Café Mondego: Prenda de Natal

01-10-2009
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Parece-me uma boa prenda de Natal. Principalmente para as crianças, mas que pode agradar a todos. É um livro de poemas meus, que tem ilustrações de Alexandre Gamelas.Infelizmente, não o tenho visto pelas livrarias, o que quer dizer que a editora se terá esquecido dele, depois de ter sido uma novidade. Como já tem uns meses... o livro é quase clandestino. No entanto, parece-me ser, mesmo, uma boa prenda para as crianças, neste Natal. Como não sei se vende na minha (nossa, pois o Alexandre também é da Guarda) deixo aqui a morada da editora:http://arcadasletras.no.sapo.pt/A este propósito, fica aqui a crítica feita pela Professora Doutora Antonieta Garcia à citada obra:"Ainda que a obra literária não convoque todos para a mesma festa, como disse Umberto Eco, afirmamos que O Céu da boca, de Américo Rodrigues e de Alexandre Gamelas, oferece um animado banquete.Começa-se pelo título, um triunfo, o sintagma de identificação do texto. O Céu da boca é a palavra à solta, e lê-la, dizê-la, permite o retorno / ascensão a uma liberdade primordial, harmónica. A voz transgressora de Américo Rodrigues desafiou-nos para o desfribrar, o fruir a polissemia da obra, para uma relação de “racionalidade afectiva” com o texto.Ludicamente, indisciplina a palavra, cria situações/ condições motivantes de combinação e de enriquecimento de diferentes semânticas do real. A tradição e a modernidade acasalam – o Papa formigas é trava línguas em alforria; Crocodilo joga com a homografia (...Percebes? – O percebes é um crustáceo); com o ponto de exclamação (Coitadinho do ponto de exclamação / Sempre a exclamar / a clamar!); números cabalísticos são ironizados em A bicha de sete cabeças que pensa sempre/ sete vezes/ o que fazer/ com as setenta patas/ e/ os setecentos braços/ e/ os sete mil olhos; Há um feijão que é frade a aproximar-se das histórias sem fim, tradicionais, mas com autonomia total -.Em todo o texto, as vocalizações, as rimas surpreendentes radicam na exploração dos recursos gráficos e sonoros das letras, dispostas em várias direcções, em demanda de outras, novas linguagens. Vanguardista, Américo Rodrigues saboreia esta forma de manejar fonemas e grafemas, anima novas categorias do dizer, do começo ao fim do livro.Desviando-se da dimensão vertical da coluna e horizontal das linhas, letras e espaços em branco exploram sentidos – Sou uma lagarta/ Pre gui ço sa! Gosto muito de/ Dor mir! (...); o S desenrola-se: Sim ou sopa? / Sim ou sumo? / (...) e salpicão, e salsicha e salada e sabão e santola, sardinha, sarrabulho..., em jogo de perguntas com um Não! a finalizar várias estâncias, até conseguir fazer entrar a colher da sopa, na boca da Simoneta; o divertido Papa formigas poderá ter a mesma função; o Z desvaira: O Zé/ gosta da palavra/ ziguezague/ não sabe por que é que o Zigue/ ziguezagueia/ nem por que é/ que a Zagueia / gosta do Zigue/ nem por que é/ que o Zi/ que zagueia (...) / até que passe a andar sempre / em linha recta –.Surrealista, dotado de sensibilidade especial para as palavras, para os seus recursos, o escritor inventa-as e reinventa-as em sintaxes lúdicas – ziguezaguiário, O búzio/ tem um som misteriúzio/ O marúzio / do meu búzio / tem um som estranhúzio (e outros úzios...). Leão papão (...) Com cola rápida/ rapidamente/ colarapidamente... -.O humor, tão raro em textos para crianças, advoga novo prazer de ler, dizer e brincar – O/ Renato/ que é um pato/ aliás/ que parece um pato/ lilás (...); O Cágado não pode perder/ o acento. / O asterisco/ é / melhor que o marisco! / O pinguim faz um chinfrim! Pois sim! Pim! Pim! Pim! Pim! Im! Im! A vaca Valquíria / (...) A vaca é cantora/ de ópera... –Américo Rodrigues parodia a rima, o significado ortodoxo das palavras, e desafia o leitor a entrar no mundo dos re-criadores de literatura, guia-o num projecto que o desfrute do texto concretiza.O Poeta sabe-se um vidente da palavra: sente-lhe a materialidade vocal, a melodia, os tons cromáticos, a maciez ou a aspereza... frui o Verbo. Entrega-se voluptuosa e magicamente aos sons, enleia o emocional e o racional, o visto e o ouvido, o captado e o reflectido, a fugacidade e o permanente... os fragmentos de todos os instantes.Possuído por palavras que ganham corpo, sentidas diferentemente, dinamizadas pela acção da fantasia e do jogo, criança e adulto (que não perdeu o menino que tem dentro de si), poderão relacionar-se de forma nova com a linguagem. O Céu da Boca sugere a integração de jogos verbais, a experimentação da palavra em situação de liberdade, e desencadeará um prazer renovado. Praticados em oficinas de escrita, em modalidades que pedagogos e surrealistas divulgaram, constituem um desafio; jogar com sons, com grafemas, com vocábulos, com significações desvela potencialidades da língua. Ensaiar a expressão do ritmo e das figuras fónicas, a disposição gráfica e os tipografismos, experimentar o carácter cinético e cinemático do texto é a viagem fascinante em tapete de feiticeiro... que O Céu da boca oferece. Como defendia o Grupo Francês de Educação Nova estes textos e jogos podem reconciliar poesia e pedagogia.Esta obra fará as delícias de qualquer professor de Português. Quem quiser inovar, deixe-se enfeitiçar, deleite-se com os desafios que a aliança entre palavra, música, gesto e imagem suscitam. Se souber e puder, faça este pacto com o texto. Na (a)ventura da escrita e da leitura há uma luz visível que guia o diálogo com o processo de criação entretecido na viagem ao tempo da infância. Temas e motivos recorrem a vozes contadas e lidas, as emoções desenrolam-se no teatro das palavras; aqui velejam velhas palavras de histórias infantis com a imaginação a juntar pontas de símbolos e de fios que urdem outros novos textos...As ilustrações de Alexandre Gamelas, transgressoras, criativas, afinam os sentidos, criando movimento numa teia de cores vibrante, brincalhona, que acompanha e enriquece o texto. O poder da criatividade tece-se com palavras e imagens em O Céu da Boca.Maria Antonieta Garcia"


Parece-me uma boa prenda de Natal. Principalmente para as crianças, mas que pode agradar a todos. É um livro de poemas meus, que tem ilustrações de Alexandre Gamelas.Infelizmente, não o tenho visto pelas livrarias, o que quer dizer que a editora se terá esquecido dele, depois de ter sido uma novidade. Como já tem uns meses... o livro é quase clandestino. No entanto, parece-me ser, mesmo, uma boa prenda para as crianças, neste Natal. Como não sei se vende na minha (nossa, pois o Alexandre também é da Guarda) deixo aqui a morada da editora:http://arcadasletras.no.sapo.pt/A este propósito, fica aqui a crítica feita pela Professora Doutora Antonieta Garcia à citada obra:"Ainda que a obra literária não convoque todos para a mesma festa, como disse Umberto Eco, afirmamos que O Céu da boca, de Américo Rodrigues e de Alexandre Gamelas, oferece um animado banquete.Começa-se pelo título, um triunfo, o sintagma de identificação do texto. O Céu da boca é a palavra à solta, e lê-la, dizê-la, permite o retorno / ascensão a uma liberdade primordial, harmónica. A voz transgressora de Américo Rodrigues desafiou-nos para o desfribrar, o fruir a polissemia da obra, para uma relação de “racionalidade afectiva” com o texto.Ludicamente, indisciplina a palavra, cria situações/ condições motivantes de combinação e de enriquecimento de diferentes semânticas do real. A tradição e a modernidade acasalam – o Papa formigas é trava línguas em alforria; Crocodilo joga com a homografia (...Percebes? – O percebes é um crustáceo); com o ponto de exclamação (Coitadinho do ponto de exclamação / Sempre a exclamar / a clamar!); números cabalísticos são ironizados em A bicha de sete cabeças que pensa sempre/ sete vezes/ o que fazer/ com as setenta patas/ e/ os setecentos braços/ e/ os sete mil olhos; Há um feijão que é frade a aproximar-se das histórias sem fim, tradicionais, mas com autonomia total -.Em todo o texto, as vocalizações, as rimas surpreendentes radicam na exploração dos recursos gráficos e sonoros das letras, dispostas em várias direcções, em demanda de outras, novas linguagens. Vanguardista, Américo Rodrigues saboreia esta forma de manejar fonemas e grafemas, anima novas categorias do dizer, do começo ao fim do livro.Desviando-se da dimensão vertical da coluna e horizontal das linhas, letras e espaços em branco exploram sentidos – Sou uma lagarta/ Pre gui ço sa! Gosto muito de/ Dor mir! (...); o S desenrola-se: Sim ou sopa? / Sim ou sumo? / (...) e salpicão, e salsicha e salada e sabão e santola, sardinha, sarrabulho..., em jogo de perguntas com um Não! a finalizar várias estâncias, até conseguir fazer entrar a colher da sopa, na boca da Simoneta; o divertido Papa formigas poderá ter a mesma função; o Z desvaira: O Zé/ gosta da palavra/ ziguezague/ não sabe por que é que o Zigue/ ziguezagueia/ nem por que é/ que a Zagueia / gosta do Zigue/ nem por que é/ que o Zi/ que zagueia (...) / até que passe a andar sempre / em linha recta –.Surrealista, dotado de sensibilidade especial para as palavras, para os seus recursos, o escritor inventa-as e reinventa-as em sintaxes lúdicas – ziguezaguiário, O búzio/ tem um som misteriúzio/ O marúzio / do meu búzio / tem um som estranhúzio (e outros úzios...). Leão papão (...) Com cola rápida/ rapidamente/ colarapidamente... -.O humor, tão raro em textos para crianças, advoga novo prazer de ler, dizer e brincar – O/ Renato/ que é um pato/ aliás/ que parece um pato/ lilás (...); O Cágado não pode perder/ o acento. / O asterisco/ é / melhor que o marisco! / O pinguim faz um chinfrim! Pois sim! Pim! Pim! Pim! Pim! Im! Im! A vaca Valquíria / (...) A vaca é cantora/ de ópera... –Américo Rodrigues parodia a rima, o significado ortodoxo das palavras, e desafia o leitor a entrar no mundo dos re-criadores de literatura, guia-o num projecto que o desfrute do texto concretiza.O Poeta sabe-se um vidente da palavra: sente-lhe a materialidade vocal, a melodia, os tons cromáticos, a maciez ou a aspereza... frui o Verbo. Entrega-se voluptuosa e magicamente aos sons, enleia o emocional e o racional, o visto e o ouvido, o captado e o reflectido, a fugacidade e o permanente... os fragmentos de todos os instantes.Possuído por palavras que ganham corpo, sentidas diferentemente, dinamizadas pela acção da fantasia e do jogo, criança e adulto (que não perdeu o menino que tem dentro de si), poderão relacionar-se de forma nova com a linguagem. O Céu da Boca sugere a integração de jogos verbais, a experimentação da palavra em situação de liberdade, e desencadeará um prazer renovado. Praticados em oficinas de escrita, em modalidades que pedagogos e surrealistas divulgaram, constituem um desafio; jogar com sons, com grafemas, com vocábulos, com significações desvela potencialidades da língua. Ensaiar a expressão do ritmo e das figuras fónicas, a disposição gráfica e os tipografismos, experimentar o carácter cinético e cinemático do texto é a viagem fascinante em tapete de feiticeiro... que O Céu da boca oferece. Como defendia o Grupo Francês de Educação Nova estes textos e jogos podem reconciliar poesia e pedagogia.Esta obra fará as delícias de qualquer professor de Português. Quem quiser inovar, deixe-se enfeitiçar, deleite-se com os desafios que a aliança entre palavra, música, gesto e imagem suscitam. Se souber e puder, faça este pacto com o texto. Na (a)ventura da escrita e da leitura há uma luz visível que guia o diálogo com o processo de criação entretecido na viagem ao tempo da infância. Temas e motivos recorrem a vozes contadas e lidas, as emoções desenrolam-se no teatro das palavras; aqui velejam velhas palavras de histórias infantis com a imaginação a juntar pontas de símbolos e de fios que urdem outros novos textos...As ilustrações de Alexandre Gamelas, transgressoras, criativas, afinam os sentidos, criando movimento numa teia de cores vibrante, brincalhona, que acompanha e enriquece o texto. O poder da criatividade tece-se com palavras e imagens em O Céu da Boca.Maria Antonieta Garcia"

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