O meteorologista

12-10-2009
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Terça-feira, Janeiro 20, 2004

As voltas que o metro dá (publicado n' "O Independente")

Em 1988, passados 16 anos da inauguração do troço Anjos-Alvalade, abriam ao público três novas estações no metro de Lisboa: Laranjeiras, Alto dos Moinhos e Colégio Militar. Os lisboetas, que durante anos ansiaram pelo prolongamento do metro no centro da cidade e desesperavam com a insuficiência do serviço prestado pela Carris, assistiam, em vez disso, à extensão da rede para uma zona quase desabitada, com estações abertas em descampados. A populosa zona de Benfica, mesmo ao lado, era ignorada. Apenas a estação do Colégio Militar se justificava pelo novo interface com os autocarros suburbanos.

Dez anos depois inaugurava-se a linha do Oriente. Por entre a euforia com a Expo'98 e a arquitectura das novas estações, quase ninguém se interrogou sobre o traçado da linha. E no entanto, quem foi lá cima ficou de novo estupefacto com a estação da Bela Vista, situada num descampado a meio da zona de Chelas.

Fomos tentar perceber a lógica de tudo isto. Não foi nada fácil: o Metropolitano de Lisboa - numa atitude de legalidade duvidosa, tratando-se duma empresa pública e concessionária dum serviço público - recusou-se dar-nos acesso a qualquer documentação interna, bem como a conceder-nos uma entrevista. Mas conseguimos perceber algumas coisas: as linhas do Colégio Militar e do Oriente são de facto tabu para a empresa; a expansão da rede foi, ao longo dos anos, fonte de conflitos entre a administração do metro e a tutela; e a Câmara Municipal de Lisboa (CML) mantém uma relação ambígua com o Metropolitano: não estando representada na administração, acaba por ter uma influência determinante na definição da rede, conseguindo com que o metro avance por terrenos municipais em obediência a planos de urbanização que nem sempre consegue pôr em prática.

O ovo de Colombo

No princípio dos anos 80 decidiu-se pôr em prática um antigo plano que previa a construção dum Centro Administrativo, e o metro foi prolongado para os terrenos municipais em que ele seria construído. Quando a obra estava quase concluída, o plano foi abandonado, e a grande justificação passou a ser o interface do Colégio Militar. Entretanto, em 1987, a CML decidira ceder, em troca da construção das infraestruturas rodoviárias, um enorme lote de terreno mesmo ao lado desta estação para construção dum centro comercial. E dez longos anos e muitos percalços mais tarde o imponente Colombo era inaugurado.

Entretanto, as estações das Laranjeiras, para onde estava previsto o Luna Parque, e do Alto dos Moinhos, que esteve quase até à véspera da inauguração para se chamar Centro Administrativo, continuam quase às moscas.

A caminho do Oriente

No Plano de Urbanização de Chelas, de 1964, já estava prevista uma estação no chamado Centro de Chelas, que iria servir um grande complexo comercial e de serviços. No Plano Estratégico de Lisboa, de 1992, esta opção foi retomada.

José Manuel Viegas, catedrático de Transportes no Instituto Superior Técnico, foi o responsável pela elaboração do traçado: "A longo prazo, a linha da Expo seria a grande transversal oblíqua da rede de metro que cruzaria todas as outras e as ligava à estação do Oriente, o principal términus das linhas ferroviárias de longo curso. No curto prazo, houve uma preocupação de promover a coesão social em Chelas, evitando que esta zona se transformasse num gueto."

O projecto em curso no centro de Chelas consiste em quatro torres de 16 andares para habitação no segmento médio/alto, escritórios e um centro comercial Feira Nova, e é altamente controverso (ver texto ao lado). Mas o bairro camarário da Quinta do Armador, situado mesmo ao lado, não tem ainda uma saída de metro. O mesmo se passa com a mais populosa Quinta do Condado (a célebre Zona J). De qualquer modo, a grande dispersão geográfica e as novas ligações rodoviárias que entretanto quebraram o isolamento do bairro fazem prever que as duas estações de Chelas continuem a não ser muito utilizadas pelos seus habitantes, tal como acontece com a dos Olivais. E a estação do Oriente não cumpre a função para que foi pensada, e parece duvidoso que alguma vez o venha a fazer.

Os planos do Metro

Desde o princípio que as sucessivas administrações do Metro pensaram em dar prioridade ao alargamento da rede no centro da cidade. Em Janeiro de 1985 Pestana Bastos, então presidente da empresa, afirmava ao "Expresso", a propósito do prolongamento do Colégio Militar: "Foi tudo feito ao contrário". Em Outubro de 1992, o seu sucessor Consiglieri Pedroso resignava-se: "Dizem-nos para onde querem levar o metro, e nós estudamos tudo, dizemos como se faz e, se aprovarem, fazemos", afirmava ao "Público", ao mesmo tempo que revelava os seus planos para servir a Expo'98: a partir do Campo Grande, pelo Aeroporto, Olivais, Moscavide e Sacavém, com uma ligação por monorail ao recinto da exposição.

Nesse mesmo ano, o Metro e a STCP, juntamente com José Manuel Viegas, tinham constituído a TIS, que passa a elaborar os planos de expansão da rede, e em Abril de 1993 o ministro Ferreira do Amaral anuncia a construção da linha do Oriente com o actual traçado.

Uma questão de prioridades

Segundo um estudo de tráfego referente a Dezembro de 1999, várias estações da linha azul estão quase às moscas (Parque, Laranjeiras, Alto dos Moinhos e Carnide, todas com menos de 8 mil passageiros por dia). A linha do Oriente é um fracasso na generalidade - as estações de Olivais, Bela Vista e Cabo Ruivo registam valores ainda mais reduzidos, apesar dos cerca de 54 mil habitantes de Chelas e dos 100 mil dos Olivais.

O metro é uma infraestrutura muito cara - o plano de expansão da rede entre 1989 e 2000, que inclui as linhas da Baixa, a extensão à Pontinha e a linha do Oriente, foi orçamentado em 395,6 milhões de contos, e o último relatório e contas do Metropolitano de Lisboa, de 1998, revela um resultado líquido negativo de 15,682 milhões de contos. Segundo Fernando Nunes da Silva, urbanista e especialista em transportes do Instituto Superior Técnico, o valor a partir do qual se justifica o investimento no metro é de 10 mil passageiros por hora no período de ponta.

O que está em causa é a estratégia e as prioridades. "A primeira prioridade do metro deveria ter sido desenvolver os transportes públicos no centro da cidade, de modo a que constituíssem uma boa alternativa ao transporte individual", diz Margarida Sousa Lobo, urbanista e professora da Universidade Nova. "Não tem havido uma estratégia a longo prazo do Metropolitano de Lisboa", defende Nunes da Silva. "Houve decisões avulsas que talvez se expliquem pela promoção imobiliária, mas não certamente pelas necessidades imperiosas da cidade de Lisboa. O que tem acontecido é o Estado financiar linhas que beneficiam negócios privados, que ficam com esta infraestrutura de borla. A prioridade absoluta era a ligação ao rio e com os caminhos de ferro suburbanos, além da ligação entre as várias linha radiais e o serviço das zonas onde é mais difícil de assegurar o transporte rodoviário.". O seu colega José Manuel Viegas concorda na generalidade, mas acrescenta, pragmático: "A democracia tem os seus custos, e as razões do político nem sempre coincidem com a do técnico."

Ana Paula Vitorino, também urbanista do Técnico e ex-chefe de gabinete do secretário de Estado dos Transportes no primeiro governo de Guterres, deita água na fervura, lembrando que a construção de linhas na zona histórica de Lisboa é tecnicamente mais difícil e cara do que na zona alta, devido ao relevo acidentado, ao traçado das ruas - que não permite a construção a céu aberto - e ao estado precário de muitos edifícios - e aqui basta pensar em todos os percalços ocorridos nas linhas Baixa, como no Carmo e agora no Terreiro do Paço.

Uma solução?

A partir da nacionalização do Metro (que até aí pertencia à CML), em 1975, as decisões dos sucessivos governos e as pressões da CML sobrepuseram-se aos planos de várias administrações da empresa, sem que as responsabilidade possam ser claramente atribuídas, uma vez que estão diluídas entre a empresa, a CML e a tutela. Os prejuízos são cobertos, é claro, pelo Estado - ou seja, por todos nós.

"Quem vai explorar a rede deve participar na sua concepção e assumir os custos de exploração", defende Nunes da Silva. Ou seja, se as câmaras, por exemplo, assumissem os custos de exploração do metro não iriam pressionar a construção de linhas sem passageiros.

Ana Paula Vitorino é contra esta opção, afirmando que o Estado deve limitar-se a coordenar e construir as infraestruturas, entregando depois a exploração a privados e põe a tónica na necessidade duma autoridade metropolitana de transportes que assuma esse papel - necessidade com que todos os especialistas e transportadoras concordam.

Entretanto, a história repete-se: a ultraprioritária ligação entre a Alameda e S. Sebastião - a tal que justificava a opção da linha do Oriente - foi adiada a favor do prolongamento da linha da Pontinha para a Falagueira, na Amadora - cuja estação terminal fica, mais uma vez, num descampado. E o ministro do Equipamento acaba de anunciar a construção duma linha de monorail entre o Parque das Nações e o aeroporto.

Caixa

Uma experiência controversa

O bairro de Chelas teve uma infância atribulada que o marcou para sempre. Foi um dos últimos, na sequência de Alvalade e dos Olivais, duma série de bairros planeados de raiz e construídos graças às expropriações em massa feitas pelo célebre ministro das Obras Públicas do governo de Salazar e presidente da CML, Duarte Pacheco.

O bairro fora concebido, tal como os outros, para residência de pessoas de vários estratos - recorde-se que grande parte de Alvalade são bairros sociais, por estranho que isso nos pareça agora. As ocupações durante o Verão Quente de 1975 marcaram para sempre o destino de Chelas, e as políticas de realojamento que se seguiram ao longo dos anos mais não fizeram do que agravá-lo, tornando-o uma espécie de gueto isolado do resto da cidade. Os espaços verdes só recentemente têm vindo a ser concretizados, e o centro de comércio e serviços previsto começou agora a ser construído (o dos Olivais demorou 30 anos). Quanto ao arranjo dos espaços envolventes, quase nada foi feito. E os realojamentos têm prosseguido em força nos últimos dez anos.

"Este conceito de cidade está hoje completamente posto de parte. A situação tornou-se ainda pior pela ocupação quase exclusiva por pessoas com problemas económicos e de inserção social, pelo que o plano deveria ser profundamente revisto", diz Margarida Sousa Lobo. Para mais, os realojamentos têm continuado. "Chelas tornou-se um local de peregrinação obrigatória de urbanistas e autarcas estrangeiros, que ficam espantados com o que vêem: 'Vocês estão a fazer isto agora, enquanto nós estamos a implodir os nossos blocos de habitação social'", reforça Nunes da Silva. Num artigo de 1999 publicado na revista "Sociedade e Território" sobre os programas de realojamento, o urbanista Fonseca Ferreira, actual presidente da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, escrevia: "Os bairros sociais construídos e em construção são, frequentemente, desastres urbanísticos e configuram novos espaços de exclusão. A sua demolição, na maior parte dos casos, será inevitável e médio prazo, à semelhança do que tem acontecido em diversos países europeus".

O plano dos anos 60 não foi revisto, mas a concepção da zona de serviços e comércio prevista desde o início foi alterada de acordo com o espírito dos tempos. Assim, está a surgir um grande complexo, constituído por quatro torres de 16 andares para habitação de segmento médio/alto, escritórios e um centro comercial Feira Nova, tudo suspenso sobre a Avenida Central de Chelas e envolvido por um anel rodoviário, com a estação de metro por baixo. Uma autêntica ilha fortificada de consumo e bem-estar rodeada de bairros sociais miseráveis.

Mais acima, numa rotunda na Avenida dos EUA, vão ser construídas as novas instalações do "Expresso" e de vários serviços da CML, como os arquivos municipais e a Hemeroteca, estando ainda prevista a deslocação para aí dos tribunais criminais. Tudo isto já fora do raio de alcance da estação da Bela Vista.

"A Câmara pretende requalificar a zona de Chelas, atraindo serviços de prestígio e habitantes de estratos sociais mais elevados", diz Margarida Magalhães, vereadora do Urbanismo da CML. O arquitecto Leonel Fadigas, presidente da Ambelis, a empresa municipal responsável pelo estudo prévio do centro de Chelas, de 1995, reconhece que o que está a ser feito não tem muito a ver com o previsto no estudo mas mostra-se moderadamente optimista, manifestando uma atitude de esperar para ver.

Mas há quem discorde violentamente: "Não é construindo bairros de ricos ao lado de bairros de pobres que se faz o reequilíbrio social", contrapõe Nunes da Silva, "mas sim com prédios de ricos, médios e pobres ao lado uns dos outros, e de preferência com os pobres em minoria. Foi assim que se fez em Alvalade e nos Olivais e resultou. Assim está-se a criar uma situação explosiva." E em Chelas há quem esteja apreensivo com os efeitos do Feira Nova sobre o pequeno comércio de bairro - quase os únicos espaços de convívio que aí existem.

Dos 5,5 milhões de contos que o consórcio Edifer/Alves Ribeiro/Feira Nova pagou pelo terreno, a Câmara recebe um pouco menos de 300 mil contos, sendo o restante pago com a construção do prolongamento da Av. dos Estados Unidos e do anel rodoviário - que vai servir, além do mais, o próprio acesso ao hipermercado. Quanto a Balsemão, o terreno para o "Expresso" (cujas actuais instalações não podem ser ampliadas por o edifício estar classificado) foi trocado pelas antigas instalações do jornal "A Capital", no Bairro Alto, onde se encontra agora instalado o grupo teatral Artistas Unidos, ficando a Sojornal obrigada a fazer obras no edifício no valor de cerca de 200 mil contos.

Terça-feira, Janeiro 20, 2004

As voltas que o metro dá (publicado n' "O Independente")

Em 1988, passados 16 anos da inauguração do troço Anjos-Alvalade, abriam ao público três novas estações no metro de Lisboa: Laranjeiras, Alto dos Moinhos e Colégio Militar. Os lisboetas, que durante anos ansiaram pelo prolongamento do metro no centro da cidade e desesperavam com a insuficiência do serviço prestado pela Carris, assistiam, em vez disso, à extensão da rede para uma zona quase desabitada, com estações abertas em descampados. A populosa zona de Benfica, mesmo ao lado, era ignorada. Apenas a estação do Colégio Militar se justificava pelo novo interface com os autocarros suburbanos.

Dez anos depois inaugurava-se a linha do Oriente. Por entre a euforia com a Expo'98 e a arquitectura das novas estações, quase ninguém se interrogou sobre o traçado da linha. E no entanto, quem foi lá cima ficou de novo estupefacto com a estação da Bela Vista, situada num descampado a meio da zona de Chelas.

Fomos tentar perceber a lógica de tudo isto. Não foi nada fácil: o Metropolitano de Lisboa - numa atitude de legalidade duvidosa, tratando-se duma empresa pública e concessionária dum serviço público - recusou-se dar-nos acesso a qualquer documentação interna, bem como a conceder-nos uma entrevista. Mas conseguimos perceber algumas coisas: as linhas do Colégio Militar e do Oriente são de facto tabu para a empresa; a expansão da rede foi, ao longo dos anos, fonte de conflitos entre a administração do metro e a tutela; e a Câmara Municipal de Lisboa (CML) mantém uma relação ambígua com o Metropolitano: não estando representada na administração, acaba por ter uma influência determinante na definição da rede, conseguindo com que o metro avance por terrenos municipais em obediência a planos de urbanização que nem sempre consegue pôr em prática.

O ovo de Colombo

No princípio dos anos 80 decidiu-se pôr em prática um antigo plano que previa a construção dum Centro Administrativo, e o metro foi prolongado para os terrenos municipais em que ele seria construído. Quando a obra estava quase concluída, o plano foi abandonado, e a grande justificação passou a ser o interface do Colégio Militar. Entretanto, em 1987, a CML decidira ceder, em troca da construção das infraestruturas rodoviárias, um enorme lote de terreno mesmo ao lado desta estação para construção dum centro comercial. E dez longos anos e muitos percalços mais tarde o imponente Colombo era inaugurado.

Entretanto, as estações das Laranjeiras, para onde estava previsto o Luna Parque, e do Alto dos Moinhos, que esteve quase até à véspera da inauguração para se chamar Centro Administrativo, continuam quase às moscas.

A caminho do Oriente

No Plano de Urbanização de Chelas, de 1964, já estava prevista uma estação no chamado Centro de Chelas, que iria servir um grande complexo comercial e de serviços. No Plano Estratégico de Lisboa, de 1992, esta opção foi retomada.

José Manuel Viegas, catedrático de Transportes no Instituto Superior Técnico, foi o responsável pela elaboração do traçado: "A longo prazo, a linha da Expo seria a grande transversal oblíqua da rede de metro que cruzaria todas as outras e as ligava à estação do Oriente, o principal términus das linhas ferroviárias de longo curso. No curto prazo, houve uma preocupação de promover a coesão social em Chelas, evitando que esta zona se transformasse num gueto."

O projecto em curso no centro de Chelas consiste em quatro torres de 16 andares para habitação no segmento médio/alto, escritórios e um centro comercial Feira Nova, e é altamente controverso (ver texto ao lado). Mas o bairro camarário da Quinta do Armador, situado mesmo ao lado, não tem ainda uma saída de metro. O mesmo se passa com a mais populosa Quinta do Condado (a célebre Zona J). De qualquer modo, a grande dispersão geográfica e as novas ligações rodoviárias que entretanto quebraram o isolamento do bairro fazem prever que as duas estações de Chelas continuem a não ser muito utilizadas pelos seus habitantes, tal como acontece com a dos Olivais. E a estação do Oriente não cumpre a função para que foi pensada, e parece duvidoso que alguma vez o venha a fazer.

Os planos do Metro

Desde o princípio que as sucessivas administrações do Metro pensaram em dar prioridade ao alargamento da rede no centro da cidade. Em Janeiro de 1985 Pestana Bastos, então presidente da empresa, afirmava ao "Expresso", a propósito do prolongamento do Colégio Militar: "Foi tudo feito ao contrário". Em Outubro de 1992, o seu sucessor Consiglieri Pedroso resignava-se: "Dizem-nos para onde querem levar o metro, e nós estudamos tudo, dizemos como se faz e, se aprovarem, fazemos", afirmava ao "Público", ao mesmo tempo que revelava os seus planos para servir a Expo'98: a partir do Campo Grande, pelo Aeroporto, Olivais, Moscavide e Sacavém, com uma ligação por monorail ao recinto da exposição.

Nesse mesmo ano, o Metro e a STCP, juntamente com José Manuel Viegas, tinham constituído a TIS, que passa a elaborar os planos de expansão da rede, e em Abril de 1993 o ministro Ferreira do Amaral anuncia a construção da linha do Oriente com o actual traçado.

Uma questão de prioridades

Segundo um estudo de tráfego referente a Dezembro de 1999, várias estações da linha azul estão quase às moscas (Parque, Laranjeiras, Alto dos Moinhos e Carnide, todas com menos de 8 mil passageiros por dia). A linha do Oriente é um fracasso na generalidade - as estações de Olivais, Bela Vista e Cabo Ruivo registam valores ainda mais reduzidos, apesar dos cerca de 54 mil habitantes de Chelas e dos 100 mil dos Olivais.

O metro é uma infraestrutura muito cara - o plano de expansão da rede entre 1989 e 2000, que inclui as linhas da Baixa, a extensão à Pontinha e a linha do Oriente, foi orçamentado em 395,6 milhões de contos, e o último relatório e contas do Metropolitano de Lisboa, de 1998, revela um resultado líquido negativo de 15,682 milhões de contos. Segundo Fernando Nunes da Silva, urbanista e especialista em transportes do Instituto Superior Técnico, o valor a partir do qual se justifica o investimento no metro é de 10 mil passageiros por hora no período de ponta.

O que está em causa é a estratégia e as prioridades. "A primeira prioridade do metro deveria ter sido desenvolver os transportes públicos no centro da cidade, de modo a que constituíssem uma boa alternativa ao transporte individual", diz Margarida Sousa Lobo, urbanista e professora da Universidade Nova. "Não tem havido uma estratégia a longo prazo do Metropolitano de Lisboa", defende Nunes da Silva. "Houve decisões avulsas que talvez se expliquem pela promoção imobiliária, mas não certamente pelas necessidades imperiosas da cidade de Lisboa. O que tem acontecido é o Estado financiar linhas que beneficiam negócios privados, que ficam com esta infraestrutura de borla. A prioridade absoluta era a ligação ao rio e com os caminhos de ferro suburbanos, além da ligação entre as várias linha radiais e o serviço das zonas onde é mais difícil de assegurar o transporte rodoviário.". O seu colega José Manuel Viegas concorda na generalidade, mas acrescenta, pragmático: "A democracia tem os seus custos, e as razões do político nem sempre coincidem com a do técnico."

Ana Paula Vitorino, também urbanista do Técnico e ex-chefe de gabinete do secretário de Estado dos Transportes no primeiro governo de Guterres, deita água na fervura, lembrando que a construção de linhas na zona histórica de Lisboa é tecnicamente mais difícil e cara do que na zona alta, devido ao relevo acidentado, ao traçado das ruas - que não permite a construção a céu aberto - e ao estado precário de muitos edifícios - e aqui basta pensar em todos os percalços ocorridos nas linhas Baixa, como no Carmo e agora no Terreiro do Paço.

Uma solução?

A partir da nacionalização do Metro (que até aí pertencia à CML), em 1975, as decisões dos sucessivos governos e as pressões da CML sobrepuseram-se aos planos de várias administrações da empresa, sem que as responsabilidade possam ser claramente atribuídas, uma vez que estão diluídas entre a empresa, a CML e a tutela. Os prejuízos são cobertos, é claro, pelo Estado - ou seja, por todos nós.

"Quem vai explorar a rede deve participar na sua concepção e assumir os custos de exploração", defende Nunes da Silva. Ou seja, se as câmaras, por exemplo, assumissem os custos de exploração do metro não iriam pressionar a construção de linhas sem passageiros.

Ana Paula Vitorino é contra esta opção, afirmando que o Estado deve limitar-se a coordenar e construir as infraestruturas, entregando depois a exploração a privados e põe a tónica na necessidade duma autoridade metropolitana de transportes que assuma esse papel - necessidade com que todos os especialistas e transportadoras concordam.

Entretanto, a história repete-se: a ultraprioritária ligação entre a Alameda e S. Sebastião - a tal que justificava a opção da linha do Oriente - foi adiada a favor do prolongamento da linha da Pontinha para a Falagueira, na Amadora - cuja estação terminal fica, mais uma vez, num descampado. E o ministro do Equipamento acaba de anunciar a construção duma linha de monorail entre o Parque das Nações e o aeroporto.

Caixa

Uma experiência controversa

O bairro de Chelas teve uma infância atribulada que o marcou para sempre. Foi um dos últimos, na sequência de Alvalade e dos Olivais, duma série de bairros planeados de raiz e construídos graças às expropriações em massa feitas pelo célebre ministro das Obras Públicas do governo de Salazar e presidente da CML, Duarte Pacheco.

O bairro fora concebido, tal como os outros, para residência de pessoas de vários estratos - recorde-se que grande parte de Alvalade são bairros sociais, por estranho que isso nos pareça agora. As ocupações durante o Verão Quente de 1975 marcaram para sempre o destino de Chelas, e as políticas de realojamento que se seguiram ao longo dos anos mais não fizeram do que agravá-lo, tornando-o uma espécie de gueto isolado do resto da cidade. Os espaços verdes só recentemente têm vindo a ser concretizados, e o centro de comércio e serviços previsto começou agora a ser construído (o dos Olivais demorou 30 anos). Quanto ao arranjo dos espaços envolventes, quase nada foi feito. E os realojamentos têm prosseguido em força nos últimos dez anos.

"Este conceito de cidade está hoje completamente posto de parte. A situação tornou-se ainda pior pela ocupação quase exclusiva por pessoas com problemas económicos e de inserção social, pelo que o plano deveria ser profundamente revisto", diz Margarida Sousa Lobo. Para mais, os realojamentos têm continuado. "Chelas tornou-se um local de peregrinação obrigatória de urbanistas e autarcas estrangeiros, que ficam espantados com o que vêem: 'Vocês estão a fazer isto agora, enquanto nós estamos a implodir os nossos blocos de habitação social'", reforça Nunes da Silva. Num artigo de 1999 publicado na revista "Sociedade e Território" sobre os programas de realojamento, o urbanista Fonseca Ferreira, actual presidente da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, escrevia: "Os bairros sociais construídos e em construção são, frequentemente, desastres urbanísticos e configuram novos espaços de exclusão. A sua demolição, na maior parte dos casos, será inevitável e médio prazo, à semelhança do que tem acontecido em diversos países europeus".

O plano dos anos 60 não foi revisto, mas a concepção da zona de serviços e comércio prevista desde o início foi alterada de acordo com o espírito dos tempos. Assim, está a surgir um grande complexo, constituído por quatro torres de 16 andares para habitação de segmento médio/alto, escritórios e um centro comercial Feira Nova, tudo suspenso sobre a Avenida Central de Chelas e envolvido por um anel rodoviário, com a estação de metro por baixo. Uma autêntica ilha fortificada de consumo e bem-estar rodeada de bairros sociais miseráveis.

Mais acima, numa rotunda na Avenida dos EUA, vão ser construídas as novas instalações do "Expresso" e de vários serviços da CML, como os arquivos municipais e a Hemeroteca, estando ainda prevista a deslocação para aí dos tribunais criminais. Tudo isto já fora do raio de alcance da estação da Bela Vista.

"A Câmara pretende requalificar a zona de Chelas, atraindo serviços de prestígio e habitantes de estratos sociais mais elevados", diz Margarida Magalhães, vereadora do Urbanismo da CML. O arquitecto Leonel Fadigas, presidente da Ambelis, a empresa municipal responsável pelo estudo prévio do centro de Chelas, de 1995, reconhece que o que está a ser feito não tem muito a ver com o previsto no estudo mas mostra-se moderadamente optimista, manifestando uma atitude de esperar para ver.

Mas há quem discorde violentamente: "Não é construindo bairros de ricos ao lado de bairros de pobres que se faz o reequilíbrio social", contrapõe Nunes da Silva, "mas sim com prédios de ricos, médios e pobres ao lado uns dos outros, e de preferência com os pobres em minoria. Foi assim que se fez em Alvalade e nos Olivais e resultou. Assim está-se a criar uma situação explosiva." E em Chelas há quem esteja apreensivo com os efeitos do Feira Nova sobre o pequeno comércio de bairro - quase os únicos espaços de convívio que aí existem.

Dos 5,5 milhões de contos que o consórcio Edifer/Alves Ribeiro/Feira Nova pagou pelo terreno, a Câmara recebe um pouco menos de 300 mil contos, sendo o restante pago com a construção do prolongamento da Av. dos Estados Unidos e do anel rodoviário - que vai servir, além do mais, o próprio acesso ao hipermercado. Quanto a Balsemão, o terreno para o "Expresso" (cujas actuais instalações não podem ser ampliadas por o edifício estar classificado) foi trocado pelas antigas instalações do jornal "A Capital", no Bairro Alto, onde se encontra agora instalado o grupo teatral Artistas Unidos, ficando a Sojornal obrigada a fazer obras no edifício no valor de cerca de 200 mil contos.

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