Paulo Freixinho: Assembleia da República: (DES)ACORDO ORTOGRÁFICO

23-05-2009
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Numa sessão que teve início às 10:30 da manhã e prolongou-se para depois das 18:00, marcada pelo "confronto" entre Carlos Reis, catedrático de Coimbra e reitor da Universidade Aberta e Vasco Graça Moura, eurodeputado do PSD e escritor, parece-me que o título deste post está em conformidade com a notícia do Público que passo a citar:Choque de titãs deixa deputados hesitantes face ao Acordo OrtográficoJá se aproximavam as 18 horas quando a deputada Teresa Portugal (PS) abriu a última parte da sessão - aquela em que se iriam conhecer as posições dos representantes partidários acerca do acordo ortográfico, o tema que mobilizava desde as 10 e meia da manhã catedráticos, linguistas, editores, membros de institutos e associações da língua portuguesa, reunidos na sala do Senado da Assembleia da República, em Lisboa.A deputada começou por historiar a "atribulada história dos múltiplos acertos e desacertos da ortografia" da língua portuguesa. Mas em breve não hesitaria em confessar-se dividida "perante uma argumentação igualmente convincente" que ouvira, ao início da tarde, quando Vasco Graça Moura e Carlos Reis esgrimiram argumentos contra e a favor do acordo ortográfico ratificado em 1990, mas que agora voltou uma vez mais ao Parlamento, como proposta de resolução apresentada pelo Governo, para resolver um imbróglio jurídico, facilitando a entrada em vigor do acordo de 1990 desde que pelo menos três dos oito países contratantes depositem os respectivos instrumentos de ratificação.As frases-chave dos dois deputados que se lhe seguiram, do PSD e do CDS-PP, alinharam pelo mesmo tom: o PSD "manifesta abertura de espírito para valorizar todos os argumentos aqui ouvidos" (Ana Zita Gomes); "ficámos a conhecer todos os pontos de vista, nalguns casos, felizmente, antagónicos" (Pedro Mota Soares, do CDS-PP).As múltiplas interrogações com que o deputado do PCP, João Oliveira, recheou a sua intervenção ("Será este acordo um factor de cooperação? De que serve um acordo ortográfico sem uma política da língua portuguesa no mundo?") indiciavam uma mesma reserva em desvendar o sentido de voto final, apenas revelado, na prática, pelo representante do Bloco de Esquerda (BE). Este, ficou claro, será de apoio ao acordo. Disse Luís Fazenda: "Respeitamos objecções levantadas por pessoas com competência técnica [referia-se aos linguistas que se manifestam contra aspectos do acordo]. Contudo, o que é importante é o sinal político e esse vai muito para além deste acordo de aproximação ortográfica e é o seguinte: no conjunto de Estados que se exprimem em português há uma cogestão da língua."Ler notícia completa: AQUI (Graça Moura vs Carlos Reis)Destaco agora, parte de um interessante texto de José Luiz Fiorin, professor do Departamento de Linguística (Lingüística) da Universidade de São Paulo. Passo a citar:Nos últimos tempos, diferentes manifestações têm surgido sobre o assunto e mesmo pessoas consideradas especialistas na matéria têm incidido em quatro equívocos. É preciso afastá-los para evitar que toldem nossa apreciação desse objeto.O primeiro é que se está fazendo uma unificação da língua portuguesa. Isso não é verdade. O que se deseja fazer é uma unificação da ortografia, ou seja, da convenção por meio da qual se representam graficamente as formas faladas da língua, se escrevem as formas da língua. O que se pretende unificar é a escrita e não a língua, que varia de região para outra, de um grupo social para outro, de uma situação de comunicação para outra, de uma faixa etária para outra. A variação é um fenômeno inerente à língua, porque a sociedade em que é falada é heterogênea. É impossível uniformizar a língua. Repetimos, o que se pode e se quer tornar una é a ortografia.O segundo equívoco é que a reforma é tímida, dever-se-ia fazer uma mudança radical para simplificar a ortografia e aproximá-la da maneira como falamos. Na verdade, aqui há dois erros. Primeiramente, não se está fazendo propriamente uma reforma ortográfica e sim um acordo de unificação ortográfica e, portanto, atinge basicamente os pontos de divergência das duas ortografias e não faz reforma profunda na maneira de grafar as palavras. Depois, enganam-se os que pensam que se pode escrever como se fala, pois a pronúncia varia, por exemplo, de região para região em cada país e, por isso, não se pode grafar tal como se fala. Além disso, cabe perguntar por que países em que se falam línguas, como o francês ou o inglês, cuja ortografia reflete um estado lingüístico muito mais antigo ou a origem da palavra, não fazem uma reforma ortográfica drástica. Porque não é mais possível, uma vez que mudar completamente a ortografia significa condenar à obsolescência todo o material impresso. Em duas gerações ninguém mais será capaz, sem preparo específico, de ler tudo o que foi impresso até o momento. Ora, isso é impossível. Podia-se fazer reforma ortográfica radical até o início do século passado. Depois, com o crescimento das bibliotecas, dos acervos etc. não se pode mais pensar em alterar totalmente a ortografia.Meia-solaO terceiro erro sobre o acordo é que ele, de fato, não unifica a ortografia. Como disse um conhecido professor de português, é "uma reforma meia-sola". Os que afirmam isso se fundamentam no fato de que o tratado permite dupla ortografia nos casos em que no Brasil se acentua com acento circunflexo e em Portugal, com acento agudo, refletindo a diferença de timbre fechado e aberto (econômico/ económico; fêmur/ fémur; bebê/ bebé; gênio/ génio) e nos casos em que uma consoante seguida de outra não é pronunciada no Brasil, mas é falada em Portugal (por exemplo, facto/ fato; secção/ seção; sector/ setor; amnistia/ anistia; súbdito/ súdito; assumpção/ assunção). Afirmar que não houve a unificação é um erro porque as duas grafias passam a ser corretas no território da lusofonia. Hoje, é errado escrever ceptro e género no Brasil ou cetro e gênero nos outros países lusófonos. A partir da entrada em vigor do acordo, as duas grafias serão corretas em todos os países de língua portuguesa.Isso quer dizer que, com muita sabedoria, unificou-se, respeitando-se a diversidade de pronúncia refletida em formas históricas de grafar.Finalmente, muitos dizem que há coisas mais importantes a fazer do que tornar uniformes as ortografias. Poderia até ser verdade se pensarmos apenas do ponto de vista das carências educacionais nos países lusófonos. No entanto, para efeitos de difusão internacional e de implantação de uma política lingüística comum, a unificação é importante. Para os brasileiros, no entanto, está em jogo outra coisa. Em Portugal, muitos falam em recusar o acordo, em nome da manutenção da pureza da língua original, porque ele representa a "brasilianização da ortografia", "a colonização dos ex-colonizados". Os argumentos desses portugueses não têm fundamento na realidade. São fantasias.Ler texto completo: AQUI


Numa sessão que teve início às 10:30 da manhã e prolongou-se para depois das 18:00, marcada pelo "confronto" entre Carlos Reis, catedrático de Coimbra e reitor da Universidade Aberta e Vasco Graça Moura, eurodeputado do PSD e escritor, parece-me que o título deste post está em conformidade com a notícia do Público que passo a citar:Choque de titãs deixa deputados hesitantes face ao Acordo OrtográficoJá se aproximavam as 18 horas quando a deputada Teresa Portugal (PS) abriu a última parte da sessão - aquela em que se iriam conhecer as posições dos representantes partidários acerca do acordo ortográfico, o tema que mobilizava desde as 10 e meia da manhã catedráticos, linguistas, editores, membros de institutos e associações da língua portuguesa, reunidos na sala do Senado da Assembleia da República, em Lisboa.A deputada começou por historiar a "atribulada história dos múltiplos acertos e desacertos da ortografia" da língua portuguesa. Mas em breve não hesitaria em confessar-se dividida "perante uma argumentação igualmente convincente" que ouvira, ao início da tarde, quando Vasco Graça Moura e Carlos Reis esgrimiram argumentos contra e a favor do acordo ortográfico ratificado em 1990, mas que agora voltou uma vez mais ao Parlamento, como proposta de resolução apresentada pelo Governo, para resolver um imbróglio jurídico, facilitando a entrada em vigor do acordo de 1990 desde que pelo menos três dos oito países contratantes depositem os respectivos instrumentos de ratificação.As frases-chave dos dois deputados que se lhe seguiram, do PSD e do CDS-PP, alinharam pelo mesmo tom: o PSD "manifesta abertura de espírito para valorizar todos os argumentos aqui ouvidos" (Ana Zita Gomes); "ficámos a conhecer todos os pontos de vista, nalguns casos, felizmente, antagónicos" (Pedro Mota Soares, do CDS-PP).As múltiplas interrogações com que o deputado do PCP, João Oliveira, recheou a sua intervenção ("Será este acordo um factor de cooperação? De que serve um acordo ortográfico sem uma política da língua portuguesa no mundo?") indiciavam uma mesma reserva em desvendar o sentido de voto final, apenas revelado, na prática, pelo representante do Bloco de Esquerda (BE). Este, ficou claro, será de apoio ao acordo. Disse Luís Fazenda: "Respeitamos objecções levantadas por pessoas com competência técnica [referia-se aos linguistas que se manifestam contra aspectos do acordo]. Contudo, o que é importante é o sinal político e esse vai muito para além deste acordo de aproximação ortográfica e é o seguinte: no conjunto de Estados que se exprimem em português há uma cogestão da língua."Ler notícia completa: AQUI (Graça Moura vs Carlos Reis)Destaco agora, parte de um interessante texto de José Luiz Fiorin, professor do Departamento de Linguística (Lingüística) da Universidade de São Paulo. Passo a citar:Nos últimos tempos, diferentes manifestações têm surgido sobre o assunto e mesmo pessoas consideradas especialistas na matéria têm incidido em quatro equívocos. É preciso afastá-los para evitar que toldem nossa apreciação desse objeto.O primeiro é que se está fazendo uma unificação da língua portuguesa. Isso não é verdade. O que se deseja fazer é uma unificação da ortografia, ou seja, da convenção por meio da qual se representam graficamente as formas faladas da língua, se escrevem as formas da língua. O que se pretende unificar é a escrita e não a língua, que varia de região para outra, de um grupo social para outro, de uma situação de comunicação para outra, de uma faixa etária para outra. A variação é um fenômeno inerente à língua, porque a sociedade em que é falada é heterogênea. É impossível uniformizar a língua. Repetimos, o que se pode e se quer tornar una é a ortografia.O segundo equívoco é que a reforma é tímida, dever-se-ia fazer uma mudança radical para simplificar a ortografia e aproximá-la da maneira como falamos. Na verdade, aqui há dois erros. Primeiramente, não se está fazendo propriamente uma reforma ortográfica e sim um acordo de unificação ortográfica e, portanto, atinge basicamente os pontos de divergência das duas ortografias e não faz reforma profunda na maneira de grafar as palavras. Depois, enganam-se os que pensam que se pode escrever como se fala, pois a pronúncia varia, por exemplo, de região para região em cada país e, por isso, não se pode grafar tal como se fala. Além disso, cabe perguntar por que países em que se falam línguas, como o francês ou o inglês, cuja ortografia reflete um estado lingüístico muito mais antigo ou a origem da palavra, não fazem uma reforma ortográfica drástica. Porque não é mais possível, uma vez que mudar completamente a ortografia significa condenar à obsolescência todo o material impresso. Em duas gerações ninguém mais será capaz, sem preparo específico, de ler tudo o que foi impresso até o momento. Ora, isso é impossível. Podia-se fazer reforma ortográfica radical até o início do século passado. Depois, com o crescimento das bibliotecas, dos acervos etc. não se pode mais pensar em alterar totalmente a ortografia.Meia-solaO terceiro erro sobre o acordo é que ele, de fato, não unifica a ortografia. Como disse um conhecido professor de português, é "uma reforma meia-sola". Os que afirmam isso se fundamentam no fato de que o tratado permite dupla ortografia nos casos em que no Brasil se acentua com acento circunflexo e em Portugal, com acento agudo, refletindo a diferença de timbre fechado e aberto (econômico/ económico; fêmur/ fémur; bebê/ bebé; gênio/ génio) e nos casos em que uma consoante seguida de outra não é pronunciada no Brasil, mas é falada em Portugal (por exemplo, facto/ fato; secção/ seção; sector/ setor; amnistia/ anistia; súbdito/ súdito; assumpção/ assunção). Afirmar que não houve a unificação é um erro porque as duas grafias passam a ser corretas no território da lusofonia. Hoje, é errado escrever ceptro e género no Brasil ou cetro e gênero nos outros países lusófonos. A partir da entrada em vigor do acordo, as duas grafias serão corretas em todos os países de língua portuguesa.Isso quer dizer que, com muita sabedoria, unificou-se, respeitando-se a diversidade de pronúncia refletida em formas históricas de grafar.Finalmente, muitos dizem que há coisas mais importantes a fazer do que tornar uniformes as ortografias. Poderia até ser verdade se pensarmos apenas do ponto de vista das carências educacionais nos países lusófonos. No entanto, para efeitos de difusão internacional e de implantação de uma política lingüística comum, a unificação é importante. Para os brasileiros, no entanto, está em jogo outra coisa. Em Portugal, muitos falam em recusar o acordo, em nome da manutenção da pureza da língua original, porque ele representa a "brasilianização da ortografia", "a colonização dos ex-colonizados". Os argumentos desses portugueses não têm fundamento na realidade. São fantasias.Ler texto completo: AQUI

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