O valor das ideias: Sociais Democratas & Liberais: o PSD impossível

29-09-2009
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Depois de analisadas as dificuldades de construção de uma maioria absoluta do PS num cenário que fugia do clássico modelo da cidade linear com dois partidos ao centro, e de se constatar a efectiva bipolarização do eleitorado de esquerda entre o que prefiro chamar de partidos que ainda não integraram governos constitucionais (para evitar a desadequada e quase implicitamente perjorativa expressão "partidos fora do arco da governabilidade", como bem observava o nosso colega J.V. Faria), e o PS, numa quase perfeita repartição de metades, afirmei em análise anterior que uma eventual coligação de José Sócrates e Paulo Portas parecia, infelizmente, a meu ver, mais simples que os compromissos sérios e não politiqueiros que Francisco Louçã exigiria. Com particularmente sólia argumentação, a Fernanda Valente diz-me sem que me pareça impossível a plausibilidade do cenário que concebe, que Sócrates não assumiria funções de PM nesse cenário, deixando a coligação para ser feita por um seu hipotético número 2. Em todo o caso, o ponto estabelecido anteriormente é que a força do BE no presente momento obriga, como o próprio compreendeu já, Sócrates a cuidar da sua ala esquerda, já que o buffer de segurança à direita está estabelecido. A capacidade de manter o voto conjunto BE+CDU não acima dos 20% parece-me fundamental nesse desiderato. O PM e o PS têm armas para o fazer, mas o BE não é de todo uma força desorganizada e sem contrapontos extremamente sólidos. Essa será uma argumentação interessante de seguir.Disse, contudo, que nesta terceira parte da análise me focaria num outro cenário: o do mais que provável esvaziamento do espaço do PSD permitir a Sócrates penetrar ainda com mais solidez no eleitorado de centro direita, conseguindo uma maioria absoluta mesmo empatando o tal confronto à sua esquerda.Uma análise política séria não se pode valer de uma frase destas: esvaziamento político do PSD sem a consubstanciar. Sob pena de degradação da prosa e desperdício do tempo do leitor. Só que como observava David Santos, sendo interessante o debate em torno da questão do Presidente da Comissão, a Europa enfrenta hoje múltiplos desafios: e a minha tese é precisamente a de o dispersar de forças em torno da questão de Barroso visa esconder a realidade de ausência de projecto político do PSD. Tomás Vasques acaba por sugerir aqui o âmago da questão ao lembrar a inconsequência do debate do debate sobre a divergência de opiniões que possa haver no PS sobre Barroso, em comparação com outras divergências.De que falo eu aqui afinal? A tese corrente é a de que o PSD se tornou um partido instável e sem uma liderança unificante e credível. Eu peço humildemente desculpa, mas discordo. Desde a sua génese oficial, em 1974, por Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, que o PSD (então ainda PPD) é o equivalente geopolítico de um estado federal. De uma confluência de movimentos, muitas vezes divergentes, que se agruparam em torno da figura mais coerente que antes da revolução tinha integrada a chamada ala liberal dos deputados eleitos pelo União Nacional em 1969. Mas não haja aqui equívocos: o qualificativo "liberal" visava aqui somente distinguí-los dos deputadas da continuidade, que não tinham a reforma do regime em mente. Digo em mente, e não em agenda, porque isso os demais também não tinham: com excepção de Francisco Sá Carneiro, os deputados da ala liberal eram franco-atiradores, sem nenhuma união programática, acabando por se tornar um grupo útil a Marcelo Caetano, que os considerava inicialmente, inofensivos, permitindo simular a tal abertura do regime, a dita Primavera Marcelista.Quando o PSD é constituído como partido político, em Maio de 1974, o seu conteúdo programático é naturalmente, como o de todos os partidos, influenciado pelos objectivos revolucionários do Movimento das Forças Armadas. Assim se explica que Diogo Freitas do Amaral, desafiado a formar um partido que trouxesse a direita deposta para dentro da democracia, como o próprio relata no 1º volume das suas memórias políticas, tenha criado com Adelino Amaro da Costa, um partido que no seu nome e programa incluía a social democracia.Entenda-se que, se no caso do CDS era uma matéria de sobrevivência política, é mais questionável a doutrina inicial do PSD (chamesmo-lhe assim). O seu primeiro programa político, como recorda Mário Soares (Direita e Esquerda, F. Mário Soares, 2005) incluía uma meta marxista. E o PSD aprovou a Constituição de 1976, que abarcava a construção progressiva do socialismo. O CDS absteve-se na Constituinte.Sá Carneiro não era de todo alguém que quisesse caminhar para o Marxismo, isso, como disse, é uma contingência revolucionária. Mas era claramente um Social Democrata. A sua inspiração estava no SPD germânico, e em Helmudt Shcmidt. O PSD foi formado com uma concepção de partido republicano e laico. O laicismo é aqui entendido como concepção que advoga a separação entre o Estado e as comunidades religiosas, e a neutralidade do Estado em matéria religiosa. O seu carácter republicano é explicado pelas suas raízes no Porto. Entre os seus dirigentes o PSD manteve republicanos históricos, e o que ficou conhecida por uma costela maçónica moderada. A sua primeira sede, curiosamente, foi no Grande Oriente Lusitano.Importa aqui fazer a clarificação mais importante. O que é a Social Democracia? Ou, dito de outra forma, o que demarcava o campo de Sá Carneiro, em termos ideológicos? De uma forma sintética e simplificada, é uma corrente de pensamento político que nasce no século XIX a partir do marxismo, advogando contudo a reforma progressiva (em lugar da revolução), pela via legislativa, do sistema capitalista no sentido de o tornar mais igualitário.A Internacional Socialista define social democracia a partir de três pilares para a construção de um Estado Social no quadro de uma democracia liberal, parlamentar e representativa. O primeiro destes pilares é precisamente aa ampliação do conceito de liberdade para além da esfera individual. Implícito está o reconhecimento de que livre iniciativa, e a propriedade privada dos meios de produção - que são reconhecidas - podem resultar em limitações de outras liberdades. Por isso, pela negativa, define-se a não submissão a aos legítimos proprietários desses meios, a não discriminação e a não opressão por formas de poder político. Na prática, a liberdade na social democracia não é confundível com um qualquer conceito de neoliberalismo ou de liberalismo social. Respeitando o direito à propriedade privada e à livre iniciativa económica, vai estabelecer fronteiras que estas não podem ultrapassar designdamente subjugando o que numa linguagem mais marxista se chamaria de força de trabalho.Em segundo lugar, a social democracia compreende no seu ideário a igualdade de oportunidades para todos, mesmo numa óptica de justiça social, isto é, corrigindo situações de partida desiguais, sejam físicas, mentais, ou no campo que nos interessa, económicas e sociais. Aqui reside um ponto assumido claramente por Jaime Nogueira Pinto, em A Direita e as Direitas, e que retira em definitivo qualquer veleidade de um partido que se intitule social democrata poder ser seriamente considerado outra coisa que não um partido de Esquerda. O problema está nas concepções antropológicas distintas. Enquanto a Esquerda vive na mitologia do Bom Selvagem de Rousseau, a Direita cai no pessimismo antropológico. A ideia de igualdedade de oportunidades patente na social democracia procura providenciar as mesmas condições de partida, porque acredita que mediante as mesmas condições, o homem, naturalmente bom, vai fazer o bem. A diferenciação entre as condutas humanas resulta de desiguladades, designadamente sociais extremas, que colocam o homem em choque com o seu semelhante.De um ponto de vista jurídico, esta igualdade tem subjacente a percepção de que se tratam iguais de forma igual, mas situações diferentes de modo distinto. Numa óptica de correcção social, por exemplo.Finalmente, o terceiro pilar que a internacional socialista associa à social democracia, é a necessidade de um pensamento político embuído de solidariedade e de compaixão.Serve esta deriva, para firmar a tese central que marca até hoje o sistema político português: o PSD, o Partido Social Democrata que Francisco Sá Carneiro fundou é um partido que se inscreve na matriz da internacional socialista. Nesse sentido, é formalmente equivalente, de um ponto de vista dos princípios a qualquer partido como o SPD alemão de Hemut Schmidt. Ora, se tivermos em conta que o socialismo democrático, a social democracia e o trabalhismo têm o mesmo DNA ideológico, podendo haver nuances consoante as especificidades históricas e nacionais, nada distinguia à partida o partido que Sá Carneiro cria fundar, do Partido Socialista, já existente antes da revolução.Disto mesmo deu conta Mário Soares numa interessante triologia publicada sob autoria de Maria João Avillez na década passada. Em síntese, o PSD nasceu num espaço que estava ideologicamente tomado, e, por isso, nasceu , com o devido respeito pela figura de Sá Carneiro, como um aborto político. Não era no campo do socialismo democrático que Portugal precisava de um partido a mais. Por isso Sá Carneiro votou a constituição de 1976 enquanto Freitas do Amaral se absteve.Alguém me poderá dizer que me estou a esquecer de dois factores: o peso do PS junto da Internacional Socialista e a maior proximidade pré-revolucionária do PS aos ideais marxistas. Sucede que:a) o primeiro destes pontos apenas corrobora a tese acima. É certo que o PS tenha nascido na Alemanha e gozava de influência junto da Internacional Socialista. Mas o que também é certo é que Sá Carneiro tentou por diversos meios e sem sucesso inscrever o PSD na Internacional Socialista. Aliás há um dabete interessante recente a esse respeito aqui. Independentemente das tácticas mais ou menos claras que na altura Mário Soares tenha usado, a verdade é que se o tiver feito, foi porque Sá Carneiro tinha em mente um partido que definitivamente não pertencia sequer ao centro direita. O PSD é, na génese, um partido de esquerda.b) a maior proximidade do PS pré-revolução aos ideais marxistas é indiscutível. Mas, 7 dias de revolução, no famoso 1º de Maio de 1974, a luta política de Mário Soares passou a ter uma natureza distinta: a oposição a um projecto apelidado de ditatorial do PCP para Portugal. Nas palavrad do próprio "o percurso do PS após a revolução foi muito rapidamente marcado pela clivagem com o PCP", tendo Soares mantido a sua fidelidade à defesa da via gradualista (não revolucionária) das reformas sociais.O que tudo isto significa, em termos prácticos, é que o projecto político de Sá Carneiro passava pela ocupação ideológica de um espaço que pertencia já ao PS. Este erro histórico criou ao PSD uma crise de identidade `nascença, e está na base de todos os seus tumultos na década de 70 e na actualidade.A sobrevivência do PSD passou inicialmente pelo misticismo popular em torno da figura de Sá Carneiro, tornado mártir com o desastre de 4 de Dezembro de 1980. A base social de apoio do partido podia ser oriunda, em grande medida do que chamariamos de direita, onde o CDS podia ter-se afirmado isoladamente como polo aglomerador. Mas a verdade é que os períodos revolucionários são marcados por contingências. E no período pós revolucionário o CDS foi constituído, numa missão histórica importante como a casa de abrigo de Direita do anterior regime. Essa é uma direita conservadora, de matriz religiosa e com preocupações sociais. Não identifico no projecto os traços tradicionais de um partido democrata cristão. Mas nessa altura, o a ser alguma coisa o CDS era o partido do conservadorismo social e da democracia cristã.Resulta daqui que a chamada direita dos interesses, amorfa ideologicamente, constituida por quadros da classe média (e que veio a dar corpo ao que hoje chamariamos de uma direita neo-liberal e adepta de um estado mínimo foi juntar-se à organização que maior dinamismo exibia e que podia aspirar ao poder, um PSD erradamente percepcionado por este grupo como sendo um parido de direita).O âmago dos problemas do PSD está aqui caracterizado. No período pós revolução, o partido tornou-se progressivamente um saco de gatos, onde cabiam as duas forças que na generalidade das democracias estáveis se antagonizam pelo poder: os sociais democratas e a direita dos interesses. A famosa divisão do V congresso do PSD, em 1978, que marcou a ascensão de Sousa Franco a presidente do partido, já tinha subjacente a percepção de uma dupla identidade do partido: os sociais democrtas e as forças de direita que se tinham juntado à maior força que percepcionavam do seu lado do espectro. A saída de Sousa Franco do partido com outros notáveis ocorreu numa clara movimentação para a esquerda, onde constituiram a ASDI que viria coligar-se com o PS.Se o partido viveu em tumulto, ainda na AD e nos tempos do Bloco Central, a pacificação existiu apenas com a ascensão e subsequentes vitórias eleitorais de Cavaco Silva (a primeira ainda sem maioria absoluta). E se o partido sobreviveu até hoje, muito se deve à experiência de poder que muitos dos, então, jovens turcos ganharam à conta de Cavaco. Mas do ponto de vista da clarificação ideológica, Cavaco não fez nada pelo PSD. Era um pragmático, que sabia que precisava da social democracia para ganhar eleições ao centro, mas conduziu uma política económica liberalizadora do regime: com as privatizações, a autonomia dos mercados financeiros e a abertura das frequências de TV aos privados como imagens de marca. Não sendo obviamente um liberal, até pelo culto das obras do regime com aumento da despesa pública, isso devia-se mais ao seu keynesianismo do que a opções políticas profundas.Os 10 anos de Cavaco acabaram com qualquer tentativa de caracterização ideológica do PSD. A popularidade que resta hoje ao partido vem dessa ideia de eficácia. E o poder era uma poderosa força aglutinadora. Mas, seriamente, alguém poderá dizer que ideiais, que linhas de rumo, que opções políticas uniram sob a mesma capa gente como Pedro Santa Lopes, Zita Seabra, Pacheco Pereira, Dias Loureiro, Miguel Cadilhe, Luis Filipe Menezes, Fernando Nogueira ou Eurico de Melo? O partido, dada a ausência de ideologia do líder tornou-se um albergue espanhol, onde cabia gente vinda do marxismo, gente oriunda da direita neoliberal e dos interesses, grande parte da tal direita saudosista, religiosa, e socialmente solidária, sociais democratas genuinos, e até elementos de uma direita popular e caudilhista.E enquanto isto sucedia, o CDS tomado de assalto por Manuel Monteiro e Paulo Portas, passava a Partido Popular, reivindincando-se de franjas descontentes do eleitorado, com uma clara vocação a disputar essa direita populista. O discurso anti-europeísta do PP do início dos anos 90 criou uma nova figura política em Portugal.Para o ponto que me interessa aqui demonstrar, a questão é simplesmente esta:quando Cavaco sai as diversas famílias que viviam sob a mesma sgla passam anos a degladiar-se. Até hoje.As directas de 2008 puseram alegadamente em confronto as três correntes que subsistem no partido: Santana Lopes tornou-se o expoente natural do populismo demagógico, e o homem que está mais próximo do que seria o PP da altura, Passos Coelho foi rapidamente endeusado como um liberal, e Manuela Ferreira Leite, por razões que a razão desconhece ficou a representa o lado social democrata. Como é natural, as facções desentenderam-se e a desertificação ideológica que vem de Cavavo, levou Passos Coelho a dar o dito por não dito em Outubro de 2008, e a surgir como campeão da defesa do despesismo de que Sócrates é acusado.E uma vez mais temos um putativo futuro líder do PSD infefinido entre o liberalismo e a social democracia. A questão de fundo para um partido como o PSD nunca foi se era conservador ou liberal. Essa é uma controvérsia que alguns parecem querer resolver com uma acepção de conservadorismo anglo-saxónica, de matriz Oakeshottiana, que já se tornaria compatível com o liberalismo.Só que esse não é o problema do PSD, nem aquilo que motiva o mosaico em que o partido se tornou: o verdadeiro confronto, o eterno confronto no PSD é entre liberais e sociais democratas. Porque em definitivo estes não podem existir no mesmo espaço sem a motivação da partilha de poder. Por isso, o PSD é um partido cuja fragmentação está "escrita nas estrelas" desde a sua génese. Para um dia.A maior segurança eleitoral de José Sócrates neste momento passa por essa imensa fractura que dá sinais de si dentro do PSD. Não há outra possibilidade admissível senão pensar que a falta de unidade do partido parte da sua génese errada, e de um percursos que só se tornou possível pela mitologia cavaquista. A questão que se põe é, portanto, se o eleitorado tiver a razoabilidade de punir com uma segunda marca consecutiva em legislativas o PSD com menos de 30-33% dos votos, se haverá ali quem perceba que enquanto aquele espaço não arrumar a casa a luta fratricida continuará. E a arrumação só pode ser a implosão das alas liberais & populista e da ala social democrata. As primeiras podem fundir-se com o CDS, ou não partilhar de uma matriz democrata-cristã. Isso é imprevisível, já que o próprio liberalismo não se consegue afirmar bem no CDS, e porque não sabemos a cada dia se Portas acorda mais democrata-cristão ou mais populista. Mas a segunda está miticamente destinada a cumprir o que António Sousa Franco percebeu e juntar-se ao PS. Particularmente com um líder como José Sócrates, se o eleitorado dos PSD mais social democrata não tem problemas em migrar, as suas cúpulas deviam perceber que estava na hora de a direita portuguesa arrumar a casa.Digo eu, que nem tenho nada a ver com isso!


Depois de analisadas as dificuldades de construção de uma maioria absoluta do PS num cenário que fugia do clássico modelo da cidade linear com dois partidos ao centro, e de se constatar a efectiva bipolarização do eleitorado de esquerda entre o que prefiro chamar de partidos que ainda não integraram governos constitucionais (para evitar a desadequada e quase implicitamente perjorativa expressão "partidos fora do arco da governabilidade", como bem observava o nosso colega J.V. Faria), e o PS, numa quase perfeita repartição de metades, afirmei em análise anterior que uma eventual coligação de José Sócrates e Paulo Portas parecia, infelizmente, a meu ver, mais simples que os compromissos sérios e não politiqueiros que Francisco Louçã exigiria. Com particularmente sólia argumentação, a Fernanda Valente diz-me sem que me pareça impossível a plausibilidade do cenário que concebe, que Sócrates não assumiria funções de PM nesse cenário, deixando a coligação para ser feita por um seu hipotético número 2. Em todo o caso, o ponto estabelecido anteriormente é que a força do BE no presente momento obriga, como o próprio compreendeu já, Sócrates a cuidar da sua ala esquerda, já que o buffer de segurança à direita está estabelecido. A capacidade de manter o voto conjunto BE+CDU não acima dos 20% parece-me fundamental nesse desiderato. O PM e o PS têm armas para o fazer, mas o BE não é de todo uma força desorganizada e sem contrapontos extremamente sólidos. Essa será uma argumentação interessante de seguir.Disse, contudo, que nesta terceira parte da análise me focaria num outro cenário: o do mais que provável esvaziamento do espaço do PSD permitir a Sócrates penetrar ainda com mais solidez no eleitorado de centro direita, conseguindo uma maioria absoluta mesmo empatando o tal confronto à sua esquerda.Uma análise política séria não se pode valer de uma frase destas: esvaziamento político do PSD sem a consubstanciar. Sob pena de degradação da prosa e desperdício do tempo do leitor. Só que como observava David Santos, sendo interessante o debate em torno da questão do Presidente da Comissão, a Europa enfrenta hoje múltiplos desafios: e a minha tese é precisamente a de o dispersar de forças em torno da questão de Barroso visa esconder a realidade de ausência de projecto político do PSD. Tomás Vasques acaba por sugerir aqui o âmago da questão ao lembrar a inconsequência do debate do debate sobre a divergência de opiniões que possa haver no PS sobre Barroso, em comparação com outras divergências.De que falo eu aqui afinal? A tese corrente é a de que o PSD se tornou um partido instável e sem uma liderança unificante e credível. Eu peço humildemente desculpa, mas discordo. Desde a sua génese oficial, em 1974, por Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, que o PSD (então ainda PPD) é o equivalente geopolítico de um estado federal. De uma confluência de movimentos, muitas vezes divergentes, que se agruparam em torno da figura mais coerente que antes da revolução tinha integrada a chamada ala liberal dos deputados eleitos pelo União Nacional em 1969. Mas não haja aqui equívocos: o qualificativo "liberal" visava aqui somente distinguí-los dos deputadas da continuidade, que não tinham a reforma do regime em mente. Digo em mente, e não em agenda, porque isso os demais também não tinham: com excepção de Francisco Sá Carneiro, os deputados da ala liberal eram franco-atiradores, sem nenhuma união programática, acabando por se tornar um grupo útil a Marcelo Caetano, que os considerava inicialmente, inofensivos, permitindo simular a tal abertura do regime, a dita Primavera Marcelista.Quando o PSD é constituído como partido político, em Maio de 1974, o seu conteúdo programático é naturalmente, como o de todos os partidos, influenciado pelos objectivos revolucionários do Movimento das Forças Armadas. Assim se explica que Diogo Freitas do Amaral, desafiado a formar um partido que trouxesse a direita deposta para dentro da democracia, como o próprio relata no 1º volume das suas memórias políticas, tenha criado com Adelino Amaro da Costa, um partido que no seu nome e programa incluía a social democracia.Entenda-se que, se no caso do CDS era uma matéria de sobrevivência política, é mais questionável a doutrina inicial do PSD (chamesmo-lhe assim). O seu primeiro programa político, como recorda Mário Soares (Direita e Esquerda, F. Mário Soares, 2005) incluía uma meta marxista. E o PSD aprovou a Constituição de 1976, que abarcava a construção progressiva do socialismo. O CDS absteve-se na Constituinte.Sá Carneiro não era de todo alguém que quisesse caminhar para o Marxismo, isso, como disse, é uma contingência revolucionária. Mas era claramente um Social Democrata. A sua inspiração estava no SPD germânico, e em Helmudt Shcmidt. O PSD foi formado com uma concepção de partido republicano e laico. O laicismo é aqui entendido como concepção que advoga a separação entre o Estado e as comunidades religiosas, e a neutralidade do Estado em matéria religiosa. O seu carácter republicano é explicado pelas suas raízes no Porto. Entre os seus dirigentes o PSD manteve republicanos históricos, e o que ficou conhecida por uma costela maçónica moderada. A sua primeira sede, curiosamente, foi no Grande Oriente Lusitano.Importa aqui fazer a clarificação mais importante. O que é a Social Democracia? Ou, dito de outra forma, o que demarcava o campo de Sá Carneiro, em termos ideológicos? De uma forma sintética e simplificada, é uma corrente de pensamento político que nasce no século XIX a partir do marxismo, advogando contudo a reforma progressiva (em lugar da revolução), pela via legislativa, do sistema capitalista no sentido de o tornar mais igualitário.A Internacional Socialista define social democracia a partir de três pilares para a construção de um Estado Social no quadro de uma democracia liberal, parlamentar e representativa. O primeiro destes pilares é precisamente aa ampliação do conceito de liberdade para além da esfera individual. Implícito está o reconhecimento de que livre iniciativa, e a propriedade privada dos meios de produção - que são reconhecidas - podem resultar em limitações de outras liberdades. Por isso, pela negativa, define-se a não submissão a aos legítimos proprietários desses meios, a não discriminação e a não opressão por formas de poder político. Na prática, a liberdade na social democracia não é confundível com um qualquer conceito de neoliberalismo ou de liberalismo social. Respeitando o direito à propriedade privada e à livre iniciativa económica, vai estabelecer fronteiras que estas não podem ultrapassar designdamente subjugando o que numa linguagem mais marxista se chamaria de força de trabalho.Em segundo lugar, a social democracia compreende no seu ideário a igualdade de oportunidades para todos, mesmo numa óptica de justiça social, isto é, corrigindo situações de partida desiguais, sejam físicas, mentais, ou no campo que nos interessa, económicas e sociais. Aqui reside um ponto assumido claramente por Jaime Nogueira Pinto, em A Direita e as Direitas, e que retira em definitivo qualquer veleidade de um partido que se intitule social democrata poder ser seriamente considerado outra coisa que não um partido de Esquerda. O problema está nas concepções antropológicas distintas. Enquanto a Esquerda vive na mitologia do Bom Selvagem de Rousseau, a Direita cai no pessimismo antropológico. A ideia de igualdedade de oportunidades patente na social democracia procura providenciar as mesmas condições de partida, porque acredita que mediante as mesmas condições, o homem, naturalmente bom, vai fazer o bem. A diferenciação entre as condutas humanas resulta de desiguladades, designadamente sociais extremas, que colocam o homem em choque com o seu semelhante.De um ponto de vista jurídico, esta igualdade tem subjacente a percepção de que se tratam iguais de forma igual, mas situações diferentes de modo distinto. Numa óptica de correcção social, por exemplo.Finalmente, o terceiro pilar que a internacional socialista associa à social democracia, é a necessidade de um pensamento político embuído de solidariedade e de compaixão.Serve esta deriva, para firmar a tese central que marca até hoje o sistema político português: o PSD, o Partido Social Democrata que Francisco Sá Carneiro fundou é um partido que se inscreve na matriz da internacional socialista. Nesse sentido, é formalmente equivalente, de um ponto de vista dos princípios a qualquer partido como o SPD alemão de Hemut Schmidt. Ora, se tivermos em conta que o socialismo democrático, a social democracia e o trabalhismo têm o mesmo DNA ideológico, podendo haver nuances consoante as especificidades históricas e nacionais, nada distinguia à partida o partido que Sá Carneiro cria fundar, do Partido Socialista, já existente antes da revolução.Disto mesmo deu conta Mário Soares numa interessante triologia publicada sob autoria de Maria João Avillez na década passada. Em síntese, o PSD nasceu num espaço que estava ideologicamente tomado, e, por isso, nasceu , com o devido respeito pela figura de Sá Carneiro, como um aborto político. Não era no campo do socialismo democrático que Portugal precisava de um partido a mais. Por isso Sá Carneiro votou a constituição de 1976 enquanto Freitas do Amaral se absteve.Alguém me poderá dizer que me estou a esquecer de dois factores: o peso do PS junto da Internacional Socialista e a maior proximidade pré-revolucionária do PS aos ideais marxistas. Sucede que:a) o primeiro destes pontos apenas corrobora a tese acima. É certo que o PS tenha nascido na Alemanha e gozava de influência junto da Internacional Socialista. Mas o que também é certo é que Sá Carneiro tentou por diversos meios e sem sucesso inscrever o PSD na Internacional Socialista. Aliás há um dabete interessante recente a esse respeito aqui. Independentemente das tácticas mais ou menos claras que na altura Mário Soares tenha usado, a verdade é que se o tiver feito, foi porque Sá Carneiro tinha em mente um partido que definitivamente não pertencia sequer ao centro direita. O PSD é, na génese, um partido de esquerda.b) a maior proximidade do PS pré-revolução aos ideais marxistas é indiscutível. Mas, 7 dias de revolução, no famoso 1º de Maio de 1974, a luta política de Mário Soares passou a ter uma natureza distinta: a oposição a um projecto apelidado de ditatorial do PCP para Portugal. Nas palavrad do próprio "o percurso do PS após a revolução foi muito rapidamente marcado pela clivagem com o PCP", tendo Soares mantido a sua fidelidade à defesa da via gradualista (não revolucionária) das reformas sociais.O que tudo isto significa, em termos prácticos, é que o projecto político de Sá Carneiro passava pela ocupação ideológica de um espaço que pertencia já ao PS. Este erro histórico criou ao PSD uma crise de identidade `nascença, e está na base de todos os seus tumultos na década de 70 e na actualidade.A sobrevivência do PSD passou inicialmente pelo misticismo popular em torno da figura de Sá Carneiro, tornado mártir com o desastre de 4 de Dezembro de 1980. A base social de apoio do partido podia ser oriunda, em grande medida do que chamariamos de direita, onde o CDS podia ter-se afirmado isoladamente como polo aglomerador. Mas a verdade é que os períodos revolucionários são marcados por contingências. E no período pós revolucionário o CDS foi constituído, numa missão histórica importante como a casa de abrigo de Direita do anterior regime. Essa é uma direita conservadora, de matriz religiosa e com preocupações sociais. Não identifico no projecto os traços tradicionais de um partido democrata cristão. Mas nessa altura, o a ser alguma coisa o CDS era o partido do conservadorismo social e da democracia cristã.Resulta daqui que a chamada direita dos interesses, amorfa ideologicamente, constituida por quadros da classe média (e que veio a dar corpo ao que hoje chamariamos de uma direita neo-liberal e adepta de um estado mínimo foi juntar-se à organização que maior dinamismo exibia e que podia aspirar ao poder, um PSD erradamente percepcionado por este grupo como sendo um parido de direita).O âmago dos problemas do PSD está aqui caracterizado. No período pós revolução, o partido tornou-se progressivamente um saco de gatos, onde cabiam as duas forças que na generalidade das democracias estáveis se antagonizam pelo poder: os sociais democratas e a direita dos interesses. A famosa divisão do V congresso do PSD, em 1978, que marcou a ascensão de Sousa Franco a presidente do partido, já tinha subjacente a percepção de uma dupla identidade do partido: os sociais democrtas e as forças de direita que se tinham juntado à maior força que percepcionavam do seu lado do espectro. A saída de Sousa Franco do partido com outros notáveis ocorreu numa clara movimentação para a esquerda, onde constituiram a ASDI que viria coligar-se com o PS.Se o partido viveu em tumulto, ainda na AD e nos tempos do Bloco Central, a pacificação existiu apenas com a ascensão e subsequentes vitórias eleitorais de Cavaco Silva (a primeira ainda sem maioria absoluta). E se o partido sobreviveu até hoje, muito se deve à experiência de poder que muitos dos, então, jovens turcos ganharam à conta de Cavaco. Mas do ponto de vista da clarificação ideológica, Cavaco não fez nada pelo PSD. Era um pragmático, que sabia que precisava da social democracia para ganhar eleições ao centro, mas conduziu uma política económica liberalizadora do regime: com as privatizações, a autonomia dos mercados financeiros e a abertura das frequências de TV aos privados como imagens de marca. Não sendo obviamente um liberal, até pelo culto das obras do regime com aumento da despesa pública, isso devia-se mais ao seu keynesianismo do que a opções políticas profundas.Os 10 anos de Cavaco acabaram com qualquer tentativa de caracterização ideológica do PSD. A popularidade que resta hoje ao partido vem dessa ideia de eficácia. E o poder era uma poderosa força aglutinadora. Mas, seriamente, alguém poderá dizer que ideiais, que linhas de rumo, que opções políticas uniram sob a mesma capa gente como Pedro Santa Lopes, Zita Seabra, Pacheco Pereira, Dias Loureiro, Miguel Cadilhe, Luis Filipe Menezes, Fernando Nogueira ou Eurico de Melo? O partido, dada a ausência de ideologia do líder tornou-se um albergue espanhol, onde cabia gente vinda do marxismo, gente oriunda da direita neoliberal e dos interesses, grande parte da tal direita saudosista, religiosa, e socialmente solidária, sociais democratas genuinos, e até elementos de uma direita popular e caudilhista.E enquanto isto sucedia, o CDS tomado de assalto por Manuel Monteiro e Paulo Portas, passava a Partido Popular, reivindincando-se de franjas descontentes do eleitorado, com uma clara vocação a disputar essa direita populista. O discurso anti-europeísta do PP do início dos anos 90 criou uma nova figura política em Portugal.Para o ponto que me interessa aqui demonstrar, a questão é simplesmente esta:quando Cavaco sai as diversas famílias que viviam sob a mesma sgla passam anos a degladiar-se. Até hoje.As directas de 2008 puseram alegadamente em confronto as três correntes que subsistem no partido: Santana Lopes tornou-se o expoente natural do populismo demagógico, e o homem que está mais próximo do que seria o PP da altura, Passos Coelho foi rapidamente endeusado como um liberal, e Manuela Ferreira Leite, por razões que a razão desconhece ficou a representa o lado social democrata. Como é natural, as facções desentenderam-se e a desertificação ideológica que vem de Cavavo, levou Passos Coelho a dar o dito por não dito em Outubro de 2008, e a surgir como campeão da defesa do despesismo de que Sócrates é acusado.E uma vez mais temos um putativo futuro líder do PSD infefinido entre o liberalismo e a social democracia. A questão de fundo para um partido como o PSD nunca foi se era conservador ou liberal. Essa é uma controvérsia que alguns parecem querer resolver com uma acepção de conservadorismo anglo-saxónica, de matriz Oakeshottiana, que já se tornaria compatível com o liberalismo.Só que esse não é o problema do PSD, nem aquilo que motiva o mosaico em que o partido se tornou: o verdadeiro confronto, o eterno confronto no PSD é entre liberais e sociais democratas. Porque em definitivo estes não podem existir no mesmo espaço sem a motivação da partilha de poder. Por isso, o PSD é um partido cuja fragmentação está "escrita nas estrelas" desde a sua génese. Para um dia.A maior segurança eleitoral de José Sócrates neste momento passa por essa imensa fractura que dá sinais de si dentro do PSD. Não há outra possibilidade admissível senão pensar que a falta de unidade do partido parte da sua génese errada, e de um percursos que só se tornou possível pela mitologia cavaquista. A questão que se põe é, portanto, se o eleitorado tiver a razoabilidade de punir com uma segunda marca consecutiva em legislativas o PSD com menos de 30-33% dos votos, se haverá ali quem perceba que enquanto aquele espaço não arrumar a casa a luta fratricida continuará. E a arrumação só pode ser a implosão das alas liberais & populista e da ala social democrata. As primeiras podem fundir-se com o CDS, ou não partilhar de uma matriz democrata-cristã. Isso é imprevisível, já que o próprio liberalismo não se consegue afirmar bem no CDS, e porque não sabemos a cada dia se Portas acorda mais democrata-cristão ou mais populista. Mas a segunda está miticamente destinada a cumprir o que António Sousa Franco percebeu e juntar-se ao PS. Particularmente com um líder como José Sócrates, se o eleitorado dos PSD mais social democrata não tem problemas em migrar, as suas cúpulas deviam perceber que estava na hora de a direita portuguesa arrumar a casa.Digo eu, que nem tenho nada a ver com isso!

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