Açores 2010: Modelos, Maquetas e Presépios

29-09-2009
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Presépio de Natal e Maqueta de apresentação de J.L. Carrilho da GraçaOs modelos ou as maquetas servem para reproduzir ou antever uma dada realidade. Seja com o intuito de reconstituir, de confirmar, ou de prever, o acto de modelar, reduzir e ampliar torna as coisas mais apreensíveis e é inerente a muitas actividades. Um dentista molda e reproduz os maxilares de um seu paciente, um arquitecto ensaia hipóteses reduzidas de um edifício, um cineasta reconstrói uma esquina da cidade no canto do seu estúdio, ou uma criança reconstitui um dado momento no presépio de Natal.Com um olhar analítico, ou mesmo com um olhar contemplativo, reproduz-se para melhor compreender e dominar. Dominar fisicamente, tornando a realidade mais manuseável e dominar psicologicamente, tornando mais vasta a nossa abrangência, sendo talvez mesmo por aí, por via desse aparente domínio que, inconscientemente, se expressa um indiscutível fascínio para quem as observa.Partindo de algo imaginado ou de algo já existente, as maquetas dão corpo às imagens. Têm altura, largura e profundidade, têm peso, cheiro e temperatura, reagem à sombra e à luz e interpelam o observador de um modo mais directo e cativante. Numa maqueta podemos viajar em seu redor, de cima para baixo, de um lado para o outro, num lento travelling cinematográfico ou numa rápida e indiscreta prescutação do seu interior. Se prevêem o futuro, se projectam uma hipótese de algo que ainda não foi construído, dão forma ao inexistente, dão corpo a uma ideia e mais do que confirmar, aliciam e convidam a imaginar. Se reproduzem o existente, asseguram-nos a mensurabilidade do real, e se reconstroem um tempo ido, invocam-nos o passado e dão corpo à memória.Para os arquitectos, a maqueta é uma útil ferramenta de trabalho que tanto serve para o rápido testar de uma solução, como para a sua filtrada comunicação a terceiros (empreiteiros, clientes, júris, etc.). Em ambos os casos falamos de maquetas de trabalho, instrumentos para desenvolver e confirmar uma ideia e a sua concretização.Há maquetas que procuram, maquetas impetuosas, de cartão, esferovite e fita-cola, feitas com apenas o rigor necessário para um esboço tridimensional. Há maquetas pacientes, maquetas que estudam, que pedem atenção, maquetas alteradas e ensaiadas vezes sem conta e que lentamente começam a apontar um caminho. Há maquetas pedagógicas que esclarecem e explicam as dúvidas surgidas na obra, maquetas rigorosas que ajudam a construir. Há maquetas seguras, vaidosas do que tentam convencer, por vezes claras, por vezes herméticas, limpas de hesitações que não mostram um processo mas sim um resultado. De todas as maquetas, prefiro as indecisas, as que apontam mais do que afirmam, as que espelham e ensaiam o evoluir de um raciocínio e que registam as dúvidas e as inquietações de um demorado processo de concepção.Em todas elas, de forma mais ou menos evidente, há um filtro em relação ao que se retrata. O grau de informação acerta-se pela dimensão mas também pela importância daquilo que é exposto e essa é talvez a grande diferença que distingue as maquetas de arquitectura das restantes. As maquetas de arquitectura não são presépios nem casas de Lilliput, não têm o encanto da ingenuidade, mas têm o fascínio da sedução. O seu propósito não é o da venda (como as maquetas das agência ou das feiras de imobiliário), não é o do entretenimento (como as miniaturas das linhas de comboio), não é o da figuração (como os presépios) nem o da ilustração (como as maquetas de representação dos museus).As maquetas de arquitectura não funcionam pelo estímulo da réplica ou da reprodução tácita, mas sim pelo que é mais ou menos relevante para a compreensão do trabalho em causa. O que se privilegia é uma lógica de compreensão que obriga a sintetizar e controlar a expressão do conjunto e de cada parte. Nesse sentido, pelas escolhas que encerram, pelo que nelas se exalta ou se encobre, pelo que na sua expressão se abstractiza ou se exacerba, são em si já um veículo de comunicação privilegiado do trabalho a que se reportam. São um veículo de comunicação privilegiado, não só pelo que mostram, mas sobretudo pela maneira como mostram.Há arquitectos que prescindem de as fazer, há outros que as fotografam e depois as deitam fora, há outros que as reciclam para futuras maquetas e outros há que as guardam religiosamente nas paredes e nas estantes dos ateliers, deixadas a amarelecer com o passar do tempo. Todas elas são excertos de um qualquer pensamento feito corpo, dos quais, por vezes, nos custamos a separar.SFR.Publicado_Açoriano Oriental_2008/12/21


Presépio de Natal e Maqueta de apresentação de J.L. Carrilho da GraçaOs modelos ou as maquetas servem para reproduzir ou antever uma dada realidade. Seja com o intuito de reconstituir, de confirmar, ou de prever, o acto de modelar, reduzir e ampliar torna as coisas mais apreensíveis e é inerente a muitas actividades. Um dentista molda e reproduz os maxilares de um seu paciente, um arquitecto ensaia hipóteses reduzidas de um edifício, um cineasta reconstrói uma esquina da cidade no canto do seu estúdio, ou uma criança reconstitui um dado momento no presépio de Natal.Com um olhar analítico, ou mesmo com um olhar contemplativo, reproduz-se para melhor compreender e dominar. Dominar fisicamente, tornando a realidade mais manuseável e dominar psicologicamente, tornando mais vasta a nossa abrangência, sendo talvez mesmo por aí, por via desse aparente domínio que, inconscientemente, se expressa um indiscutível fascínio para quem as observa.Partindo de algo imaginado ou de algo já existente, as maquetas dão corpo às imagens. Têm altura, largura e profundidade, têm peso, cheiro e temperatura, reagem à sombra e à luz e interpelam o observador de um modo mais directo e cativante. Numa maqueta podemos viajar em seu redor, de cima para baixo, de um lado para o outro, num lento travelling cinematográfico ou numa rápida e indiscreta prescutação do seu interior. Se prevêem o futuro, se projectam uma hipótese de algo que ainda não foi construído, dão forma ao inexistente, dão corpo a uma ideia e mais do que confirmar, aliciam e convidam a imaginar. Se reproduzem o existente, asseguram-nos a mensurabilidade do real, e se reconstroem um tempo ido, invocam-nos o passado e dão corpo à memória.Para os arquitectos, a maqueta é uma útil ferramenta de trabalho que tanto serve para o rápido testar de uma solução, como para a sua filtrada comunicação a terceiros (empreiteiros, clientes, júris, etc.). Em ambos os casos falamos de maquetas de trabalho, instrumentos para desenvolver e confirmar uma ideia e a sua concretização.Há maquetas que procuram, maquetas impetuosas, de cartão, esferovite e fita-cola, feitas com apenas o rigor necessário para um esboço tridimensional. Há maquetas pacientes, maquetas que estudam, que pedem atenção, maquetas alteradas e ensaiadas vezes sem conta e que lentamente começam a apontar um caminho. Há maquetas pedagógicas que esclarecem e explicam as dúvidas surgidas na obra, maquetas rigorosas que ajudam a construir. Há maquetas seguras, vaidosas do que tentam convencer, por vezes claras, por vezes herméticas, limpas de hesitações que não mostram um processo mas sim um resultado. De todas as maquetas, prefiro as indecisas, as que apontam mais do que afirmam, as que espelham e ensaiam o evoluir de um raciocínio e que registam as dúvidas e as inquietações de um demorado processo de concepção.Em todas elas, de forma mais ou menos evidente, há um filtro em relação ao que se retrata. O grau de informação acerta-se pela dimensão mas também pela importância daquilo que é exposto e essa é talvez a grande diferença que distingue as maquetas de arquitectura das restantes. As maquetas de arquitectura não são presépios nem casas de Lilliput, não têm o encanto da ingenuidade, mas têm o fascínio da sedução. O seu propósito não é o da venda (como as maquetas das agência ou das feiras de imobiliário), não é o do entretenimento (como as miniaturas das linhas de comboio), não é o da figuração (como os presépios) nem o da ilustração (como as maquetas de representação dos museus).As maquetas de arquitectura não funcionam pelo estímulo da réplica ou da reprodução tácita, mas sim pelo que é mais ou menos relevante para a compreensão do trabalho em causa. O que se privilegia é uma lógica de compreensão que obriga a sintetizar e controlar a expressão do conjunto e de cada parte. Nesse sentido, pelas escolhas que encerram, pelo que nelas se exalta ou se encobre, pelo que na sua expressão se abstractiza ou se exacerba, são em si já um veículo de comunicação privilegiado do trabalho a que se reportam. São um veículo de comunicação privilegiado, não só pelo que mostram, mas sobretudo pela maneira como mostram.Há arquitectos que prescindem de as fazer, há outros que as fotografam e depois as deitam fora, há outros que as reciclam para futuras maquetas e outros há que as guardam religiosamente nas paredes e nas estantes dos ateliers, deixadas a amarelecer com o passar do tempo. Todas elas são excertos de um qualquer pensamento feito corpo, dos quais, por vezes, nos custamos a separar.SFR.Publicado_Açoriano Oriental_2008/12/21

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