Pickpocket: FAM – 3º Dia

17-07-2009
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VídeosA sessão começou com Manipulação de Massa, documentário que pela milionésima vez bate na tecla de como a mídia manipula a realidade. Os entrevistados vomitavam os mesmos clichês de sempre, independente de que lado o argumento fosse. Lá pelo final, o realizador quis se mostrar espertão e desconstruiu a mise-en-scène, único momento interessante do vídeo. Mauro Shampoo – Jogador, Cabelereiro e Homem, é mais um documentário baseado em um personagem peculiar, o ex-jogador do Íbis, considerado o pior jogador do mundo. Contudo, é engraçadíssimo e cativante, usando do próprio senso de ridículo que o personagem criou para falar de um tipo particular de ser brasileiro. O vídeo peca uma ou outra hora num tom melodramático demais, mas foi gostoso de ver.Três Porquinhos é uma animação que faz um paralelo entre a fábula infantil e a realidade brasileira. O lobo é o policial, o porquinho de casa de palha é um traficante da favela, o porquinho da casa de madeira é um burguês que se droga e o porquinho da casa de tijolos é o político corrupto, o único que escapa da força policial. Idéia razoável para uma animação curta, não mais do que isso. Ó Antenor, Igualmente Nós, é um documentário-ensaio sobre a imagem do pobre no cinema brasileiro, de como ela foi mudando gradualmente do cinema novo à retomada e sobre a distância do povo e o cinema, que simplesmente não tem hábito de ir às salas. É o discurso que boa parte dos acadêmicos de cinema faz e o formato do vídeo não tinha nada de interessante, logo não é mais do que mediano.O Caso do Cantor Desaparecido é uma bobajada de gaúchos indies que insistem em se achar engraçadões, paródicos e endogâmicos (ah, como adoram uma piada interna). O roteiro foi assinado por Marco Martins, coisa que aconteceu também em Isto Não é Um Filme, dos novos protégées da cidade, a Vinil Filmes. Essa era a grande expectativa da sessão, dado o alarde feito na sua estréia e do nome construído em volta de Veludo e Cacos de Vidro. Porém Isto Não é um Filme se mostrou bem insuficiente. Apostou na idéia da metalinguagem por mera brincadeira, mas não a desenvolveu bem. O filme parece pequeno, parece não ter dado conta da proposta que pôs na mesa e teve pouca criatividade em misturar mundos diegéticos. No final o mínimo que se esperava, já que a coisa toda era só uma brincadeirinha de fazer filme, seria que eles desconstruissem também o mundo diegético do bar, que era o mundo real. Mas isso não aconteceu, deixando gostinho ingenuidade. Usaram também pouco do recurso godardiano do choque, da mistura de signos em contextos diferentes, coisa que potencializaria bastante a brincadeira. Enfim, faltou punho, foi uma decepção, apesar de ter um controle de rigor mínimo na sua construção.O Cego era um curta sobre Andréa Tonacci, deixando sedento os órfãos de Bang Bang e bom aperitivo para Serras da Desordem, que passa terça-feira. Serviu como uma bela introdução, apenas. Hillete é uma discussão sobre a imagem dos pobres numa esfera de outdoors digitais feito pela Estácio de Sá, já tradicional em achar que detém a voz dos pobres e confirmando mais uma vez esse rótulo na linha Cidade de Deus. A sessão terminou com dois vídeos argentinos muito ruins, um que era praticamente um videoclipe de uma interminável música do The Doors, fazendo anti-propaganda à guerra (Cuando La Musica Termina), e o outro, muito mal produzido e totalmente descartável, (Pequeño Príncipe).Curtas 35mmA noite de curtas não reservou obras muito boas. La Vanidad de Las Luciérnagas mistura uma estética do tipo Amores Brutos, com o oposto, a atenção a um ratinho perdido na rua. O filme expõe de maneira deselegante, através de um discurso quase proclamado, de que é o ego que move o mundo e seus problemas. Olhos de Pianista é uma animação gaúcha que aposta no fofo, como quase todas. É incrível como o público adulto se infantiliza nesses momentos.Rapsódia para Um Homem Comum foi a grande bomba da noite e também a mais aplaudida. O próprio título já evidencia o tom carregado, transbordado e nauseante dessa obra. Cada plano tem que ser o mais forte e rasgado possível, resultando numa quebra de tom formando ilhas de cenas impactantes que criam alguma relação com o espectador, mas que não fazem um filme. O uso de Beethoven e Raul Seixas como trilha e elemento narrativo só refletem a melancolia infantil da qual o filme se alimenta. Contando ainda com uma idéia meio batida de crise de vida (que pode até ser abordada, desde que seja feito de forma original) e usando temas como a violência da ditadura e o super-homem de Nietzsche, este é um dos filmes mais afetados dos últimos tempos. Toda esta virulência de se discursar o quão triste e opressora é a vida cotidiana e da necessidade de se acordar e ser acordado por uma beleza e esperança, mata a possibilidade de vida que poderia ter no filme. O que se cria são apenas planos de uma empolgação de adolescente dos anos 60 que representam idéias esquemáticas, o oposto do que esse realizador queria com tanto afinco.Wragda foi o experimental da noite e até certo momento parecia muito bom. A estética é original e cativante, mas o filme se fecha com uma alegoria que simplesmente foi ininteligível, e talvez tenha sido construída para ser assim mesmo, coisa que faz o filme despencar. Bom te Ver foi mais um documentário baseado em personagem peculiar e com a coragem de sido feito apenas com entrevistas frontais com a figura protagonista. Logo, o que garante se sucesso é justo e apenas a figura de Ana Rodrigues. É praticamente um não-documentário, que só se evidencia na edição.O Mistério da Japonesa fechou a noite. Provavelmente odiado por quase todos, dada a insistente, desnecessária e fora do tom narração em off. Eu preferi ver este recurso como uma provocação. Num primeiro momento imagina-se que esta estratégia foi montada para manter certa fidelidade ao conto de Valêncio Xavier sobre o encontro do protagonista e da prostituta japonesa, contudo a escolha toma proporções ridiculamente exageradas, apesar de funcionar muito bem em alguns momentos específicos. Por exemplo, no mistério propriamente dito, quando o protagonista, deitado na barriga da prostituta em uma fotografia suntuosa se questiona porque o coração dela bate tão fortemente. Mas fora este momento, quase todos os outros são de um exagero patético da narração, sendo estranho de se pensar na falta de tato de um realizador que no mesmo filme cria imagens tão bonitas. Talvez mais do que provocar, ele quisesse apenas dar um tom de estranheza ao universo e ao protagonista e não conseguiu. De qualquer jeito, lhe dou o benefício da dúvida.Meu Melhor Inimigo (2005), de Alex Bowen – 3/5A melhor surpresa da noite foi o longa-metragem, facilmente o melhor até agora do festival. Meu Melhor Inimigo, produção chilena e argentina conta da quase-guerra que houve entre esses países em 1978. Não há dúvida que o grande trunfo do filme é o roteiro, que tensiona de destensiona situações, botando o público na palma da mão.O filme é um grande libelo contra a guerra e principalmente contra a cultura do militarismo e nacionalismo. Mas o que garante seu sucesso é justamente o que foi o pecado de outras películas neste festival: os personagens e a vida vêm primeiro, o discurso é subproduto disso. Com isso, garante-se uma relação de identificação forte com o público através de uma força que é cara ao cinema.O filme é uma pequena obra-prima na criação de situações e controle dos elementos que formam a narrativa, mas contém um ou outro ponto com problemas. A primeira meia hora é vacilante, insegura, mas acabou servindo de choque para o sucesso das partes posteriores. O uso da música quase sempre é ruim (toda vez que o cachorro entrava em cena, surgia uma música bobinha), assim como a narração em off, que era dramática demais. Mas essas coisas não chegam a estragar o filme e seu olhar para os limites entre a lei e o desejo, de pessoas que se vêem na situação absurda, em um deserto castigante, defendendo ideais que pouco os representam e contra pessoas que compartilham do mesmo senso de vida.Faltam filmes assim no Brasil, que apostem numa idéia muito boa, numa produção relativamente simples e que não tenha que carregar o peso de ser cinema brasileiro.


VídeosA sessão começou com Manipulação de Massa, documentário que pela milionésima vez bate na tecla de como a mídia manipula a realidade. Os entrevistados vomitavam os mesmos clichês de sempre, independente de que lado o argumento fosse. Lá pelo final, o realizador quis se mostrar espertão e desconstruiu a mise-en-scène, único momento interessante do vídeo. Mauro Shampoo – Jogador, Cabelereiro e Homem, é mais um documentário baseado em um personagem peculiar, o ex-jogador do Íbis, considerado o pior jogador do mundo. Contudo, é engraçadíssimo e cativante, usando do próprio senso de ridículo que o personagem criou para falar de um tipo particular de ser brasileiro. O vídeo peca uma ou outra hora num tom melodramático demais, mas foi gostoso de ver.Três Porquinhos é uma animação que faz um paralelo entre a fábula infantil e a realidade brasileira. O lobo é o policial, o porquinho de casa de palha é um traficante da favela, o porquinho da casa de madeira é um burguês que se droga e o porquinho da casa de tijolos é o político corrupto, o único que escapa da força policial. Idéia razoável para uma animação curta, não mais do que isso. Ó Antenor, Igualmente Nós, é um documentário-ensaio sobre a imagem do pobre no cinema brasileiro, de como ela foi mudando gradualmente do cinema novo à retomada e sobre a distância do povo e o cinema, que simplesmente não tem hábito de ir às salas. É o discurso que boa parte dos acadêmicos de cinema faz e o formato do vídeo não tinha nada de interessante, logo não é mais do que mediano.O Caso do Cantor Desaparecido é uma bobajada de gaúchos indies que insistem em se achar engraçadões, paródicos e endogâmicos (ah, como adoram uma piada interna). O roteiro foi assinado por Marco Martins, coisa que aconteceu também em Isto Não é Um Filme, dos novos protégées da cidade, a Vinil Filmes. Essa era a grande expectativa da sessão, dado o alarde feito na sua estréia e do nome construído em volta de Veludo e Cacos de Vidro. Porém Isto Não é um Filme se mostrou bem insuficiente. Apostou na idéia da metalinguagem por mera brincadeira, mas não a desenvolveu bem. O filme parece pequeno, parece não ter dado conta da proposta que pôs na mesa e teve pouca criatividade em misturar mundos diegéticos. No final o mínimo que se esperava, já que a coisa toda era só uma brincadeirinha de fazer filme, seria que eles desconstruissem também o mundo diegético do bar, que era o mundo real. Mas isso não aconteceu, deixando gostinho ingenuidade. Usaram também pouco do recurso godardiano do choque, da mistura de signos em contextos diferentes, coisa que potencializaria bastante a brincadeira. Enfim, faltou punho, foi uma decepção, apesar de ter um controle de rigor mínimo na sua construção.O Cego era um curta sobre Andréa Tonacci, deixando sedento os órfãos de Bang Bang e bom aperitivo para Serras da Desordem, que passa terça-feira. Serviu como uma bela introdução, apenas. Hillete é uma discussão sobre a imagem dos pobres numa esfera de outdoors digitais feito pela Estácio de Sá, já tradicional em achar que detém a voz dos pobres e confirmando mais uma vez esse rótulo na linha Cidade de Deus. A sessão terminou com dois vídeos argentinos muito ruins, um que era praticamente um videoclipe de uma interminável música do The Doors, fazendo anti-propaganda à guerra (Cuando La Musica Termina), e o outro, muito mal produzido e totalmente descartável, (Pequeño Príncipe).Curtas 35mmA noite de curtas não reservou obras muito boas. La Vanidad de Las Luciérnagas mistura uma estética do tipo Amores Brutos, com o oposto, a atenção a um ratinho perdido na rua. O filme expõe de maneira deselegante, através de um discurso quase proclamado, de que é o ego que move o mundo e seus problemas. Olhos de Pianista é uma animação gaúcha que aposta no fofo, como quase todas. É incrível como o público adulto se infantiliza nesses momentos.Rapsódia para Um Homem Comum foi a grande bomba da noite e também a mais aplaudida. O próprio título já evidencia o tom carregado, transbordado e nauseante dessa obra. Cada plano tem que ser o mais forte e rasgado possível, resultando numa quebra de tom formando ilhas de cenas impactantes que criam alguma relação com o espectador, mas que não fazem um filme. O uso de Beethoven e Raul Seixas como trilha e elemento narrativo só refletem a melancolia infantil da qual o filme se alimenta. Contando ainda com uma idéia meio batida de crise de vida (que pode até ser abordada, desde que seja feito de forma original) e usando temas como a violência da ditadura e o super-homem de Nietzsche, este é um dos filmes mais afetados dos últimos tempos. Toda esta virulência de se discursar o quão triste e opressora é a vida cotidiana e da necessidade de se acordar e ser acordado por uma beleza e esperança, mata a possibilidade de vida que poderia ter no filme. O que se cria são apenas planos de uma empolgação de adolescente dos anos 60 que representam idéias esquemáticas, o oposto do que esse realizador queria com tanto afinco.Wragda foi o experimental da noite e até certo momento parecia muito bom. A estética é original e cativante, mas o filme se fecha com uma alegoria que simplesmente foi ininteligível, e talvez tenha sido construída para ser assim mesmo, coisa que faz o filme despencar. Bom te Ver foi mais um documentário baseado em personagem peculiar e com a coragem de sido feito apenas com entrevistas frontais com a figura protagonista. Logo, o que garante se sucesso é justo e apenas a figura de Ana Rodrigues. É praticamente um não-documentário, que só se evidencia na edição.O Mistério da Japonesa fechou a noite. Provavelmente odiado por quase todos, dada a insistente, desnecessária e fora do tom narração em off. Eu preferi ver este recurso como uma provocação. Num primeiro momento imagina-se que esta estratégia foi montada para manter certa fidelidade ao conto de Valêncio Xavier sobre o encontro do protagonista e da prostituta japonesa, contudo a escolha toma proporções ridiculamente exageradas, apesar de funcionar muito bem em alguns momentos específicos. Por exemplo, no mistério propriamente dito, quando o protagonista, deitado na barriga da prostituta em uma fotografia suntuosa se questiona porque o coração dela bate tão fortemente. Mas fora este momento, quase todos os outros são de um exagero patético da narração, sendo estranho de se pensar na falta de tato de um realizador que no mesmo filme cria imagens tão bonitas. Talvez mais do que provocar, ele quisesse apenas dar um tom de estranheza ao universo e ao protagonista e não conseguiu. De qualquer jeito, lhe dou o benefício da dúvida.Meu Melhor Inimigo (2005), de Alex Bowen – 3/5A melhor surpresa da noite foi o longa-metragem, facilmente o melhor até agora do festival. Meu Melhor Inimigo, produção chilena e argentina conta da quase-guerra que houve entre esses países em 1978. Não há dúvida que o grande trunfo do filme é o roteiro, que tensiona de destensiona situações, botando o público na palma da mão.O filme é um grande libelo contra a guerra e principalmente contra a cultura do militarismo e nacionalismo. Mas o que garante seu sucesso é justamente o que foi o pecado de outras películas neste festival: os personagens e a vida vêm primeiro, o discurso é subproduto disso. Com isso, garante-se uma relação de identificação forte com o público através de uma força que é cara ao cinema.O filme é uma pequena obra-prima na criação de situações e controle dos elementos que formam a narrativa, mas contém um ou outro ponto com problemas. A primeira meia hora é vacilante, insegura, mas acabou servindo de choque para o sucesso das partes posteriores. O uso da música quase sempre é ruim (toda vez que o cachorro entrava em cena, surgia uma música bobinha), assim como a narração em off, que era dramática demais. Mas essas coisas não chegam a estragar o filme e seu olhar para os limites entre a lei e o desejo, de pessoas que se vêem na situação absurda, em um deserto castigante, defendendo ideais que pouco os representam e contra pessoas que compartilham do mesmo senso de vida.Faltam filmes assim no Brasil, que apostem numa idéia muito boa, numa produção relativamente simples e que não tenha que carregar o peso de ser cinema brasileiro.

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