia encontrado no secundário: professores que davam as notas a quem lhes dava "graxa" (e só muito raramente a quem realmente merecia), as bolsas eram atríbuidas a pessoas que estavam há 11 anos no curso só porque tinham uma média superior em menos de 1 valor a uma pessoa que estava a fazer o curso nos anos certos (este caso é real e eu conheci ambas as pessoas), os professores tratavam os alunos com "baixa prestação académica" ou com sentido crítico (que invariavelmente levava a baixa prestação académica) como lixo, os (verdadeiros) trabalhadores-estudantes eram tratados como burlistas já que mais de 50% das pessoas que pediam o estatuto eram na realidade trabalhadores ficticios nas empresas dos pais, etc. etc. Mas nem tudo foi mau. O curso era excelente. Os assuntos de estudo eram muito interessantes. Consegui uma bolsa para trabalhar em França durante um mês numa coisa que gostava bastante (o que contribuiu para aumentar o meu desejo de sair do país). E acima de tudo conheci mentes brilhantes e inovadoras (professores e alunos) que ainda hoje admiro. Se entrei na faculdade desanimada saí deprimida.Passei uns meses a tentar arranjar emprego porque queria continuar os estudos e tirar um mestrado ou doutoramento. E num país em que se fomenta a "desqualificação" da mão de obra por ser mais rentável para os patrões (já que o salário fica mais baixo) não foi tarefa nada fácil. Para exemplificar, ponho em baixo alguns diálogos (absurdos) que tive em entrevistas e e-mails de empregadores nessa altura:Diálogo 1:Empregador: "E quer tirar mestrado é?"Eu: "Sim. Pretendo estudar até ao doutoramento." Empregador: "Ah, então não quer trabalhar!"Diálogo 2:Empregador: "A menina tem licenciatura e quer tirar mestrado, é isso?"Eu: "exacto."Empregador: "Pois então acho que terá qualificações a mais para este trabalho" (O trabalho referido seria desenvolvimento de software numa dada área pioneira e inovadora em Portugal)--Fazendo fast-forward para quando finalmente consegui trabalho, numa das empresas o patrão pagava tarde e a más horas (quando eu não tinha que pressionar para ter o salário), enganava os clientes, etc. Noutra das empresas as pessoas eram exploradas, trabalhando fins de semana e horas extra sem serem recompensadas por isso e sendo-lhes dito que a profissão de informático era mesmo assim e que deviam dar graças a Deus por lhes terem dado trabalho. Para além de serem dispensadas pessoas com 10 ou mais anos de casa só por criticarem a gestão da empresa. Enfim, apenas uma empresa me ficou no "coração" por me abrir horizontes e por ter um trabalho com qualidade e seriedade como não acontece frequentemente em Portugal. E foi essa que me custou mais deixar. Mas essa trabalhava para clientes maioritariamente estrangeiros, o que me permitiu comparar os padrões de exigência e seriedade entre as empresas Portuguesas e Estrangeiras. E assim, após ter encontrado uma alma gémea que se dispôs a seguir-me até à Irlanda, consegui ter um pé-de-meia para alcançar o meu sonho.E adoro estar cá!As pessoas são tudo o que os Portugueses não são: cultas, educadas, trabalhadoras, sérias (não há o culto do xico-espertismo), cívicas, tolerantes. Nunca sofri xenofobia ou descriminação como sofri em Portugal (sentir descriminação de compatriotas dói muito mais que o sentir de estrangeiros). O trabalho é sério, exigente e com qualidade. Os prazos são para ser cumpridos mas são estimados com perspectivas realistas porque as pessoas que o fazem são competentes. O meu desejo de fazer mestrado foi acolhido com entusiasmo e ser-me-á dado um financiamento para o fazer se eu assim o quiser. O meu mérito é reconhecido ao ponto de receber emails de superiores a dizer "Obrigado pelo trabalho bem feito". O salário é o dobro do que tinha em Portugal. A cidade é bonita apesar do tempo chuvoso e com muito planeamento urbano.Enfim, sou feliz agora. Sinto falta da família e dos amigos (muito poucos) mas só o voltar pelo Natal deixa-me deprimida novamente ao ver que nada mudou no País. Não conto voltar. Se me fartar daqui vou para outro país que não Portugal.Mais informações sobre a minha aventura e contactos em:http://ccatdublin.blogspot.com/

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