O valor das ideias: Roubini: O fim do laissez-faire não é o fim do Mundo

29-09-2009
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Roubini deu-me um alento de fim de dia, ao defender hoje, na Forbes, algumas ideias porque me ando a bater há algum tempo. Algumas delas chegaram a ser desenvolvidas neste blogue despertando iras violentas de uma corrente estranha de ortodoxos que pulula por aí.É minha convicção e entendimento que a teoria económica tradicional tem múltiplas falhas. Enquanto investigador em Econometria, cruzo-me com elas diariamente: até hoje, há alguns personagens que teimam em insistir comigo nas virtudes da explicação da inflação a partir apenas do excesso de criação monetária, mesmo quando nos primórdios deste blogue eu lhes demonstrei graficamente que isso não era verdade. A inflação, como a generalidade dos fenómenos económicos, reveste-se de uma complexidade de causas que não são inteiramente percebidas por nenhuma teoria isoladamente. O Journal of Applied Econometrics demonstrou isso mesmo em 2001. Mas o que torna os ortodoxos mais interessantes é aquela visão do mundo em que a teoria tem de preceder a realidade, ou seja, os dados. Se o modelo é mau, de um ponto de vista estatístico, isso resulta de maus métodos matemáticos ou más amostras. Nunca passa pela cabeça da ortodoxia que a ciência que não sobrevive ao teste empírico não é digna desse nome.O meu posicionamento quanto à intervenção do estado na economia, em tempos normais, que claramente não são os que correm, passa por reconhecer que mercados diferenciados têm soluções diferenciadas. Na generalidade dos casos, o papel do Estado é meramente a de um regulador que proporcione uma estrutura institucional e legal capaz para os agentes interagirem. E este meramente não é pouco. Se for capaz de o fazer, o Estado já estará a fazer muito. E muito bem. O problema das ortodoxias é tenderem a ver o mundo a preto e branco: há o laissez-faire total e o estatismo opressor da liberdade individual. A existência de um enquadramento como o direito de concorrência importa pouco. Qualquer lei é uma restrição dessa liberdade individual na qual, pensam eles, indivíduos racionais agem para o seu melhor.O que Roubini escreveu hoje na Forbes é esclarecedor de uma posição ousada na academia americana. Diz ele que a crise actual mostrou o fracasso de diversas teorias e diversos pressupostos de comportamento do homo economicus. E dá dois exemplos: a teoria dos mercados eficientes, e, surpreendam-se as “expectativas racionais”. Quando há algum tempo escrevi num comentário neste blogue que não acreditava nas expectativas racionais, houve alguém que decidiu que isso era estranho vindo de um académico. Vim a perceber que a pessoa em causa, não sabia de facto o que são expectativas racionais: equivalem a acreditar que os indivíduos não cometem erros sistemáticos de previsão. Em média, tomam boas decisões. A eficiência dos mercados, do Eugene Fama, postula que os agentes interagem na determinação dos preços dos activos incorporando toda a informação disponível e assumindo um comportamento optimizador. Logo, os mercados financeiros são eficientes. O corolário das duas ideias é a dos mercados auto-regulados que nos EUA tomou forma com a Reaganomics.A tal evidência empírica mostra que há bolhas especulativas em função de euforias e exuberâncias irracionais. Mas então os mercados não são eficientes! A interacção da psicologia com a economia comportamental e a economia financeira, torna clara a ausência de bases da ideia de expectativas racionais. A auto-regulação é bem desmontada por Roubini com a própria teoria da agência, e com o risco moral em que a gestão vive. Como terá dito um antigo director do Citigroup “when the music is playing you have to stand up and dance”.Quando defendi ao analisar o plano de recuperação imobiliária que Obama sugeriu Quarta que a regulação financeira deveria preceder as intervenções deste tipo, limitei-me a reproduzir o raciocínio que advoguei no meu livro. E que Obama largamente partilhou até tomar posse. O modelo de auto-regulação estava esgotado. È necessário legislar sobre os comportamentos bancários na concessão de crédito (que evite uma nova onda no subprime), obrigar os bancos a avaliar o risco, impor medidas de solvabilidade e requisitos de capitais próprios (como a subida da tier 1) que evitem que se voltem a descobrir situações de concessão de créditos com alavancagem de 100 para 1.Quando Roubini nota que o 2º acordo de Basileia já está desactualizado antes de entrar em funcionamento, quando apela à apropriação pelo Estado dos bancos com activos tóxicos, está em última instância a defender a própria economia de mercado. Como comentei a respeito do plano Geithner: os bancos só os vendem se quiserem. Se é fundamental limpar os balanços bancários, uma nacionalização nos termos da Suécia em 1992 é adequada e mais eficaz, com a subsequente privatização.Disse-se que os EUA não estavam preparados para isso. Mas o plano Geithner arrisca-se a prolongar a crise por falta de coragem política. No mesmo sentido, o plano imobiliário de Obama peca por escasso ao incentivar a renegociação das hipotecas, em lugar de impor um ajustamento ao valor de mercado. O próprio NYT notava que nos termos em que Obama o formulou só pessoas com uma desvalorização das suas casas em 5% ou menos estarão protegidas. O resto são situações em que os incentivos à renegociação não compensam os custos com a penhora.Tempos difíceis requerem medidas drásticas. E para minha felicidade final, Roubini veio reconhecer o carácter excessivamente lento com que o Banco Central Europeu está a responder à crise. Ando há imenso tempo a pregar contra os estatutos do BCE. Neste momento, há vários países europeus a decrescer mais depressa que os EUA. A ideia de Almunia vir ontem reclamar pelo PEC foi de um fundamentalismo básico: a própria comissão tinha apelado aos Estados para conceberem planos fiscais de combate à crise. Se a UEM tinha um desenho errado à partida, porque tinha, a crise talvez possa vir ajudar a tornar isso mais claro aos ortodoxos do monetarismo europeu. Restará saber quanto tempo e quantos empregos terão de ser destruídos no processo.E depois há a questão do comércio internacional. Que muita gente se insurge a defender contra os proteccionismos. Já aqui dissequei o problema. Como no livro. Comércio justo não é bem o mesmo que proteccionismo. E quando se nacionalizam bancos em Inglaterra não se está a ser proteccionista?Há que ter uma ideia dos conceitos antes de os usar. Disse há meses numa entrevista que a crise teria que alterar o ensinamento de alguns paradigmas. Fico feliz por notar que na Stern Business School já há quem pense o mesmo.Mas o estranho é ainda haver quem chame à regulação intervencionismo. E quem seja contra qualquer forma de política económica. Porque dizem, oprime o tal ser hiper racional e com informação perfeita….que eu por acaso nunca conheci.


Roubini deu-me um alento de fim de dia, ao defender hoje, na Forbes, algumas ideias porque me ando a bater há algum tempo. Algumas delas chegaram a ser desenvolvidas neste blogue despertando iras violentas de uma corrente estranha de ortodoxos que pulula por aí.É minha convicção e entendimento que a teoria económica tradicional tem múltiplas falhas. Enquanto investigador em Econometria, cruzo-me com elas diariamente: até hoje, há alguns personagens que teimam em insistir comigo nas virtudes da explicação da inflação a partir apenas do excesso de criação monetária, mesmo quando nos primórdios deste blogue eu lhes demonstrei graficamente que isso não era verdade. A inflação, como a generalidade dos fenómenos económicos, reveste-se de uma complexidade de causas que não são inteiramente percebidas por nenhuma teoria isoladamente. O Journal of Applied Econometrics demonstrou isso mesmo em 2001. Mas o que torna os ortodoxos mais interessantes é aquela visão do mundo em que a teoria tem de preceder a realidade, ou seja, os dados. Se o modelo é mau, de um ponto de vista estatístico, isso resulta de maus métodos matemáticos ou más amostras. Nunca passa pela cabeça da ortodoxia que a ciência que não sobrevive ao teste empírico não é digna desse nome.O meu posicionamento quanto à intervenção do estado na economia, em tempos normais, que claramente não são os que correm, passa por reconhecer que mercados diferenciados têm soluções diferenciadas. Na generalidade dos casos, o papel do Estado é meramente a de um regulador que proporcione uma estrutura institucional e legal capaz para os agentes interagirem. E este meramente não é pouco. Se for capaz de o fazer, o Estado já estará a fazer muito. E muito bem. O problema das ortodoxias é tenderem a ver o mundo a preto e branco: há o laissez-faire total e o estatismo opressor da liberdade individual. A existência de um enquadramento como o direito de concorrência importa pouco. Qualquer lei é uma restrição dessa liberdade individual na qual, pensam eles, indivíduos racionais agem para o seu melhor.O que Roubini escreveu hoje na Forbes é esclarecedor de uma posição ousada na academia americana. Diz ele que a crise actual mostrou o fracasso de diversas teorias e diversos pressupostos de comportamento do homo economicus. E dá dois exemplos: a teoria dos mercados eficientes, e, surpreendam-se as “expectativas racionais”. Quando há algum tempo escrevi num comentário neste blogue que não acreditava nas expectativas racionais, houve alguém que decidiu que isso era estranho vindo de um académico. Vim a perceber que a pessoa em causa, não sabia de facto o que são expectativas racionais: equivalem a acreditar que os indivíduos não cometem erros sistemáticos de previsão. Em média, tomam boas decisões. A eficiência dos mercados, do Eugene Fama, postula que os agentes interagem na determinação dos preços dos activos incorporando toda a informação disponível e assumindo um comportamento optimizador. Logo, os mercados financeiros são eficientes. O corolário das duas ideias é a dos mercados auto-regulados que nos EUA tomou forma com a Reaganomics.A tal evidência empírica mostra que há bolhas especulativas em função de euforias e exuberâncias irracionais. Mas então os mercados não são eficientes! A interacção da psicologia com a economia comportamental e a economia financeira, torna clara a ausência de bases da ideia de expectativas racionais. A auto-regulação é bem desmontada por Roubini com a própria teoria da agência, e com o risco moral em que a gestão vive. Como terá dito um antigo director do Citigroup “when the music is playing you have to stand up and dance”.Quando defendi ao analisar o plano de recuperação imobiliária que Obama sugeriu Quarta que a regulação financeira deveria preceder as intervenções deste tipo, limitei-me a reproduzir o raciocínio que advoguei no meu livro. E que Obama largamente partilhou até tomar posse. O modelo de auto-regulação estava esgotado. È necessário legislar sobre os comportamentos bancários na concessão de crédito (que evite uma nova onda no subprime), obrigar os bancos a avaliar o risco, impor medidas de solvabilidade e requisitos de capitais próprios (como a subida da tier 1) que evitem que se voltem a descobrir situações de concessão de créditos com alavancagem de 100 para 1.Quando Roubini nota que o 2º acordo de Basileia já está desactualizado antes de entrar em funcionamento, quando apela à apropriação pelo Estado dos bancos com activos tóxicos, está em última instância a defender a própria economia de mercado. Como comentei a respeito do plano Geithner: os bancos só os vendem se quiserem. Se é fundamental limpar os balanços bancários, uma nacionalização nos termos da Suécia em 1992 é adequada e mais eficaz, com a subsequente privatização.Disse-se que os EUA não estavam preparados para isso. Mas o plano Geithner arrisca-se a prolongar a crise por falta de coragem política. No mesmo sentido, o plano imobiliário de Obama peca por escasso ao incentivar a renegociação das hipotecas, em lugar de impor um ajustamento ao valor de mercado. O próprio NYT notava que nos termos em que Obama o formulou só pessoas com uma desvalorização das suas casas em 5% ou menos estarão protegidas. O resto são situações em que os incentivos à renegociação não compensam os custos com a penhora.Tempos difíceis requerem medidas drásticas. E para minha felicidade final, Roubini veio reconhecer o carácter excessivamente lento com que o Banco Central Europeu está a responder à crise. Ando há imenso tempo a pregar contra os estatutos do BCE. Neste momento, há vários países europeus a decrescer mais depressa que os EUA. A ideia de Almunia vir ontem reclamar pelo PEC foi de um fundamentalismo básico: a própria comissão tinha apelado aos Estados para conceberem planos fiscais de combate à crise. Se a UEM tinha um desenho errado à partida, porque tinha, a crise talvez possa vir ajudar a tornar isso mais claro aos ortodoxos do monetarismo europeu. Restará saber quanto tempo e quantos empregos terão de ser destruídos no processo.E depois há a questão do comércio internacional. Que muita gente se insurge a defender contra os proteccionismos. Já aqui dissequei o problema. Como no livro. Comércio justo não é bem o mesmo que proteccionismo. E quando se nacionalizam bancos em Inglaterra não se está a ser proteccionista?Há que ter uma ideia dos conceitos antes de os usar. Disse há meses numa entrevista que a crise teria que alterar o ensinamento de alguns paradigmas. Fico feliz por notar que na Stern Business School já há quem pense o mesmo.Mas o estranho é ainda haver quem chame à regulação intervencionismo. E quem seja contra qualquer forma de política económica. Porque dizem, oprime o tal ser hiper racional e com informação perfeita….que eu por acaso nunca conheci.

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